Aliança reabre a tempo do Verão para ser o «Coração de Faro»

O Café Aliança, em Faro, está quase a reabrir as suas portas giratórias. Aquele que é um dos três cafés mais […]

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O Café Aliança, em Faro, está quase a reabrir as suas portas giratórias. Aquele que é um dos três cafés mais antigos de Portugal vai ressurgir como Cervejaria Aliança, dentro de poucas semanas, e quer assumir-se como «o coração de Faro».

Depois de cerca nove meses de obras, a Cervejaria Aliança vai nascer pela mão do empresário Mário Nogueira, que se deixou conquistar pela fachada, para a qual olhou durante muito tempo, antes de tomar a decisão de iniciar o projeto.

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Mário Nogueira

«Mais do que ter sido eu a conquistar o Aliança, foi o Aliança que me conquistou a mim. Moro na cidade e gosto, à noite, principalmente no Verão, de passear, sentir a cidade, o movimento, a atividade económica… e o Aliança, fechado durante anos e anos, foi uma coisa que me “agrediu”. Eu frequentava-o quando estava aberto e sentia as suas potencialidades, pela localização, pelo caráter histórico. Passei muitas noites naquele banco a olhar para o Aliança e o Aliança a olhar para mim, até que decidi avançar», explicou ao Sul Informação.

Depois de avanços e recuos nas negociações com os proprietários do edifício, Mário Nogueira conseguiu chegar a um acordo para arrendar o espaço e o processo avançou. «O negócio que fechámos foi o de arrendamento de um armazém, porque, quando chegámos, já não havia café há muitos anos. Havia da parte dos senhorios um projeto na Câmara, mas não havia café nenhum. Estamos agora na fase final de execução das obras e, quando estiverem concluídas e vistoriadas pela Câmara, esta passará o alvará de utilização para a nossa empresa», contou.

Pregos, bifanas, cervejas ou petiscos são alguns dos produtos que vão constar da ementa da Cervejaria Aliança, um modelo de negócio que se revelou o mais indicado para aquele espaço, segundo Mário Nogueira: «estudámos várias alternativas e a que nos pareceu mais interessante foi a de uma cervejaria portuguesa. É um conceito popular, transversal em vários países e culturas. A cerveja é um produto que tem uma forte implementação em todo o mundo, sendo que, neste conceito de cervejaria portuguesa, trabalhamos com dois ou três produtos: bifes, cerveja e batatas fritas. É esse o “tripé” no qual se baseia o conceito de cervejaria».

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Obras de recuperação da fachada

Também a sustentabilidade do espaço foi um dos fatores tidos em conta para que o Aliança passasse de café a cervejaria. «Não acreditamos que aquele espaço seja viável financeiramente como empresa, sendo o tradicional café que o Aliança sempre foi: baseado nas bicas, nos copos de leite, nas águas, nas tostas etc. Não nos pareceu que fosse compatível com a necessidade de rentabilizar o espaço e há já muita gente na baixa da cidade que oferece esse tipo de serviço».

A Cervejaria Aliança quer ser um «espaço acessível, descontraído e popular. É esse o conceito que queremos introduzir no Aliança. No entanto, devido ao interesse histórico que ele tem, sentimos que não podemos vulgarizar o espaço. Há um conteúdo histórico, cultural e arquitetónico de alguma dignidade e tudo o que se puser lá dentro deve fazer sentido. Não o queríamos transformar numa taberna, de mesas corridas. Tudo ali dentro, desde o mobiliário ao conceito, tende a fazer sentido com o espaço», revela Mário Nogueira.

Apesar de o Aliança estar encerrado há vários anos, os turistas não o “esqueceram”, o que pode ser uma boa ajuda para o negócio. «Os roteiros continuam a trazer o Aliança como um café a visitar em Faro, e isso é ótimo para nós. Ainda chegam os turistas, com um livrinho à porta, a perguntarem se podem ver o café histórico mais antigo da cidade de Faro. O Aliança coloca-se no pódio dos três cafés mais antigos do país: há o Majestic [no Porto], a Brasileira [em Lisboa] e o Aliança e é uma mais-valia que venha referenciado».

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O novo balcão da autoria de Ricardo Paraizo

Quem costumava frequentar o Aliança vai reconhecer muito daquilo que foi o café na nova cervejaria. «Houve o cuidado de manter toda a imagem que o café guarda desde a sua construção. Continua a mostrar o seu valor, nos seus tetos, nos seus entablamentos e nos vários pormenores que o definem como espaço especial», revela Mário Nogueira.

Apesar de se definir como cervejaria, o Aliança vai ser mais do que isso e o objetivo é que este espaço seja um pouco daquilo que já foi: «o Aliança foi muitas coisas: foi uma leitaria, foi um café e, sobretudo nos últimos 20 ou 30 anos da vida de café, foi um espaço de contestação política, de divulgação literária, de intervenção cívica na área da poesia, da música, do fado, do teatro. Temos fotografias da Amália Rodrigues, do poeta António Aleixo, de Simone de Beauvoir, de Zeca Afonso, que passaram pelo Aliança. Além disso, foi também um espaço de negócios. Era o espaço onde os agricultores, estabeleciam preços para a alfarroba, o figo, ou a cortiça. Era uma espécie de bolsa onde se definiam preços para os produtos, e queríamos recuperar algumas dessas características. Queremos que volte a ser um espaço popular com um bom peso na área da divulgação da poesia, música, jazz, música popular, (no próximo ano quero charolas no Aliança). Como dizemos no slogan, que já começámos a divulgar, queremos que seja o Coração de Faro».

Mário Nogueira esclarece que não será «um Hard-Rock Café, mas queremos que tenha essa vertente, que volte a ser um grande ponto de encontro de várias gerações da cidade, de varias tendências culturais. Que passe o futebol, o fado, o jazz, a poesia, onde se faça palestras, um espaço vivo onde se cruzem gerações».

Apesar desta vertente cultural que quer implementar no Aliança, o empresário realça que «não podemos dizer que é essa a função número um do espaço. É um espaço para ser gerido por uma empresa que tem o fim de ganhar dinheiro».

Também por isso, Mário Nogueira diz que as «pessoas que sonham que vão ter o Aliança como tinham antes, onde cada um vai tomar um café com o jornal e fica ali a conversar… obviamente que não vou enxotar essas pessoas, mas não os vou acarinhar, porque não são o nosso cliente tipo».

Para o empresário. é importante «deixar os saudosismos», porque «quem quiser sentir o espaço, vai senti-lo. Tem a mesma porta rotativa, os mesmos tetos, as mesmas fotografias…», conclui.

 

Aliança renovado por “invasores espaciais”

Casa Cubista
A planta do novo Aliança

Se a vertente empresarial está a cargo de Mário Nogueira, o trabalho de recuperação arquitetónica e de decoração do Aliança ficou a cargo dos Space Invaders, um atelier de design de interiores, sediado em Faro.

Ana Sequeira e João Paulo Fernandes foram os responsáveis pelo projeto arquitetónico e de design e revelaram ao Sul Informação um pouco daquilo que será este novo espaço.

«O que fizemos foi analisar friamente o que faria falta repor, completar ou inovar. Houve coisas que tiveram de ser introduzidas», explicam.

Segundo os designers, «estamos a completar o Aliança de uma maneira mais historicamente baseada, recuando ao passado e devolvendo a verdade que foi deturpada ao longo dos tempos, um bocadinho do glamour que ele teria».

Apesar da introdução de várias novidades, «há muitas coisas que as pessoas vão reconhecer, ao contrário do se pensa. Tudo o que é valioso não foi mexido, e havia muita coisa boa. As bases das mesas são fantásticas. São altas, são ergonomicamente erradas, têm mais centímetros que deveriam ter, mas são em em ferro trabalhado à mão, e isso foi mantido e recuperado».

Space Invaders, an high end design shop and arquitecture studio in the city of Faro, capital of Algarve in the south of Portugal. In this picture: the owners and husband and wife and arquitect/designer: João Fernandes/Ana Sequeira Faro, 18 January 2016 PHOTO: VASCO CELIO/STILLS
João Fernandes e Ana Sequeira. Foto: Stills

O que foi introduzido, e que não existia, foi pensado «com o maior dos cuidados e com respeito à memória que as pessoas têm do Aliança».

Segundo Ana Sequeira, «vai-se perceber o que é original e o que é novo. Não que seja contrastante, porque acompanha a linha do Aliança, mas não vai fingir que é antigo».

Para João Paulo Fernandes, «se fizermos um bom trabalho, as pessoas que entrarem no Aliança novo não vão ter a certeza se aquilo já lá estava ou não».
O leão da fachada, que é agora um dos símbolos do Aliança na imagem corporativa, sempre fez parte do espaço, mas muita gente nunca reparou nele.

«Procurámos algo que representasse a essência do Aliança, o que tinha de diferente. O edifício é um projeto de um arquiteto premiadíssimo, o Norte Júnior, que fez também o palácio Belmarço. Este arquiteto fazia-se sempre acompanhar de um escultor canteiro, o mestre Tomaz Ramos, que era um artista, e muito do que gostamos nesta arquitetura foi feito por ele. O leão passou despercebido a muita gente e foi o ponto de partida para a imagem do Aliança, porque era uma maneira de homenagear um homem que nunca foi homenageado», revelam os Space Invaders.

Em 1908, quando o Aliança foi construído, artesãos locais encarregaram-se de grande parte da obra. Agora, passados 108 anos, a estratégica foi a mesma. «Fomos buscar equipas que fossem tão locais quanto possível. A maioria são do concelho de Faro e arredores. Quisemos que isso fizesse parte deste projeto e definiu muito da personalidade nova do Aliança. Os serralheiros são da zona, os estofadores são da zona… É esse o espírito que já existia no Aliança desde 1908».

PrintUm dos elementos que mais se vai destacar na nova cervejaria é… o cesto do pão, e é mais um dos exemplos de como os artesãos locais contribuíram para o projeto. «Quantos países conhecem que levem um cesto do pão à mesa? O cesto do pão é das coisas mais portuguesas que temos. Fazer o Aliança e não fazer uma cesta do pão era insultuoso».

Esta foi desenhada pela Casa Cubista, uma empresa constituída por dois canadianos que se mudaram de Toronto para Olhão, e se apaixonaram pelo artesanato e pela cultura portuguesa.  «Eles agora já são locais e o trabalho deles resultou naquele cesto. É um cesto de pão, em corda náutica, comprada em Olhão, que mostra a ligação ao mar, de uma terra muito perto de Faro», conclui João Paulo Fernandes.

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