Crónicas do Sudoeste Peninsular: Qualificação, Emprego e Desenvolvimento Territorial

Nos passados dias 8 e 9 de fevereiro, teve lugar em Portalegre uma conferência internacional intitulada “Qualificação, Emprego e Desenvolvimento […]

Nos passados dias 8 e 9 de fevereiro, teve lugar em Portalegre uma conferência internacional intitulada “Qualificação, Emprego e Desenvolvimento Territorial, os novos desafios”. Fui convidado para moderar um dos temas da conferência relativo ao papel das instituições de ensino superior e da formação avançada nesta nova fase da nossa vida coletiva caracterizada por uma aceleração dos perfis profissionais e das formações que lhes correspondem. Deixo aqui algumas reflexões a propósito.

Em primeiro lugar, não deixa de ser surpreendente que, embora em estádios diferentes de desenvolvimento, o Alentejo seja hoje atravessado por “ciclos longos de investimento” que se reportam a clusters de atividades também eles em estádios diferenciados de desenvolvimento.

Refiro-me aos seguintes: o cluster portuário-industrial de Sines, com grandes investimentos previstos no futuro próximo, o cluster agroindustrial de Alqueva, com mais investimento em culturas industriais e um alargamento da área irrigada no horizonte próximo, o cluster aeronáutico, mais recente, mas com um ciclo longo de investimento à sua frente, o mesmo se diga do cluster eletrónico, em crescimento e com inúmeros efeitos cruzados, do cluster energético associado às diversas energias renováveis e, finalmente, do cluster turístico que atravessa toda a região e que se inscreve, também, num ciclo positivo de investimento.

Em segundo lugar, um fator comum a todos estes clusters, e que não deixará de marcar a sua evolução próxima, é a digitalização dos seus processos e procedimentos industriais, administrativos e financeiros, o que não deixará de condicionar decisivamente o mercado de trabalho dos anos mais próximos.

Em particular, assumirão um relevo especial as competências que se reportam aos sistemas automáticos, à inteligência artificial, à robótica e à programação computacional, mas, também, ao marketing digital e à comunicação empresarial.

Em terceiro lugar, há um trabalho imenso por fazer no futuro mais imediato no que diz respeito aos efeitos regionais cruzados de todos estes clusters, em estreita parceria com esses atores e beneficiando da informação privilegiada que eles podem aportar para esse trabalho analítico indispensável.

Com efeito, estou a pensar nas economias de aglomeração, na área de influência das pequenas cidades do interior, na retenção das externalidades positivas e na mitigação das negativas e no estabelecimento de redes de articulação entre todos os clusters.

Dada a dimensão dos clusters e dos investimentos previstos, por um lado, e a fragilidade da região, por outro, é um imperativo categórico que todos os efeitos indesejáveis sejam prevenidos e acautelados e que os danos colaterais sejam reduzidos ao mínimo, de tal modo que numa região tão carenciada não estejamos a falar, dentro de pouco tempo, de socialização de prejuízos e de encargos para o contribuinte nacional.

Em quarto lugar, é preciso ativar instrumentos de política territorial que já provaram em certo momento e que, por alguma razão, estão agora desativados, de tal modo que possamos criar um ecossistema regional inteligente para acolher e comprometer investimentos e impactos que se afiguram determinantes para a região.

Refiro-me aos pactos territoriais para a empregabilidade, às estratégias de especialização inteligente, às medidas ativas para o mercado de emprego, às prioridades do fundo social europeu para a formação de ativos e à revisão das missões do serviço público de emprego neste novo contexto, já para não referir o esforço acrescido de coordenação e desenvolvimento por parte da CCDR Alentejo.

Finalmente, e no contexto acabado de descrever, sublinho as missões e o papel das instituições de ensino superior regionais em quatro áreas fundamentais: o modelo de ensino, formação e investigação, o modelo de negócio e financiamento, o modelo de extensão universitária e empresarial e, finalmente, a transformação orgânica das instituições face às reformas anteriores e, em especial, no que diz respeito à relação entre o seu front office e back office.

Está aqui em causa uma decisão política fundamental, qual seja, a de saber se as instituições de ensino superior alinham a sua evolução futura com estes clusters, se ficam à margem dessa evolução ou se chegam a um compromisso honroso para todas as partes.

Desde logo, creio que o melhor ponto de partida para esta reforma das instituições de ensino superior é a constituição de uma rede regional que pode estender-se até ao Algarve (e associar universidades fronteiriças), de tal modo que se formem, também aqui, economias de aglomeração e escala e um acrescido poder de negociação interno e externo.

O modelo de ensino, formação e investigação deve ser definido no interior da rede regional estabelecendo-se, para o efeito, um programa de mobilidade de alunos e docentes e federando os centros de investigação em programas comuns e em candidaturas comuns.

A Rede Regional deve, além disso, estabelecer uma grande parceria regional com os parceiros mais representativos dos clusters referidos e estabelecer com eles programas integrados de formação profissional, formação avançada e investigação-ação, de modo a formar-se uma cadeia de valor de formação e empregabilidade logo a partir do ensino secundário.

As alterações referidas não são possíveis sem uma alteração radical do modelo de negócio e financiamento das instituições de ensino superior.

Creio que o modelo anterior está esgotado, inicia-se agora um novo ciclo que, de resto, já foi sinalizado pela OCDE, o que me leva a dizer que o grande investimento público da nossa geração é uma reforma profunda das instituições de ensino superior, de acordo com uma filosofia de rede regional e internacional e uma economia contratual plurianual e, ainda, tirando partido das plataformas tecnológicas para o “financiamento participado” em múltiplos formatos organizacionais e colaborativos.

A parceria regional com os clusters podia ser um bom começo para o novo modelo de negócio e financiamento.

Finalmente, no plano orgânico e institucional, sobressaem duas dimensões: em primeiro lugar, a digitalização dos serviços das instituições com grandes acréscimos de eficácia interna e a libertação de recursos humanos para outras tarefas, em segundo lugar, a reinvenção completa dos serviços de extensão-investigação-ação das instituições com um front office muito mais competente, constituindo uma espécie de ministério das relações exteriores das instituições.

A terminar, estou convencido de que o “Grande Sul” precisa de um centro de racionalidade nesta matéria e que uma rede regional de ensino, formação, investigação e extensão aportará o músculo e o sistema nervoso de que a rede tanto necessita.

Saibamos nós ultrapassar as nossas pequenas capelinhas e, já agora, também, a sedução e normalização dos algoritmos que aí vêm.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

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