Há quem empreenda negócios entre as artes e a natureza

Uma pegou numa casa de campo velha, situada entre uma estrada movimentada e uma magnífica vista de sapal e rio, […]

Uma pegou numa casa de campo velha, situada entre uma estrada movimentada e uma magnífica vista de sapal e rio, e transformou-a num centro de artes, em Portimão, que acolhe o seu projeto MODO. Outro pegou na paixão pelo surf, pelo design e por tudo o que seja criativo e livre, e criou o Sagres Surf Culture, um festival que, bem para além do desporto, anda à volta das artes.

Inês Barracha e João Rei foram, em junho, os convidados de mais uma Beta Talk, uma conversa descontraída sobre empreendedorismo e gente que concretiza as suas ideias, que decorreu como sempre no Café Concerto do Teatro Municipal de Portimão (Tempo) e que, pela primeira vez, contou com a colaboração do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP).

Hoje, dia 16 de julho, às 19 horas, de novo no mesmo espaço do Tempo, a Beta Talk assinala em Portimão, um ano de conversas inspiradoras e de partilha de boas ideias, o que tem feito desta cidade cada vez mais um ponto de encontro para gente empreendedora e que elegeu o Algarve para concretizar os seus projetos e negócios. Desta vez os convidados serão Ana Lúcia Rosa, sócia gerente da loja colaborativa Love in Boxes, e de Davide Alpestana, co-organizador do projeto “Palácio do Tenente”.

No mês passado, a conversa girou à volta das artes e da criatividade.

Inês Barracha, jovem artista plástica e designer, de Portimão, diz que o seu caminho para as artes foi «natural», já que os pais são «ambos designers e professores de Artes». Um caso em que filha de peixes sabe mesmo nadar.

No seu percurso de formação, Inês fez Erasmus em Inglaterra, onde descobriu a animação digital, trabalhando em Bournemouth, depois em Londres. «Mas passado um mês, dois, um ano, a pessoa começa a sentir falta das sardinhas», comentou, bem disposta. «Fartei-me daquilo, achei que já estava capaz de voltar, regressei de carro, à emigrante, de Inglaterra para cá».

De volta ao Algarve, lecionou na Universidade do Algarve, na escola etic_algarve, no ISMAT. E entretanto continuou a explorar outros caminhos.

«Todo o meu trabalho tem uma referência orgânica, ao corpo, à natureza. Vejo um interesse plástico, gráfico, estético, em tudo o que é vivo. O que me completa é a pintura, mesmo combinada com outras coisas».

«Foi começando a germinar em mim uma vontade de criar um espaço onde pudesse trocar ideias, mas também onde pudesse conhecer outras pessoas, partilhar com elas ideias e projetos». Pegando numa pequena e semi arruinada casa de campo situada num terreno da família do marido junto à Ladeira do Vau, «virada para o rio«, a ribeira de Boina, perto da sua confluência com o Arade, Inês e o marido reconstruiram a casa e criaram aí o seu centro criativo.

 

Um novo MODO de vida

 

«Reconstruímos a casa, preservando o que já existia, as paredes de taipa, mantendo o aspeto, para estimular em termos criativos, não ser uma coisa fria e sem alma».

Hoje, a casa, situada num terreno entre a estrada Monchique/Portimão e o sapal da ribeira de Boina, é «um espaço inspirador, acolhedor, estimulante nessa ligação com a natureza».

Ponto de partilha para aquilo que quero fazer, partilhar aquele espaço com as pessoas. Como?  Através do projeto MODO, que pretende, como explicou perante uma plateia atenta, «recuperar o saber popular de muitas áreas artísticas e adequá-lo ao modo de vida contemporâneo». É, disse, «um modo de estar, um modo de comer, um modo de sentir». E foi isso que deu azo ao «espaço de experimentação artística, em ligação com a natureza, combinando formação e lazer».

Na imensa varanda sobre o sapal e o vale da ribeira da Boina, no espaço que no seu site classifica como «neo rural», Inês Barracha já promoveu workshops, em land art, pintura, ilustração, desenho, e até em cozinha. Sim! Promoveu a iniciativa «Cozinha Ilustra», na qual os formandos «cortavam e preparavam os alimentos, para o almoço, fotografavam tudo, antes, durante e depois, e faziam a ilustração da receita». Mas a jovem artista tem planos para mais, para muito, muito mais.

Inês Barracha ligou-se ao projeto da Rota do Petisco, que vai voltar a percorrer as ruas de Portimão, Praia da Rocha e até Ferragudo em setembro, numa organização da associação Teia d’Impulsos. A artista criou o logotipo da Rota e, este ano, propôs mesmo atividades, como «workshops alternativos com comida e bebida».

Este é apenas um resumo, muito resumido, das atividades e projetos em que Inês Barracha tem participado e pretende ainda promover. O que a move é a «paixão»: «só é possível fazer isto quando se gosta!», garante, entusiasmada. «Uma pessoa fazer uma coisa que gosta e até ser paga por isso é o ideal», afirma. Um ideal que muitos gostariam de cumprir…

 

Da prancha de surf ao design…e vice versa

 

João Rei é, oficialmente, um freelance graphic artist. Começou a sua carreira como designer em Faro, ao mesmo tempo que aprendia a endireitar-se numa prancha de surf. Desde há algum tempo que reside em Sagres, onde pode fazer as duas coisas de que mais gosta na vida: dedicar-se à criatividade e surfar nas ondas da Costa Vicentina.

João Rei confessou ter sido «um mau aluno na escola», porque «desenhava em todos os blocos». A seguir ao 12º ano foi para a tropa. Quando voltou ainda tentou entrar em Design na Universidade do Algarve, mas não teve paciência para fazer as disciplinas de que precisava para entrar no curso. «Não tirei nenhum curso de design, sou autodidata».

Nos anos 80, aprendeu a fazer pranchas de surf e apercebeu-se de que, no Algarve e mesmo no país, havia muito pouca gente a criar imagens gráficas para as pranchas. «Nessa altura, era vendedor de tintas na empresa da família e à noite fazia pranchas».

Mas um dia teve um acidente numa mão e deixou de poder fazer as pranchas. E aí pensou: «se não posso fazer pranchas, então vou fazer t-shirts». E assim foi criada a marca «b-side», que se implantou durante dez anos no mercado português, de Espanha e até da Áustria. «Este trabalho foi o meu curso universitário», garante.

Um dia, a marca de sapatilhas californianas Vans desafiou-o a participar na exposição «We love sneakers», em Espanha, que juntava 60 pares de sapatilhas decoradas por diversos artistas e designers. E acabou por conseguir trazer essa mostra a Portugal. «Montei a exposição no Mercado do Chão de Loureiro, em Lisboa, com 300 pares de sapatilhas de vários designers portugueses e espanhóis». Convidou também artistas de grafitti e outros para expor nesse mesmo evento. Foi um sucesso!

Um dia, participou também no filme de um amigo, rodado na Califórnia, para o qual desenhou a roupa e cenários. E ainda teve tempo de surfar em locais míticos, como Malibu.

Entretanto, a sua marca de t-shirts «b-side» esteve prestes a ser comprada por uma marca grande, «o que entretanto não aconteceu». E João Rei acabou por decidir fazer uma pausa na empresa, porque queria fazer outras coisas. Queria, por exemplo, ir viver para Sagres. «Decidi juntar, pela primeira vez, o que gostava de fazer [surf] ao trabalho».

 

E porque não um festival sobre surf e artes?

 

Em Sagres montou o seu ateliê, com o sugestivo nome de cantsurfnaked, onde trabalha como freelancer. Entre os trabalhos que faz, incluem-se os  produzidos para a Grafik Boards, de design gráfico para as pranchas de surf.

Desenhou também uma linha de papéis de parede para a empresa Pedroso & Osório, objetos em resina para a MTV, e mais recentemente propostas gráficas para grandes espaços interiores, como uma clínica em Faro, ou o painel de azulejos que concebeu para o hotel Conrad, na Quinta do Lago. E que, no fim da festa de inauguração, foi desmantelado azulejo por azulejo, e oferecido aos convidados. É que, admite, «também tenho de ganhar para viver».

Mas entretanto ia congeminando a ideia de criar um festival em Sagres que junta-se o mar, o surf e a criatividade, as artes. «Queria contrariar a ideia de que não acontece nada em Sagres». Com o seu amigo Rodrigo, do Memmo Hotel Baleeira, começou a definir o âmbito desse festival, que inclui palestras, exposições, música, filmes, e que se chama Sagres Surf Culture.

«A ideia era mostrar às pessoas o outro lado do surf e quem está por trás do surf, quem escreve, quem fotografa, quem ilustra, quem pinta, quem filma». E assim surgiu o Sagres Surf Culture, um festival de três dias, cheios de «intercâmbios e de troca de ideias», que já teve a sua segunda edição em maio passado.

«A regra do evento é que todas as pessoas que lá estão a mostrar o seu trabalho e a falar sobre ele são surfistas, mas o evento em si não é sobre surf».

Depois de ter feito tanta coisa, João Rei confessa que «quando me perguntam qual é a minha profissão, eu gaguejo um bocado».

O surf, sublinha, «foi a minha escola de caráter. O surf não é uma competição, não é um desporto. É uma maneira de estar».

Desde abril que João Rei tem, em Sagres, um ateliê virado para o mar: «olho e é mar, céu, mar, céu». O que se pode querer de melhor?

«Não sei o que vou fazer a seguir, mas sei que para já estou feliz profissionalmente!», conclui. Que mais se pode exigir a um empreendedor?

Hoje, ao fim da tarde, no Café Concerto do Teatro Municipal de Portimão, haverá tempo para conversar com mais dois jovens empreendedores, que irão contar as suas histórias e partilhar as suas experiências. A entrada é livre. E pelo meio há um wine break, onde os vinhos dos produtores de Portimão são as estrelas.

 

Nota: as fotos são de Duarte Costa/etic_algarve

 

 

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