IPMA explica as razões que levaram à “tempestade perfeita” na costa portuguesa

Foi a chamada tempestade perfeita, em que tudo o que podia correr mal correu. É esta a conclusão que se […]

Foi a chamada tempestade perfeita, em que tudo o que podia correr mal correu. É esta a conclusão que se pode tirar das informações disponibilizadas pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) sobre o temporal no Atlântico Norte, de 3 a 6 janeiro, que causou prejuízos em toda a costa portuguesa, nomeadamente no Algarve.

Segundo o IPMA, além das ondas de grande altura – em Sines foi registada uma onda com 13,5 metros -, a orientação da ondulação – de oeste e noroeste WNW – também contribuiu para o maior grau de destruição nas zonas costeiras, a que se juntou finalmente a maré cheia bem alta, «coincidindo com os relatos de inundações e destruição de estruturas balneares em diferentes zonas da costa portuguesa, uma vez que a maré cheia potencia que a rebentação ocorra mais próxima da linha de costa».

O IPMA salienta que, desde meados do mês de dezembro de 2013, que «as depressões originadas na parte leste dos EUA têm sofrido processos de cavamento rápido – ciclogénese explosiva – na sua passagem pelo Atlântico Norte».

Este «intenso cavamento das depressões foi, essencialmente, devido ao forte contraste entre a massa de ar muito frio sobre a parte leste dos EUA e a massa de ar quente e húmido do Atlântico».

Figura 1: Vórtice polar no dia 6 de janeiro de 2014

A carta meteorológica do Hemisfério Norte da Figura 1 mostra a análise do modelo de previsão do tempo do ECMWF (European Centre for Medium-Range Weather Forecast), de 3 de janeiro de 2014 às 00UTC (Tempo Universal Coordenado), da temperatura do ar aos 850 hPa (~1500m) (ºC, Cor) e das curvas de nível aos 500 hPa (~5500 m). Nesta figura, segundo o IPMA, pode-se identificar os meandros do vórtice polar e bolsas de ar frio em que a temperatura do ar, a cerca de 1500 metros de altitude, era inferior a -32 ºC (assinalada a azul muito escuro).

Figura 2: Tempestade Cristina, no dia 6 de janeiro de 2014

A depressão centrada na costa leste dos EUA no dia 3 às 00 UTC, com cerca de 1000 hPa, atravessou o Atlântico durante os dias 4 a 6, e sofreu um processo de ciclogénese explosiva registando um valor mínimo de pressão de 936 hPa às 00UTC do dia 5 de janeiro (Figura 2a).

Às 00UTC do dia 7 de janeiro localizava-se a noroeste da Escócia, com cerca de 965 hPa, tendo sido designada por tempestade Christina pela universidade de Berlim (Figura 2b).

Figura 3: Agitação marítima

Esta depressão originou valores muito elevados de ondulação no Atlântico Norte, com altura significativa das ondas que ultrapassou 14 metros a noroeste dos Açores no dia 5, propagando-se para leste, vindo a originar, no dia 6, ondas de altura significativa de cerca de 9 metros na costa ocidental do Continente (Figura 3).

Figura 4: Previsão da agitação marítima

As previsões de agitação marítima na costa portuguesa dos modelos numéricos de área limitada utilizados no IPMA, European Shelf Model (LAM) do ECMWF e o Simulating WAves Nearshore (SWAN), previam uma agitação marítima caracterizada por uma ondulação de longo período (período de pico acima dos 18 segundos) e com altura significativa (Hs – i.e., o valor médio do terço (1/3) mais elevado das ondas) superior a 7 m a norte do cabo da Roca e até 6.5 m entre o cabo da Roca e Sagres, para as 12UTC de 6 de Janeiro, com uma direção predominante de WNW (Figura 4).

Ainda segundo os modelos numéricos, a região a Sul do Cabo da Roca teria o seu intervalo temporal mais crítico (com Hs superior a 7 m) no final da tarde de dia 6.

Nesse sentido,« na sequência do acompanhamento, vigilância e previsão das condições do estado do mar e de acordo com os critérios para emissão de avisos meteorológicos de agitação marítima, o IPMA emitiu no dia 5 de Janeiro um aviso vermelho – correspondente a ondas com alturas significativas (Hs) superiores a 7 m – que esteve vigente entre as 09 UTC de dia 6 e as 00UTC de dia 7 (posteriormente alargado até às 06UTC) para toda a costa oeste de Portugal continental».

Os valores previstos da agitação marítima pelos modelos numéricos, assim como as previsões do Centro Operacional de Previsão do Tempo do IPMA foram corroboradas pelas observações in situ obtidas com bóias ondógrafo do Instituto Hidrográfico (http://www.hidrografico.pt/boias-ondografo.php) e pelas observações remotas obtidas com radar altímetro a bordo do satélite de órbita polar Jason-2.

Na boia de Leixões, foram registadas ondas com Hs até 9m e altura máxima (Hmax) de 13,5 m e na bóia de Sines ondas com Hs até 9 m e Hmax até 15 m, entre as 14 e as 20 UTC.

Adicionalmente, foram registadas ondas com um período médio de cerca de 12 e 15 segundos para Leixões e Sines, respetivamente, tendo sido atingidos períodos máximos superiores a 20 segundos em ambas as bóias.

O IPMA explica que «a energia das ondas associada à sua rebentação é determinada pelos valores da altura e do período das ondas, bem como pela direção da ondulação face à orientação da linha de costa».
Assim, no caso da costa ocidental portuguesa, para as ondas de WNW que se verificaram, «a dissipação de energia por refração (i.e., por efeito de aproximação à costa) foi minimizada e consequentemente conduziu a maior grau de destruição nas zonas costeiras».

A juntar a tudo isso, «a maré-cheia de aproximadamente 3.15 m terá ocorrido perto das 18:30 UTC (18:28 UTC para Cascais), coincidindo com os relatos de inundações e destruição de estruturas balneares em diferentes zonas da costa portuguesa, uma vez que a maré cheia potencia que a rebentação ocorra mais próxima da linha de costa».

Em resultado de todas estas condições mais ou menos extraordinárias, em todo o litoral ocidental português e mesmo em grande parte da costa sul do Algarve houve prejuízos difíceis de contabilizar em estruturas e equipamentos junto ao mar.

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