Indústria criativa portuguesa faz declaração pública sobre Diretiva de Direitos de Autor no Mercado Único Digital

«Ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não é a subsistência da internet que está em causa, mas antes a sobrevivência dos setores culturais e criativos, tal como hoje os conhecemos, assim como o futuro da cultura e dos valores europeus»

Na mesa: Carlos Eugénio (Visapress), Paulo Santos (GEDIPE/FEVIP), Paula Cunha (SPA), Miguel Carretas (Audiogest/AFP), Ricardo Flamínio (API) e João Morais (AMAEI) – Créditos: Inácio Ludgero SPA

Uma declaração pública da posição conjunta da indústria criativa portuguesa sobre a Diretiva de Direitos de Autor no Mercado Único Digital teve hoje lugar na Casa da Imprensa, em Lisboa.

Estiveram representadas as entidades signatárias, assim como alguns dos mais reputados autores e artistas nacionais, solidários com esta causa desde o primeiro momento e que juntam a sua voz a largas centenas de milhares de criadores da Europa inteira e do mundo.

No próximo dia 12 de Setembro, o Parlamento Europeu (PE) terá a «oportunidade histórica de pôr cobro a uma situação inaceitável que determina uma total inversão da cadeia de valor entre os criadores de cultura e as plataformas», salientam os signatários do apelo enviado aos deputados portugueses no PE.

«Ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não é a subsistência da internet que está em causa, mas antes a sobrevivência dos setores culturais e criativos, tal como hoje os conhecemos, assim como o futuro da cultura e dos valores europeus», acrescentam.

«O diagnóstico que se faz da situação atual, na qual assistimos a uma transferência de valor (ToV) sem precedentes entre os produtores de cultura e aqueles que a usam abusivamente para somar lucros, não permite outra solução que não a de garantir condições de salvaguarda do direito de autor», salientam.

O texto da proposta de Diretiva, que será submetido a votação no plenário do Parlamento Europeu de dia 12 de Setembro, é o resultado das discussões no Conselho da União Europeia, no qual se salienta o contributo ativo e positivo do governo português e dos trabalhos da Comissão JURI do Parlamento Europeu.

Remunerar os criadores pelo seu trabalho é, sem dúvida, a única questão sobre a qual os deputados do Parlamento Europeu terão que decidir no próximo plenário.

«Este é um momento-chave para a Europa. A União Europeia terá nas suas mãos assegurar a importância que a cultura tem no Mercado Único Digital. É em nome de centenas de milhares de autores, produtores de música e de audiovisual, Portugueses e estrangeiros, e de centenas de empresas jornalísticas e meios de comunicação social nacionais e regionais, que as entidades signatárias apelam aos eurodeputados Portugueses. Queremos que a UE continue a ser sinónimo de um espaço democrático que preza a liberdade de expressão e informação assim como os valores culturais e criativos», sublinham os signatários.

 

Mito 1. “Haverá um filtro de censura e a internet deixará de funcionar como hoje a conhecemos”
As entidades signatárias têm como pilar da sua ação precisamente a defesa da liberdade de expressão. Não é de um limite desta que a proposta de diretiva promove. Os cidadãos continuarão a poder partilhar os conteúdos e obras como até agora. O único que se pretende é que as plataformas obtenham o licenciamento para a disponibilização e utilização legal desses mesmos conteúdos e obras.Mito 2. “Esta alteração legal terá custos para os utilizadores”
Os utilizadores não terão quaisquer custos adicionais com a entrada em vigor desta diretiva. A responsabilidade será única e exclusivamente das organizações que detêm as plataformas nas quais esses conteúdos serão usados. Um exemplo claro disto são as plataformas de utilização gratuita para os utilizadores, que já hoje por iniciativa própria têm implementados mecanismos de monitorização do licenciamento legal dos conteúdos e obras que disponibilizam.Mito 3. “Os titulares de direitos beneficiam com a promoção gratuita das suas obras feita pelas plataformas”
Apesar de cada vez mais pessoas acederem às obras no mundo digital, isso não se reverte automaticamente numa remuneração justa daqueles que as criaram. Contudo, para as plataformas que disponibilizam as obras protegidas sem autorização, essa disponibilização tem sempre efeitos comerciais que lhes permite, sem o esforço e inovação da criação, retirar lucros que não lhes são devidos.

 

Apelo Conjunto aos Deputados Portugueses no Parlamento Europeu

Nunca, como hoje, assistimos a um tão generalizado e massificado acesso aos bens culturais e à informação. A maioria das Mulheres e dos Homens de todo o mundo têm hoje a possibilidade de aceder a obras, prestações artísticas e conteúdos informativos, a uma escala que era até há pouco tempo inimaginável.

Nunca se “consumiu” tanta música, tanta informação, tantos filmes, tantos textos, tantas imagens, enfim, tantas obras. Tanto “conteúdo” protegido, fruto do trabalho de alguém que o cria.

E ainda bem que assim é.

O problema essencial que esta realidade nos coloca é que o crescimento do acesso a bens culturais tem sido, nas últimas décadas, acompanhado por um “empobrecimento” generalizado e global de todos aqueles que criam, interpretam e investem em bens culturais, bem como de uma diminuição das receitas dos meios de comunicação social e informativos, para níveis que se situam, já hoje, abaixo do nível de sustentabilidade destes setores.

A par do decréscimo das receitas daqueles que efetivamente criam e produzem bens culturais – essenciais para o progresso social, cultural e político – temos vindo a assistir a um enriquecimento exponencial e completamente desproporcionado das grandes plataformas globais que, sob a capa dos eufemismos da “partilha” e do “acesso”, vão construindo os seus desmesurados ganhos à custa dos criadores, disponibilizando abusivamente obras e prestações
alheias.

Trata-se de um fenómeno sem precedentes de Transferência de Valor (ToV) entre os criadores e produtores de cultura e aqueles outros que dela se aproveitam para potenciar os seus negócios.

Ora, é evidente que nenhuma atividade económica poderá subsistir, desenvolver-se e florescer sem remunerar quem produz.

A cultura e a informação não são exceções e a importância destes sectores para o desenvolvimento de uma sociedade da cultura e do conhecimento – quando não para o desenvolvimento da própria democracia – não pode servir de pretexto para uma espécie de “expropriação forçada” dos criadores, devendo, ao invés, ser o fundamento orientador de políticas públicas que imponham – no mínimo – justas e reais condições de mercado dos produtos culturais, quando não o incentivo e apoio à sua produção.

A resposta da Europa, que adotou nos últimos anos claras políticas de crescimento e produção de valor digital, só pode ser uma: a proteção dos valores culturais e criativos que estiveram na génese do processo de construção europeia e que devem também enformar um mercado único digital, verdadeiramente justo e equitativo. Estamos perante um momento histórico irrepetível, em que a Europa terá oportunidade de ser um exemplo e um farol para o resto do mundo.

Apesar de toda a campanha de desinformação – levada a cabo por organizações cujo propósito é o de continuar a enriquecer sob o falso pretexto da “promoção” gratuita de conteúdos – o que está em causa na votação da Diretiva do Direito de Autor no Mercado Único Digital, agendada para o próximo dia 12 de Setembro, é a possibilidade de finalmente dispor de um modelo justo de remuneração dos criadores em ambiente digital que inverta este insustentável estado de coisas. É tarde, mas pode ainda não ser tarde demais.

O que está em causa é também a criação de condições para que as plataformas que utilizam conteúdos carregados pelo utilizador – mas têm um papel ativo na disponibilização desses conteúdos – sejam sujeitas a obrigações de efetivo licenciamento.

O que verdadeiramente preocupa os grandes potentados económicos da distribuição digital, opositores da proposta de Diretiva, é que com esta serão obrigados a remunerar justamente os titulares de direitos.

Desta forma, pôr-se-á termo a uma insustentável incerteza jurídica que tem vindo a legitimar a apropriação indevida do valor gerado pela criação.

É esta incerteza jurídica que tem permitido que estas plataformas desviem o valor da criação, canalizando-a para os seus próprios interesses comerciais, ao invés do que acontece com plataformas licenciadas que remuneram justamente os criadores.

Pretende-se também a implementação de um direito conexo para os editores de imprensa, direito já consagrado para a indústria da música, filmes e outros, em ambiente digital, contribuindo para uma maior equidade entre entidades do setor cultural.

Encoraja as organizações que queiram obter valor acrescentado com a reutilização ou com a monetização de conteúdos de imprensa a efetuarem o licenciamento devido aos seus criadores, permitindo a partilha de hyperlinks e dando aos jornalistas a oportunidade de serem remunerados pelos licenciamentos das utilizações efetuadas em linha.

Apesar de serem estes os aspetos fundamentais da diretiva, a campanha dos seus opositores tem vindo, deliberadamente, a descentrar a discussão do essencial, procurando agitar a opinião pública com falsos fantasmas de censura.

Invocam que a aprovação da Diretiva impedirá os utilizadores de partilharem nas referidas plataformas os conteúdos que entenderem, constituindo assim uma limitação à liberdade de expressão.

Nada há de mais falso!

Recordamos que as organizações signatárias representam setores relevantes da produção cultural e dos meios de informação que têm como pressuposto essencial da sua existência a liberdade de expressão.

Os autores, os artistas, os produtores e os meios de comunicação, estiveram, estão e estarão sempre na primeira linha de defesa da liberdade de expressão, sob todas as suas formas.

Portugal é, aliás, um Estado em cuja lei fundamental a proteção legal dos direitos de autor é estabelecida precisamente como instrumento e garantia da liberdade de “criação intelectual, artística e científica”.

Permitir que os criadores e produtores de bens culturais possam ser justamente remunerados pelas suas prestações é, pois, defender a liberdade de expressão artística. De igual modo, criar condições para um justo mercado de conteúdos informativos, é um pressuposto essencial para a existência e manutenção de uma imprensa livre e plural, pilar da própria democracia.

Mas convém lembrar ainda, concretamente, o seguinte: o texto que resultou dos trabalhos da Comissão JURI do Parlamento Europeu não impõe qualquer filtro. A aplicação de mecanismos eletrónicos que impeçam a disponibilização de conteúdos protegidos e não autorizados será sempre uma opção das plataformas que não obtenham previamente o licenciamento, como lhes compete.

E, mesmo nessa circunstância, fica claro que não existirá qualquer “censura” ou “filtro” prévio generalizado. O que se passará é que não poderão ser disponibilizadas as obras, previamente identificadas pelos titulares de direitos e para as quais a plataforma não tenha obtido autorização. Fica assim garantido que obras protegidas cuja disponibilização não tenha sido autorizada pelos seus legítimos criadores – e apenas estas – não possam ser colocadas à disposição por terceiros que, não sendo titulares, apenas as utilizam e disponibilizam.

Tudo o mais permanecerá disponível, e nenhuma disposição legal impedirá que alguém disponibilize da forma e pelos meios que entender os “conteúdos” criados pelo próprio, exercendo assim, plenamente a sua liberdade de expressão que, obviamente, não abrange a liberdade de utilizar a expressão alheia.

É pois falso que exista qualquer “filtro de censura”.

O Regulador Europeu da Proteção de Dados (European Data Protection Supervisor) concluiu já que o texto da Diretiva, tal como foi aprovado na Comissão JURI, não viola qualquer norma de proteção de dados e não impõe um dever geral de monitorização.

Muito pelo contrário.

A Diretiva vem regular mecanismos já hoje existentes de monitorização automática, implementados por iniciativa das plataformas e, diga-se, sem que tal tenha gerado qualquer alarme social generalizado. Neste plano a proposta de diretiva salvaguarda, nomeadamente, a existência de mecanismos de reapreciação e reclamação, a obrigatoriedade legal de tais mecanismos permitirem utilizações livres e a consagração da possibilidade de recurso a instâncias judiciais ou arbitrais para dirimir eventuais conflitos. A leitura do artigo 13.º da proposta de diretiva, tal como resulta do relatório da Comissão JURI, não permite qualquer outra conclusão.

Importa ainda clarificar que, com a aprovação da Diretiva, os cidadãos continuarão a fazer exatamente como até agora e nenhum pagamento lhes será pedido. Compete às plataformas assegurar as condições de remuneração justa para que os conteúdos protegidos possam ser partilhados. Os utilizadores, não só não serão chamados a pagar os custos de licenciamento, como verão legitimados, nas plataformas licenciadas, os atos de disponibilização que já hoje praticam. Também neste plano se encontram ressalvados os direitos fundamentais dos cidadãos.

Este é efetivamente o sentido do conteúdo do texto que, pela primeira vez, será submetido a votação, no plenário agendado para o próximo dia 12 de Setembro.

Foi em nome destes princípios e de uma causa comum a todos os criadores que centenas de autores e artistas portugueses se mobilizaram junto do Governo de Portugal e dos Deputados Portugueses no Parlamento Europeu.

Essa mobilização, integrada num movimento à escala europeia, começou já a dar os seus frutos e as entidades signatárias salientam o importante papel assumido pelo Governo Português aquando da discussão da proposta de Diretiva no âmbito do Conselho da União Europeia. O contributo ativo de Portugal permitiu já a adoção por aquele órgão de um texto para a proposta de diretiva que salvaguarda e defende os direitos dos criadores e da cultura europeia e mundial, no contexto da exploração digital de conteúdos.

Senhores Deputados do Parlamento Europeu,

No próximo dia 12, o Parlamento Europeu terá a oportunidade histórica de pôr cobro a uma situação inaceitável que determina uma total inversão da cadeia de valor entre os criadores de cultura e as plataformas.

Ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não é a subsistência da internet que está em causa mas antes a sobrevivência dos setores culturais e criativos, tal como hoje os conhecemos, bem como o futuro da cultura e valores europeus.

É em nome de centenas de milhares de autores, produtores de música e de audiovisual, Portugueses e estrangeiros, e de centenas de empresas Jornalísticas e meios de comunicação social nacionais e regionais, que aqui deixamos o nosso apelo ao voto favorável à Diretiva, na expectativa de que a Europa possa continuar a ser sinónimo de democracia, ética e justiça.

SPA – Sociedade Portuguesa de Autores
GEDIPE – Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais
FEVIP – Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais
AFP – Associação Fonográfica Portuguesa
AMAEI – Associação de Músicos, Artistas e Editoras Independentes
AUDIOGEST – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos
API – Associação Portuguesa de Imprensa
VISAPRESS – Gestão de Conteúdos dos Media, CRL.
PMP – Plataforma de Media Privados

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