Isabel Soares exige que Ministério Público «aprofunde» investigação do caso Viga D’Ouro

A presidente da Câmara de Silves exigiu ontem que o Ministério Público aprofunde a investigação do caso Viga d’Ouro, para […]

A presidente da Câmara de Silves exigiu ontem que o Ministério Público aprofunde a investigação do caso Viga d’Ouro, para «serem extraídas todas as consequências e apuradas todas as responsabilidades».

A autarca , que foi acusada, juntamente com dois ex-vereadores, pelo Ministério Público (MP) de Silves do crime de abuso de poder, convocou ontem uma conferência de imprensa, onde começou por dizer que «é verdade» ter sido notificada, no dia 17 de outubro passado, dessa acusação.

Mas Isabel Soares, lendo uma declaração de três páginas (ler abaixo o documento na íntegra), fez questão de deixar «bem claro» que não é «acusada de ter favorecido alguém, de ter beneficiado um cêntimo que seja, mas apenas e tão só de ter assinado os documentos de autorização de pagamento, o que aliás sempre assumi abertamente, quer no inquérito interno, quer mais tarde no próprio processo junto do Ministério Público».

A autarca sublinhou, aliás, que foi por sua iniciativa que, quando teve conhecimento das irregularidades envolvendo o caso Viga D’Ouro, foi aberto um inquérito interno, conduzido por uma jurista exterior à Câmara de Silves. As suas conclusões, que evidenciaram factos graves, foram depois, por sua «determinação» enviadas ao Ministério Público. Ou seja, frisou «foi o próprio Município de Silves quem deu origem ao presente processo».

Ladeada pelo advogado do município, Isabel Soares fez ainda questão de afirmar que «a acusação que me é feita pelo Ministério Público deriva, unicamente, de ter a minha assinatura aposta nos documentos de autorização de pagamento».

No entanto, disse, «o simples facto de ter sido autorizado o pagamento, não significa a realização imediata do efetivo pagamento. Tal foi o que aconteceu no presente caso, em que não obstante autorizado o pagamento, o Município de Silves não veio a proceder ao efetivo pagamento à Viga d’Ouro, de qualquer valor».

«Deixem que vos diga muito claramente que, nem no Município do Corvo, o mais pequenino do país, o Presidente da Câmara pode ter a pretensão de conseguir sindicar a regularidade formal e substancial de todos os atos praticados por cada um dos funcionários da Câmara nos processos que são instruídos pelos serviços e que obrigam a assinatura do Presidente da Câmara», defendeu-se Isabel Soares.

«Um Presidente da Câmara não tem tal possibilidade, por falta de tempo, por falta de conhecimentos técnicos, por ter confiança nos seus serviços e por já ter o processo sido analisado e aprovado pelos Vereadores dos Pelouros competentes», acrescentou.

Por isso, a autarca silvense considera ser seu «entendimento, inteiramente corroborado pelo advogados da Câmara, que a investigação levada a cabo pelo Ministério Público não foi tão longe quanto devia, ficando-se por questões de índole formal, não investigando a fundo se existiram favorecimentos pessoais e quanto lucraram em prejuízo do Município de Silves os autores desses favorecimentos».

Por esta razão, acrescentou, «é intenção do Município de Silves e nesse sentido já instrui os advogados, solicitar uma intervenção hierárquica junto do Ministério Público no sentido de ser aprofundada a investigação, serem extraídas todas as consequências e apuradas todas as responsabilidades, para que o Município de Silves possa ser ressarcido».

Após a leitura da sua declaração, e respondendo à questão sobre quem falhou no meio de todo este processo, Isabel Soares voltou a frisar que «o Ministério Publico devia ter aprofundado a investigação e não o fez», sublinhando que o próprio «inquérito interno da Câmara já referia quem não cumpriu» e que essas pessoas «tiveram as suas penas disciplinares».

João Medeiros, o advogado do município, reforçou este ponto de vista salientando a «perplexidade da Câmara de Silves que, neste processo, a investigação tenha apontado responsáveis do ponto de vista formal, mas não substancial». Por ter sido feita «uma investigação pela rama», frisou o jurista, «vamos solicitar a reabertura do inquérito» de modo a «apurar os responsáveis».

Por seu lado, Isabel Soares fez ainda questão de frisar que «não foram feitos, pela Câmara, quaisquer pagamentos à Vida d’Ouro». O que houve foi «contratos de factoring», mas isso, defendeu, «são contratos entre o empreiteiro e os bancos, uma negociação que nos passa ao lado».

E a Câmara não terá que pagar isso? Quiseram saber os jornalistas. «A ver vamos!», respondeu a presidente da autarquia. «Por isso mesmo a investigação do MP terá de ser mais completa».

«Neste momento ainda não temos prejuízos para a Câmara, mas os prejuízos virão», esclareceu o advogado. «Temos que saber até que ponto os trabalhos foram realizados, até que ponto os trabalhos foram sobrevalorizados, até que ponto se está perante trabalhos inexistentes», concluiu João Medeiros.

Neste caso que remonta a 2004, além de Isabel Soares, foram agora acusados pelo Ministério Público do Tribunal de Silves os ex-vereadores José Paulo de Sousa e Domingos Garcia.

Segundo a acusação citada pelo «Correio da Manhã», os três autarcas «violaram os deveres inerentes às suas funções políticas, colocando em causa a imparcialidade e credibilidade da administração do Estado».

O processo no qual o Ministério Público deduziu agora acusação baseia-se em factos ocorridos entre Dezembro de 2004 e Julho de 2006, quando a autarquia entregou à empresa «Viga d’Ouro», por ajuste direto e sem concurso público obras da rede de abastecimento de água e drenagem de águas residuais domésticas e pluviais.

 

Leia aqui a declaração de Isabel Soares, na íntegra:

 

«Depoimento de Abertura

 

  1. Nos últimos dias têm surgido em vários órgãos de comunicação social notícias que dão conta de ter sido acusada de Abuso de Poder.
  2. É verdade. No passado dia 17 de Outubro de 2011 fui notificada de uma Acusação produzida pelo Ministério Público de Silves na qual sou acusada de Abuso de Poder.

Permitam-me que vos dê conta do que está em causa:

  1. Em Janeiro e Junho de 2006, foram recebidas neste Município duas Cartas provenientes da Direcção Distrital de Finanças de Faro, nas quais se solicitavam o extracto de conta corrente da VIGAD’OURO, bem como cópia das facturas/recibos e respectivos meios de pagamento e ainda datas de inicio e conclusão das obras.
  2. Até àquele momento apenas sabia que a VIGA D´OURO era uma empresa que prestava serviços ao Município, entre tantas outras, já que o pelouro das obras de saneamento básico estava, por deliberação da Câmara, delegado num Vereador.
  3. Na sequência das cartas das Finanças pedi aos serviços que elaborassem as  respostas, tendo, nesse momento, recebido informação de que os respectivos processos não estavam documentados.
  4. Perante a verificação dessas irregularidades, dei instruções expressas no sentido de ser imediatamente aberto um inquérito com vista ao total esclarecimento da situação.
  5. Precisamente porque pretendi que o inquérito fosse independente, determinei que o mesmo fosse conduzido por uma Técnica Superior pertencente à Câmara Municipal de Tavira e, portanto, absolutamente externa à Câmara de Silves.
  6. O inquérito foi exaustivo, chegando à conclusão da existência de graves irregularidades no tocante à atribuição de trabalhos à empresa VIGA D`OURO, irregularidades essas que se prendiam com a atribuição por ajuste directo de obras que, atento o seu montante, deveriam ter sido objecto de Concurso Público.
  7. O procedimento adoptado consistia no fraccionamento dos trabalhos, para se construir a aparência de que não seria necessário o procedimento concursal. A par destas irregularidades, foram ainda levantadas suspeitas quer no tocante à efectiva realização de certas obras, quer, noutros casos, à justificação económica da facturação emitida.

10. Perante a gravidade dos factos evidenciados nas conclusões do inquérito, decidi o seu imediato envio ao Ministério Público, à Inspecção-Geral de Finanças, IGAL e Tribunal de Contas.

11. Permitam-me pois que sublinhe que foi por minha determinação que o processo foi enviado ao Ministério Público, ou seja, foi o próprio Município de Silves quem deu origem ao presente processo.

12. Quero também deixar bem claro que a Acusação que me é feita pelo Ministério Público deriva, unicamente, de ter a minha assinatura aposta nos documentos de autorização de pagamento. Esclareça-se, que o simples facto de ter sido autorizado o pagamento, não significa a realização imediata do efectivo pagamento. Tal, foi o que aconteceu no presente caso, em que não obstante autorizado o pagamento, o Município de Silves não veio a proceder ao efectivo pagamento à VIGAD’OURO, de qualquer valor.

13. Que fique bem claro que não sou acusada de ter favorecido alguém, de ter beneficiado um cêntimo que seja, mas apenas e tão só de ter assinado os documentos de autorização de pagamento, o que aliás sempre assumi abertamente, quer no inquérito interno, quer mais tarde no próprio processo junto do Ministério Público.

14. Do que sou acusada é de ter aposto a minha assinatura. E é verdade. Assinei.

15. Mas deixem que vos diga muito claramente que, nem no Município do Corvo, o Presidente da Câmara pode ter a pretensão de conseguir sindicar a regularidade formal e substancial de todos os actos praticados por cada um dos funcionários da Câmara nos processos que são instruídos pelos serviços e que obrigam a assinatura do Presidente da Câmara.

16. Um Presidente da Câmara não tem tal possibilidade, por falta de tempo, por falta de conhecimentos técnicos, por ter confiança nos seus serviços e por já ter o processo sido analisado e aprovado pelos Vereadores dos Pelouros competentes.

  1. 17.  Só por demagogia ou chicana política se pode achar que é possível que um Presidente de Câmara audite a regularidade material dos procedimentos. É assim em matéria de autarquias, como é assim em qualquer outra actividade. O que seria de um presidente de uma empresa se não tivesse confiança nos seus serviços e não assinasse a documentação que já tenha a aprovação do Director da Área respectiva.

18. Este é, meus Senhores, o crime de que sou acusada.

Por último quero ainda dizer o seguinte:

19. É meu entendimento, inteiramente corroborado pelo Advogados da Câmara, que a investigação levada a cabo pelo Ministério Público não foi tão longe quanto devia, ficando-se por questões de índole formal, não investigando a fundo se existiram favorecimentos pessoais e quanto lucraram em prejuízo do Município de Silves os autores desses favorecimentos.

20. É por isso intenção do Município de Silves e nesse sentido já instrui os Advogados, para solicitar uma intervenção hierárquica junto do Ministério Público no sentido de ser aprofundada a investigação, serem extraídas todas as consequências e apuradas todas as responsabilidades, para que o Município de Silves possa ser ressarcido.

Estou à vossa inteira disposição para responder às questões que me queiram colocar. Tomei a liberdade de pedir ao Advogado do Município que aqui estivesse para vos prestar esclarecimentos de índole jurídica que, como compreenderão, não tenho conhecimentos técnicos para o fazer».

 

 

 

 

 

 

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