Unidade de Cuidados Intensivos de Portimão está «preparada para lidar com 2ª vaga de Covid-19»

Placa que assinala 20 anos desta UCI foi descerrada esta manhã, a par da homenagem a profissionais que lá trabalham desde o início

Unidade de Cuidados Intensivos de Portimão – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Estamos preparados para lidar com esta segunda vaga de Covid-19 e equipados para isso». A garantia é dada pelo diretor do Serviço de Medicina Intensiva da unidade de Portimão do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, cuja Unidade de Cuidados Intensivos faz hoje 20 anos.

«Do ponto de vista prático, atualmente estamos bem equipados e claramente preparados» frisa o médico especialista Alexandre Baptista, que chefia uma equipa de 8 médicos, 33 enfermeiros e 12 auxiliares.

A Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do hospital de Portimão, que cumpre precisamente esta sexta-feira, 2 de Outubro, duas décadas de funcionamento, tem atualmente 11 camas, das quais estão agora ocupadas oito, por outros tantos doentes. O Sul Informação visitou ontem a UCI, para conhecer as condições deste serviço que, nos últimos meses, tem andado na boca do mundo devido à pandemia de Covid-19.

Aliás, destinada em especial a estes doentes, há outra ala da UCI quase vizinha desta, «isolada e com circuitos separados totalmente», que está preparada e equipada, mas fechada, à espera de voltar a ser necessária. Neste momento, dos 16 doentes do Algarve com Covid-19 que estão internados, só 4 estão nos Cuidados Intensivos, mas do hospital de Faro.

Pela unidade de Portimão, passaram 3 pessoas infetadas pelo vírus SARS-Cov-2, no início da pandemia, mas acabaram por ser transferidas para Faro.

 

Alexandre Baptista na “sua” UCI, com parte da equipa – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Mas nem só de doentes com Covid-19 vive uma UCI. Alexandre Baptista salienta que agora «tanto se fala de Cuidados Intensivos, tanto se vê estes serviços nas televisões e nos jornais, mas já existem há muitos anos e durante tanto tempo foram quase encarados pelo público como um mal necessário. Mas a existência de doentes críticos e de situações graves exige que haja estes Cuidados Intensivos».

O diretor do serviço acrescenta que «não há nenhum sítio de um hospital onde o perigo de vida iminente seja tão alto como numa unidade de UCI. É aqui que estão os piores doentes do hospital».

Curiosamente, quando o então novo Hospital do Barlavento Algarvio, em Portimão, foi inaugurado em 1999, não estava dotado de UCI. «Muitos dos hospitais periféricos não tinham estas unidades», recorda Alexandre Baptista.

Mas desde logo foi lançado o desafio de criar aqui uma UCI, que veio então a ser inaugurada cerca de um ano depois, em 2 de Outubro de 2000.

E o que distingue uma UCI de uma enfermaria normal? Para já, o acesso, uma vez que se trata de uma unidade «com acesso limitado». Depois, trata-se de um local «com muito maior capacidade de vigilância dos doentes», não só pela maneira como a sua arquitetura está concebida – há uma estação central, a partir da qual se vê todas as camas, todos os doentes -, como pelo facto de cada enfermeiro só poder ter «dois doentes e não mais». «Um doente nunca fica sem ter alguém a olhar para ele».

Além disso, há ainda a «rápida proximidade do corpo médico», já que, na UCI, há a «constante presença de um clínico no interior da unidade».

Finalmente, há as «capacidades técnicas», em termos de equipamentos, que permitem «substituir qualquer órgão». É que, explica Alexandre Baptista, «a gravidade da situação clínica muitas vezes prende-se com a falência de órgãos» e, na UCI, há máquinas que substituem pulmões, rins e coração, permitindo manter o doente vivo, mesmo que um ou vários destes órgãos falhem.

E o equipamento é suficiente e moderno? O diretor do Serviço de Medicina Intensiva diz que sim: «houve um investimento do Serviço Nacional de Saúde, em equipamento que ainda nos está a chegar» e houve ainda «a ajuda próxima da Câmara de Portimão e da Proteção Civil Municipal», decidida logo no início da pandemia, que encomendou e entregou ao hospital ventiladores de última geração, «topo de gama» (que ainda nem estão em funcionamento, mas estão já preparados), bem como o Pulmovista, um equipamento inovador, o primeiro a funcionar no país, que permite a visualização em tempo real, à cabeceira do doente, dos fluxos de ar nos pulmões».

«Esta tecnologia traduz-se em ganhos na eficácia do tratamento aos doentes críticos, evitando, por exemplo, a sua deslocação para a realização de exames complementares de diagnóstico». Ontem, quando o Sul Informação visitou a UCI, havia um paciente ligado ao Pulmovista, vendo-se perfeitamente a imagem azul clara do ar a entrar e a sair dos seus pulmões.

 

O novo Pulmovista em funcionamento na UCI de Portimão – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

«Se estivéssemos a falar há uns dez meses, eu dizia que estávamos com alguns défices de equipamento. Mas agora não», sublinha o médico. É claro que, acrescenta com um sorriso que a máscara esconde, mas lhe chega aos olhos, «nunca temos tudo, tudo. Há sempre mais este ou aquele equipamento a ser inventado…».

E quanto a recursos humanos? Os oito médicos, 33 enfermeiros e 12 auxiliares chegam? «É curto! A equipa devia ser maior, mas trabalha-se com o que temos», admite.

A principal questão é que situações excecionais como esta da pandemia obrigam a deslocar para a Unidade de Cuidados Intensivos os enfermeiros da Unidade de Cuidados Intermédios, que também integra o Serviço de Medicina Intensiva. E é preciso dar-lhes formação específica, o que leva meses.

«O mais difícil é a integração do pessoal, a sua formação. Um enfermeiro, para poder ficar pouco a pouco sozinho com um doente da UCI, leva seis meses». Por isso, explica Alexandre Baptista, «quando isto começou, com a entrada dos primeiros doentes Covid, houve a necessidade de reorganizar as equipas, nomeadamente de enfermagem. Mas todos foram, pouco a pouco, sendo integrados e hoje o corpo de enfermagem está mais preparado para lidar com a situação» da nova doença.

O diretor do Serviço, que já passou por outros hospitais antes de vir para Portimão, faz questão de salientar o espírito que ali se vive: «as pessoas que aqui trabalham têm grande grande capacidade de adaptação e de se darem ao hospital. É fácil, se pedirmos ajuda a alguém, esse alguém ajudar».

Por tudo isto, o médico Alexandre Baptista garante: «quando me levanto de manhã para vir trabalhar, não venho nada mal disposto, antes pelo contrário!»

Uma das coisas que o faz ter esse estado de espírito é a certeza de que o seu serviço está agora mais bem preparado, em termos de pessoas, de procedimentos e de equipamento, para a segunda vaga de Covid-19. «Neste momento, todas as dúvidas que tínhamos de como proceder já foram retiradas». Para mais, sublinha, «há um Plano de Contingência adaptado pela experiência ganha na primeira vaga».

E o que pensa o médico especialista Alexandre Baptista, depois de meses a lidar com esta nova doença, de quem diz que isto é «apenas uma gripezinha»? «Eu gostava que fosse uma gripezinha, gostava muito!», responde, de imediato.

«A primeira vaga não foi de situações superficiais. Tivemos cá três doentes e todos eles eram doentes com graves descompensações, com graves falências de órgãos. Nós estamos habituados a lidar com doentes muito graves, mas, mesmo dentro de Medicina Intensiva, os doentes não são todos iguais. Estes são muito trabalhosos, rapidamente descompensam».

 

UCI da unidade de Portimão do CHUA – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Trabalhar numa Unidade de Cuidados Intensivos é lidar todos os dias, a todas as horas, com situações limite, entre a vida e a morte. Estatisticamente, 75% dos doentes de uma UCI «safam-se».

«Mas temos muitas situações de doentes que sobrevivem quando não dávamos nada por eles. É extremamente frequente ter taxas de mortalidade previstas superiores a 80%. E entramos em tratamentos de desespero, por não querermos desistir daquele doente, mesmo quando à nossa frente está uma condição clínica desesperada», admite o diretor do Serviço.

E é por não desistirem – e também graças a uma ajudinha do doente ou sabe-se lá mais de quê ou quem… – que «às vezes temos alegrias que nos surpreendem!»

«Há situações que nos fazem suar um bocadinho mais, mas que depois acabam por ser gratificantes para nós», quando o doente recupera e sai da UCI.

Alexandre Baptista recorda algumas «situações que nos marcam e que nunca esquecemos». Uma delas aconteceu em 2018 ou 2019, já não se lembra bem, durante os Campeonatos Europeus de Ginástica Rítmica, que se disputaram em Portimão. «Houve uma ginasta de 18 anos que entrou em paragem cardio-respiratória durante a competição. Foi uma situação complicada, porque ela esteve bastante tempo sem suporte avançado de vida. Quando chegou aqui à nossa UCI, nos primeiros dias, pelo tempo exagerado que esteve com o coração parado, todos dizíamos que, ou morria ou ficava um vegetal».

«Mas a rapariga deve ter-nos ouvido a falar e, pouco a pouco, foi evoluindo. Acabou por recuperar. Voltou à ginástica, voltou a estudar!»

Outra situação teve a ver com uma jovem russa de férias em Lagos que «teve um acidente no kayak. Quando cá chegou, era uma situação gravíssima, com taxa de mortalidade expectável acima dos 90%. Mas conseguimos estabilizá-la. Mais tarde, por causa de outra situação, foi transferida para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, mas foi aqui na UCI que ela ultrapassou. Hoje, continua a viajar pelo mundo fora».

Com as imagens das Unidades de Cuidados Intensivos, dos doentes ligados a tubos e máquinas cheias de cores e sons a invadirem as nossas casas, através das séries de televisão, será que o médico Alexandre Baptista já viveu alguma situação de filme na sua UCI?

«Sim, há uns meses. Uma senhora deu entrada no hospital com uma situação muito grave e veio para a UCI. Tentámos estabilizar a senhora, parecia estar a responder ao tratamento e, quando nos virámos e afastámos, felizmente, nem sei bem porquê, eu olhei para trás e vi que ela estava a entrar em paragem cárdio-respiratória. Começámos de imediato as manobras e conseguimos que o coração da senhora voltasse a bater. E se eu não tivesse olhado para trás naquele momento?»

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

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