Cortar, cortar… até onde?

A experiência do dia-a-dia habituou-nos a fazer estimativas baseadas no decréscimo de números como 81, 79, 77, … (progressão aritmética), […]

A experiência do dia-a-dia habituou-nos a fazer estimativas baseadas no decréscimo de números como 81, 79, 77, … (progressão aritmética), mas raramente pensamos em outras formas de decréscimo, como 480, 240, 120, … (progressão geométrica). A nossa falta de prática neste segundo caso é desarmante: quando queremos usar a intuição para fazer previsões, as nossas expectativas falham estrondosamente.

Conta-se que Demócrito, filósofo grego que viveu em Abdera (cidade grega na costa da Trácia) entre 460 a.C. e 370 a.C., foi uma das primeiras pessoas a pensar que a matéria não podia ser dividida infinitamente.

Teve uma primeira ideia de átomo, considerando-o como a mais pequena porção de matéria que ainda mantinha as propriedades da substância original, se esta fosse uma substância simples (diríamos agora).

Considerou o átomo indivisível (do grego “a” = negação e “tomo” = divisível, ou seja, átomo = indivisível).

Dizia Demócrito, concetualmente, que se alguém cortasse uma maçã ao meio com uma faca muito afiada (como a figura mostra), dividindo depois uma das metades ao meio, depois cortando um dos quartos ao meio, e assim sucessivamente, teríamos de parar a certa altura, pois só restaria um átomo, já não divisível (para Demócrito).

Não colocaremos a questão de saber da dificuldade técnica de cortar fragmentos minúsculos (ou até da real impossibilidade de o fazer com uma faca, por mais afiada que esta seja), pois não é esse o nosso objetivo.

Quantas vezes poderemos cortar a maçã até se chegar a um só átomo? Também parece que precisaremos de a cortar milhares de vezes, ou mesmo milhões, de vezes, para o conseguir. Será assim?

Vamos partir de uma maçã grande, com 216 cm3 de volume (como uma bola de 7,4 cm de diâmetro). Para facilitar as contas consideraremos a maçã com a forma de um cubo deste volume, ou seja, com 6 cm de aresta.

Após o primeiro corte, o volume da cada uma das partes será metade do volume inicial. Ao segundo corte o volume do pedaço que teremos na mão será um quarto do inicial; ao terceiro corte será de um oitavo, e assim sucessivamente.

Ao fim de 88 cortes teremos chegado ao volume de um átomo: estaria à nossa frente um único átomo.

Para obrigar a mais cortes, este cálculo pressupõe que se cortaria até ao mais pequeno dos átomos, o de hidrogénio (volume de 10^-24 cm3), equiparável a um pequeno “cubo” de 0,000 000 01 cm de aresta.

Mas convém referir que, além de átomos de hidrogénio, nas diferentes moléculas que existem na maçã também há outros átomos bem maiores: de carbono, de oxigénio, de azoto, etc.

Parece inacreditável que tenhamos de cortar tão poucas vezes. Quem diria?

 

Texto e ilustração de Guilherme de Almeida

© 2013 – Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva

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