Galopim de Carvalho: Das Rochas Sedimentares (2) – rochas terrígenas

Mais um artigo do professor Galopim de Carvalho (geólogo), no âmbito do Projeto «Ciência na Imprensa Regional», de que o […]

Mais um artigo do professor Galopim de Carvalho (geólogo), no âmbito do Projeto «Ciência na Imprensa Regional», de que o Sul Informação é parceiro:

Vai para 50 anos, mais precisamente, em 1963, o professor André Cailleux, da Universidade de Paris, de quem fui aluno de 1962 a 1964, escreveu: Parmi les joies qui s’offrent aux hommes, en ce demi-siècle, l’étude des sables et des galets tient une place de choix. E falou verdade este meu simpático mestre. Foram muitos os estudiosos que dedicaram às areias e aos calhaus muito do seu tempo. E eu fui um deles.

Ao classificar de terrígenas (em 1968) um certo tipo de rochas sedimentares, o professor Robert L. Folk, da Universidade do Texas, em Austin, pretendeu enfatizar a sua proveniência a partir das terras emersas, com base no correspondente étimo latino terra, em oposição a mare (mar), numa linha de pensamento que faz jus aos naturalistas do século XVIII, bem expressa numa das classes (“terras”) da classificação proposta em 1782 pelo químico e mineralogista sueco Torbern Oloff Bergman (1735 -1784), de todas a mais divulgada.

Em 1967, o petrógrafo e sedimentólogo britânico John C. Griffits (1912 – 1992) considerava uma rocha terrígena R como uma população de indivíduos (as partículas detríticas) e, assim, interpretava-a como uma função f das variáveis: composição litológica e/ou mineralógica C, dimensão D e forma F das partículas e, ainda, das respectivas orientação O e acondicionamento A, função que representou pela expressão: R = f(C,D,F,O,A).

Quer isto dizer que, observando a natureza, o tamanho e a forma (incluindo o grau de desgaste) dos elementos detríticos de uma rocha terrígena e, ainda a orientação e a inclinação destes e o seu empilhamento, poderemos reconstituir a sua história e o ambiente em que se formou.

A expressão rocha detrítica (do latim detritus, o que resultou de esmagamento) usada como sinónima de rocha terrígena, acentua que os seus constituintes são, via de regra, fragmentos ou clastos (do grego klastós, fragmento) minerais ou líticos (rochosos) subtraídos a outras rochas preexistentes, por meteorização e/ou erosão e, em geral, transportados até ao local de sedimentação.

Na medida em que as principais fontes de materiais detríticos constituintes das rochas terrígenas provêm de granitóides (granitos, granodioritos e afins), gnaisses e xistos, rochas estas fornecedoras, sobretudo, de quartzo e de minerais primários ricos em silício (feldspatos, micas) ou de outros minerais silicatados (argilas), resultantes da meteorização destes, estas rochas são também apelidadas de siliciclásticas.

O petrógrafo alemão Johannes Walther (1860-1937) designou-as, em 1894, por rochas mecânicas, em sinonímia com rochas clásticas aludindo aos processos essencialmente físicos envolvidos na respetiva génese, em especial, a erosão e o transporte dos seus constituintes, regidos pelas leis da mecânica.

As rochas terrígenas correspondem, grosso modo, às rochas deuterogénicas, do petrógrafo alemão Arnold C. P. Lasaulx (1839 – 1886), professor da Universidade de Bona, que assim as designou, em 1875, a partir do grego deuterós, elemento grego de composição culta que traduz a ideia de segundo, do que vem depois. Com efeito, estas rochas formam-se sempre a partir de outras pré-existentes.

Mais tarde, em 1913, o geólogo americano de origem alemã, Amadeus William Grabau (1870 – 1946), professor da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e da Universidade de Pequim, classificou-as de rochas exogénicas, em alusão à sua origem superficial.

Uma vez que se trata, de facto, de rochas formadas à superfície da Terra por aglutinação de fragmentos ou clastos de outras rochas preexistentes, alguns autores referem-nas como epiclásticas (do grego epi, à superfície, por cima).

Mais recentemente, mercê da grande divulgação da obra dos americanos de Gerald M. Friedman & John E. Sanders, Principles of Sedimentology (John Wiley, N.Y., 1978), generalizou-se a expressão rochas extrabacinais, como outra forma de referir as rochas terrígenas e, ao mesmo tempo, indicar que os materiais que as constituem são provenientes do exterior da bacia de sedimentação. Esta proveniência do exterior conferiu-lhes, ainda, a designação de rochas alóctones, alogénicas ou alotigénicas.

Tendo em conta o carácter predominantemente detrítico deste tipo de rochas sedimentares e, numa procura de uniformização da nomenclatura petrográfica, surgiu, em 1966, como sinónimo das designações anteriores, o vocábulo detritito, proposto por Carlos Romariz, professor jubilado da Faculdade de Ciências de Lisboa.

Convém ter presente que há sedimentos detríticos não terrígenos, como são, por exemplo, os calcarenitos, ou seja, calcários essencialmente formados por fragmentos de conchas de moluscos, de corais, de algas calcárias, de carapaças de foraminíferos, etc., e de outros elementos detríticos da mesma natureza química (mas não orgânica), com comportamento idêntico no que se refere à dinâmica sedimentar, como são os oólitos (do elemento grego de composição culta, –oo-, que traduz a ideia de ovo, neste caso um pequeníssimo ovo, como a cabeça de um alfinete, e lithós, igualmente grego, que significa pedra), os pisólitos (do elemento grego de composição culta, -piso-, que traduz a ideia de ervilha, e lithós, o mesmo que pedra) e os oncólitos (do elemento grego de composição culta, –onco-, que traduz a ideia de tumor, e lithós, do grego para pedra, como já se disse).

Arenito do Triásico discordante sobre camadas pregueadas do Carbónico marinho, na Praia do Telheiro, Vila do Bispo, Algarve

São exemplos deste tipo de sedimentos as areias calcárias e outros bioclastos mais grosseiros (conchas e outros restos esqueléticos com a dimensão do cascalho) e mais finos (vasas ou lamas calcárias) dos grandes e pequenos fundos marinhos associados às plataformas carbonatadas (nome dado às plataformas continentais próprias das margens das regiões intertropicais, propícias à formação de recifes e, como tal, produtoras de carbonato de cálcio biogénico, como acontece no Golfo Pérsico, nas Caraíbas ou na grande barreira de coral no nordeste da Austrália) dos mares recifais, bem como das praias que os marginam.

Um outro exemplo de rocha detrítica não terrígena, é a localmente designada por “pincha” (nome de origem obscura, provavelmente relacionado com o jogo da pincha (botão), talvez pelo aspeto achatado destes clastos), em Minde, no Maciço Calcário Estremenho, uma cascalheira (por vezes, um conglomerado) de origem periglaciária, exclusivamente constituída por pequenos seixos boleados e achatados de calcário, conservada no interior do polje de Minde.

Neste contexto, os adjetivos detrítico e clástico não equivalem aos adjetivos terrígeno e siliciclástico, pelo que, em termos de classificação sistemática, aqueles dois qualificativos (sinónimos entre si) devem ser evitados.

Tenha-se, pois, em atenção que todo o terrígeno é clástico, mas nem todo o clástico é terrígeno. Todavia, o uso dos vocábulos detrítico e clástico, como indicadores do carácter fragmentado dos constituintes de uma rocha não está em causa.

 

Texto de: Professor António Galopim de Carvalho

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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