Médicos internos são bem-vindos mas não fazem «o trabalho dos especialistas»

Bastonário da Ordem dos Médicos diz que «a Saúde em Portugal, neste momento, está doente» e só se cura com a formação de mais médicos

Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

São muito bem-vindos, mas apesar de serem perto de duas centenas, «não são os médicos internos que vão fazer o trabalho dos médicos especialistas». O bastonário da Ordem dos Médicos esteve ontem em Faro para receber os jovens clínicos que vão começar a sua formação nas unidades de saúde públicas do Algarve e deixou claro que é preciso abrir mais vagas para especialistas, mas também para formação especializada, de modo a curar o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

«Diria que a Saúde em Portugal, neste momento, está doente. E, como qualquer doença, ou a tratamos rapidamente ou ela vai agravando e qualquer dia o Serviço Nacional de Saúde desaparece, naquilo que é a sua essência, definida na Constituição da República Portuguesa», resumiu José Miguel Guimarães, à margem da sessão de boas-vindas.

Para o bastonário, «não é de todo em todo aceitável», que não tenham aberto mais vagas de especialistas para o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), muito carenciado em algumas áreas.

«O governo abriu pouquíssimas vagas para jovens médicos. Podia ter aberto muito mais. Havia muitos mais pedidos de vagas no país, não apenas no Algarve, mas claro que aqui também. Isto cria situações complexas. Há falta de médicos em todo o país. Neste momento, o Governo tem um problema sério e, ou muda a política de contratação, como a Ordem dos Médicos tem vindo a defender, ou, com estes concursos nacionais, sem ser competitivo com o setor privado e até com países com os quais nós temos relações diretas, não conseguiremos equilibrar a balança», avisou o bastonário.

«Nós não podemos continuar condicionados pelo Ministério das Finanças. O ministro [Mário Centeno] está a fazer o seu papel no que é a sua tutela, mas as outras áreas de intervenção do Estado, nomeadamente a Saúde, a Justiça, a Educação e a Segurança, estão a ser claramente prejudicadas», acrescentou.

Parte da solução é a formação de mais especialistas, um trabalho ainda mais importante numa região como o Algarve.

«A entrada destes médicos é muito importante para o Algarve, porque é fundamental que os serviços de saúde da região, sejam de cuidados hospitalares, sejam de cuidados de saúde primários, possam fazer a formação de médicos. É esta formação que permite que os serviços sejam cada vez melhores, que eles vão acompanhando a evolução que vai acontecendo na medicina e que permitem ter a resposta mais adequada às necessidades das populações», considerou.

 

 

Este é um trabalho de futuro, que não resolve, ainda assim, os problemas mais urgentes. É que a larga maioria dos 184 médicos internos que começaram este ano a ser  formados no Algarve entraram para a Formação Geral, etapa antes de seguir para a especialização. Podem, depois, começar a aprender uma especialidade, algo que demora de quatro a seis anos.

«Neste momento, na região do Algarve, há muita falta de especialistas em várias áreas. Há algumas situações que têm de ser corrigidas com urgência – isso tem sido, de resto, falado. O que o Governo tem de fazer é criar as condições adequadas para que as pessoas possam ficar a trabalhar numa região que é maravilhosa, excelente no que toca ao clima e à gastronomia e é um bom local para viver», afirmou José Miguel Guimarães.

Apesar dos predicados da região, tem-se revelado muito difícil convencer clínicos a fixar-se no Algarve, para trabalhar no SNS. E uma das razões, na visão do bastonário da Ordem dos Médicos, prende-se com «um problema grande, no bom sentido», que a região enfrenta, o facto de ter «uma medicina privada muito forte», o que leva a que haja «uma grande competição entre o setor privado e o setor público».

Assim, há que tornar a opção pelos serviços públicos de saúde algarvios mais atrativa. Isso passa «por criar incentivos globais, em termos do que são as caraterísticas dos serviços, para que os médicos que aqui se fixem, mesmo tendo menores remunerações, em relação ao setor privado, possam desenvolver projetos de trabalho,  evoluir na carreira, fazer investigação e ter acesso aos equipamentos e dispositivos necessários para poderem exercer a medicina de acordo com aquilo que andaram a aprender durante anos e com o que são as práticas mais recentes».

«No caso do Algarve, trata-se de dar esse incentivo em termos de projeto pessoal às pessoas, como seja dirigir determinada área numa especialidade, para que as pessoas possam cá ficar. Claro que isto pode ser complementado com os incentivos financeiros que já estão criados, embora sejam fraquinhos, que provavelmente terão mais eficácia se forem aplicados ao nível dos impostos, pagar menos em sede de IRS, como acontece noutros países, como o Canadá», acredita José Miguel Guimarães.

Isto é preferível, na visão do bastonário, a que sejam oferecidas aos que vêm de fora «remunerações mais elevadas do que as dos médicos que já trabalham cá há muitos anos, que vestem a camisola e são os principais responsáveis pela prestação de saúde aqui no Algarve».

Fotos: Hugo Rodrigues|Sul Informação

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