Pesca artesanal «só terá futuro com uma alteração da mentalidade dos pescadores»

A contaminação do pescado, o envelhecimento da população ou a competição pelo uso do meio marinho são ameaças à sobrevivência […]

Crédito: Depositphotos

A contaminação do pescado, o envelhecimento da população ou a competição pelo uso do meio marinho são ameaças à sobrevivência da pesca artesanal. Os investigadores acreditam que a atividade vai sobreviver no Algarve, mas vai alterar-se profundamente e «só terá futuro com uma alteração da mentalidade dos pescadores».

O primeiro congresso de Biologia Marinha, que se realizou em Janeiro, em Faro, reuniu especialistas nesta área para debater o desafio de gestão que a pesca artesanal enfrenta.

Margarida Castro, investigadora do CCMAR da Universidade do Algarve, acredita que «os pescadores que forem capazes de se organizar» vão conseguir sobreviver, até porque «a pesca vai entrar num decréscimo e vai acabar por se tornar uma atividade muito lucrativa para aqueles que souberem reformular a sua atividade».

Para a investigadora, «o peixe selvagem tem de ser uma coisa de muito valor, tem de ser produto de luxo. Se não conseguirmos defender os recursos, o pouco que se conseguir apanhar será um produto de luxo».

No entanto, sendo este um cenário a médio prazo, resta saber se haverá frotas de pesca artesanal para aproveitar essa valorização do pescado, uma vez que «é uma vida muito dura. Imaginem o que é sair às quatro da manhã, com o tempo pouco agradável no Inverno, e entrar num barco, sem um sítio para ir à casa de banho, para cozinhar ou descansar. E trabalha-se, sem parar, até às seis da tarde do dia seguinte. Quando eu pergunto aos pescadores se os seus filhos estão na pesca, dizem-me que não. A nova geração tem conseguido sair da pesca, o que é um indicador que a pesca não vai sobreviver assim».

Apesar disso, Margarida Castro, realça que há exceções: «há pessoas novas que sabem pescar bem e estão a sair-se muito bem».

Miguel Gaspar

Jorge Gonçalves, também ele investigador do CCMAR, e habituado a envolver-se com as comunidades piscatórias em alguns dos seus projetos, como no Mapa da Toponímia dos Mares Algarvios, admite que «a tendência é que o número de pescadores diminua, mas quem ficar terá melhores condições. Nota-se que a idade média dos pescadores algarvios é de 40 e muitos anos, mas vão existir sempre alguns até ao último peixe. Não sei se o estatuto social vai subir assim muito, mas vai modificar-se».

Há ainda a contaminação do pescado que ameaça a pesca artesanal e, para Margarida Castro, «essa é a grande ameaça. Tendo em conta todo o tipo de contaminantes que foram entrando na cadeia alimentar, há uma série de espécies que já nem se deviam comer. Esse é um risco maior até do que a gestão de recursos».

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que desde há alguns anos inclui também os investigadores do antigo IPIMAR, tem como «função tentar manter a pequena pesca, mas só terá futuro com a alteração da mentalidade dos pescadores», acredita Miguel Gaspar.

Para o investigador, os pescadores «têm que pensar que não é só pedir informação, também têm de dar, nomeadamente em relação ao esforço de pesca. Devem dar informação aos institutos e universidades, caso contrário, com a competição que há no uso do meio marinho, ficam em segundo plano e saem prejudicados».

Miguel Gaspar diz que os pescadores «vão ficar sem áreas de pesca e, isso sim, acaba com as comunidades e a pesca em si. Eles têm um papel fundamental, que passa por trabalharem connosco, dando informações, sem medo. A sobrevivência da pesca artesanal passa muito por aí», conclui.

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