Sónia Little B Cabrita é a primeira baterista a gravar álbum de jazz em nome próprio

O jazz não é uma música linear. E o percurso de quem o toca também não. Sónia Cabrita que o […]

O jazz não é uma música linear. E o percurso de quem o toca também não. Sónia Cabrita que o diga. Sónia Little B Cabrita não quis nem o jazz, nem a bateria. Agora é a primeira baterista a gravar um álbum de jazz em nome próprio.

“Quando comecei a tocar, em 1994, o que queria era ser guitarrista, e fiz uma banda rock só com raparigas. Toda a gente escolheu os instrumentos que queria tocar, e a mim, que fiquei para última, calhou-me a bateria”, diz Sónia Cabrita.

Entrou na Associação Filarmónica de Faro para aprender a tocar. Era o início de um caminho longo de baquetas na mão. E também no rock. “De 1994 a 2002 foi só rock, foram ‘n’ bandas… Entretanto, e ao mesmo tempo, conheci o Zé Eduardo [do Grémio das Músicas] que fez o Festival de Jazz em Faro, mas na altura o Jazz não me dizia nada. Entrava-me por um ouvido e saía-me por outro”, conta.

Até que o Jazz veio por falta de caminhos no Rock. “Fartei-me! Cheguei a uma altura em que sentia que aquilo [o Rock] não levava a lado nenhum e resolvi falar com o Zé Eduardo e disse-lhe: ‘Quero aprender a tocar música a sério’”. Foi o que fez. Esteve na escola de Jazz do Barreiro e “aquilo começou tudo a fazer sentido”.

“Aquilo” foi o risco, a sensação de criação que não se consegue no rock ou noutros estilos: “No jazz, sou livre, estou sempre a criar, no limite. O que fazemos é novo em cada momento”, explica.

 

Um(a) baterista(a) a compor?

 

Tudo começa em 2007. O pretexto foram as aulas de harmonia. “Pensei: tem de haver mais qualquer coisa…”. E o grande clique vem, já em 2010, num workshop de composição com o Jesús Santandreu. “É que composição para um baterista – que é um tipo (ou uma tipa) que faz ‘pum pum pum’ – é um bocado estranho, mas aquilo realmente fez-me um clique. Percebia zero, mas fui tentar pôr aquilo em prática, comecei a compor uns temas”, diz Sónia Cabrita, que se tornou “Little B” no meio Jazz por tocar sempre a música com o mesmo nome [Little B Poem].

“Como baterista, sempre toquei como sidewoman, ou seja, dizem-te para tocar uma coisa, tu tocas e tentas satisfazer o líder da banda. Acontece que eu cheguei a um ponto em que também queria fazer uma coisa minha, quis fazer uma coisa que sentisse e não apenas aquilo que me dizem para fazer. Fui fazer ao contrário…”, conta. E o contrário era fazer, arriscar.

“É que todos os bateristas em Portugal, e há muitos bons, andam a reboque. Apenas um, o Jorge Moniz, que podia ser maestro, tem um álbum seu. É uma coisa que dá trabalho, se calhar é por isso. Se formos aos Estados Unidos, qualquer baterista sabe piano, teoria musical, os tugas não sabem um boi”.

O resultado está aí: “Não estou a fazer nada de novo, é um bocado a minha cara e uma coisa de que gosto, que fiz para mim”.

Influências do Rock? “Claro que o Rock faz e fez parte da minha vida, mas fiz os temas sem pensar no que eram, se eram bons, maus” Influências? Claro: Cindy Blackman e Tony Williams são os nomes.

 

Ser baterista mulher?

 

Se ser baterista mulher não é comum, menos ainda o é ser uma mulher baterista no Jazz. Sónia “Little B” Cabrita não sabe se toca de forma diferente dos homens, mas sabe que ser mulher lhe traz ainda mais esforço para se impor. “Se toco diferente? Não sei, é que nunca fui homem. Mas há pessoas que pensam que por ser rapariga tenho a vida facilitada e é completamente ao contrário. Primeiro dizem: ‘Ai que engraçado uma rapariga’. Depois é: ‘Para uma rapariga até não está mal’. O que sinto é que as pessoas não te [ndr: me] levam a sério [por ser uma rapariga]. Na música clássica, por exemplo, não se passa isso: ou sabes tocar, ou não sabes tocar”, explica. No jazz, a história é outra: dá o dobro do trabalho e do esforço.

Mas foi o trabalho e o esforço que levaram Sónia “Little B” Cabrita a ser a primeira baterista portuguesa a compor e editar um álbum jazz. E o caminho só começou agora. “Ainda não estou a trabalhar no próximo, mas o caminho é esse: se tudo correr bem, quero gravar outro – e outro, e outro e outro…”.

 

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