Reportagem: Apagou-se o fogo, ficou o desespero na Serra do Caldeirão

«Perdi tudo quanto tinha. Só fiquei com a minha casinha para esconder as orelhas», descreve, com a voz embargada pelo […]

«Perdi tudo quanto tinha. Só fiquei com a minha casinha para esconder as orelhas», descreve, com a voz embargada pelo choro, Albertina Brito, habitante da Cabeça do Velho, em São Brás de Alportel.

Subir a Serra do Caldeirão, neste concelho e no de Tavira, é uma atividade que não se recomenda aos mais sensíveis, desde que o fogo consumiu mais de 26 mil hectares de floresta em apenas quatro dias. O verde, a pacatez e a beleza natural deste pedaço de território algarvio foram cruelmente substituídos pelo cinzento e o preto e por histórias de pânico e desespero.

«A minha sobreira foi toda embora. Era o meu rendimento, não tenho mais nada. Com 81 anos não merecia apanhar uma destas», desabafou Albertina Brito, revoltada com a má sorte que lhe bateu à porta numa fase tão avançada da vida. Sem o sustento da terra, fica a viver com uma reforma de «200 e poucos euros».

Este tipo de relato e alguns até mais graves, que envolvem a perda de todas as posses, exceto aquilo a que se conseguiu deitar a mão antes de fugir de um fogo devorador que avançou muito rápido, são fáceis de ouvir na zona da Cabeça do Velho. Bem difícil é encontrar quem não tenha sido roubado pelo fogo.

«Vimos o fogo a vir lá do outro lado [Parises] e só tivemos tempo de fugir», descreve José Dias Brito. Tudo começou, conta, perto do meio-dia, altura em que surgiram os primeiros focos de incêndio. «Se o tivessem atacado logo, isto não teria chegado ao ponto que chegou», acredita.

José Brito veio das Lajes, sítio onde habita e que foi fortemente atingido pelo fogo, até à vizinha Cabeça do Velho, para participar numa reunião com diversas personalidades, entre as quais o secretário geral do PS António José Seguro, deputados deste partido e os presidentes das Câmaras de São Brás de Alportel e de Tavira.

Aos visitantes contou o mesmo que já havia descrito ao Sul Informação. «A mim, arderam-me duas casas e dois palheiros, cem litros de azeite, arderam-me 80 quilos de mel, vinho, um barril de inox, o moinho elétrico e nunca menos do que 50 arrobas de batata», contou.

Ao seu lado, José Manuel Domingos ia reforçando com a cabeça a gravidade da situação e garantiu que a ajuda não chegou a tempo. «Os bombeiros só chegaram aqui quando já estava tudo queimado», disse.

Ao subir de São Brás para a Cabeça do Velho pela Estrada Municipal 1202, passando no Javali e em Parises, e indo um pouco mais além, até aos pequenos aglomerados de casas das Lajes e Monte dos Capitães, não restam dúvidas que o fogo andou por ali sem rédeas, à sua vontade. Quanto mais se sobe a Serra, mais desolado e desolador se torna o cenário.

Dois dias depois de o incêndio ter sido dado como dominado, ainda há fumo a sair do chão ou do que resta de árvores e postes de madeira. Os fios que estes seguravam antes de desaparecer estão espalhados pelos montes e na estrada. A isto há que aliar o cheiro, acre, a queimado, constantemente presente.

Agora, antes de pensar em renovar, há que contabilizar os estragos. Para alguns, é simples: ficaram sem nada. Para outros, alguma coisa poderá ressurgir das cinzas, com a certeza, porém, que muito tempo terá de passar para que as coisas voltem ao ponto em que estavam há apenas uma semana, se isso for possível. A maioria não voltará a ver a Serra que conheceu toda a vida e tem perfeita consciência disso.

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