A instabilidade dos mercados e o faniquito da D. Etelvina

É enternecedor ver como todos falam dos “sentimentos” dos mercados, Presidente da República (PR) incluído. Eles, os mercados, ora desconfiam […]

conceição brancoÉ enternecedor ver como todos falam dos “sentimentos” dos mercados, Presidente da República (PR) incluído. Eles, os mercados, ora desconfiam e se retraem, como tímidas e inocentes jovenzinhas, ora estão animados e cheios de confiança, tal varonis mancebos. São alheios e desconhecem indecorosos sentimentos como a ganância, a especulação ou a corrupção.

Comove-me ver analistas e políticos dizerem, sem sequer pestanejar: “A instabilidade política vai provocar a reação dos mercados”. Imagino o mercado alemão, por maioria de razão feminino, a ter um faniquito como o da D. Etelvina, no dia em que soube que o marido andava a arrastar a asa à vizinha. Aquilo sim, foi uma verdadeira instabilidade, com pratos e jarras a voar pelo ar.

Oiço embasbacada as justificações dadas pelos analistas para não se ferir as caprichosas emoções dos mercados, clamando que tal é obviamente mais importante do que as medidas de contenção na despesa pública que o Governo fica “obrigado” a realizar, para não convocar o mau humor da(s) delicada(s) criatura(s).

Por um qualquer mistério que me ultrapassa, ninguém se preocupa com a instabilidade dos hospitais onde faltam médicos, enfermeiros, medicamentos e até os materiais mais básicos como agulhas descartáveis. Alguém alguma vez ouviu falar em profunda depressão da justiça? Ou na falta de confiança na educação?

Enquanto os sentimentos dos sistemas financeiros são acompanhados com desvelo amoroso, quando se trata da economia real não consta que a mesma tenha crises de desespero por falta de clientes, arrepios quando arrefecem os preços, ou reações nervosas na hora de abrir falência e atirar para a rua mais trabalhadores (não empregados, nem colaboradores).

E quem duvida estarem eles preocupados com a depressão que nos assola, a nós, a arraia miúda, o mexilhão, condenados ao medo, à deterioração da nossa qualidade de vida, ao futuro hipotecado? Por isso dão o tudo por tudo para nos convencer que “não há outro caminho”.

A única alternativa é curvar-nos quando os mercados só investem se o Estado encolher e apenas compram a dívida se puderem especular desvairadamente quanto aos juros. Senão, sujeitam-nos sem apelo a mais uma das suas caprichosas variações de humor.

Tudo embrulhado numa alegada vontade de nos servir a todos, como deve(m) fazer o(s) líder(es) da Nação. Eles, os subservientes governantes, coitados!, ó supremo sacrifício, não querem nada.

Nem têm amigos de longa data cujos bancos faliram por causa das falcatruas, mas que sempre terão conseguido, e para isso servem os amigos, esconder alguns milhões nas offshore, umas ações aqui e ali, umas propriedades imobiliárias mais além.

E daqui me vou, ouvir o Chico Buarque cantar a velha canção “Pai! Afasta de mim este cálice, de vinho tinto de sangue”, para arejar e ficar com pensamentos mais alevantados. Oh! deuses!, castigai-os a eles e não a mim!

 

Autora: Conceição Branco é jornalista

 

 

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