Algarve: começou uma nova era…

O economista Francesco Berrettini acredita que a região algarvia está pronta para enfrentar outros caminhos

Quando cheguei ao Algarve, há quase 20 anos, a luz, ao sair do aeroporto, era de uma claridade que nunca tinha visto noutras regiões que já visitara.

Em Milão, fazia muito calor, com o alcatrão a derreter, e aqui no Algarve também o calor era muito: 28º. Mas havia uma brisa que refrescava o rosto, um cheiro de ar puro. Enfim, um espetáculo!

Gente hospitaleira, com vontade de ajudar, explicar, orientar, acompanhar e beber uns copos juntos, como se já nos conhecêssemos há 20 anos. Um povo educado e respeitador com os outros – nunca tinha visto tanto respeito pelos peões como aqui.

Assim, escolhi viver aqui, onde a qualidade da vida é elevada, há muito para fazer, há muito para aprender e há muito para dar.

Estive a pensar em analogias possíveis entre o período que vivemos no Algarve e o crescimento económico dos anos dourados da economia italiana. Por exemplo, num modelo que tenha facilitado o crescimento, bem como noutros modelos, não típicos da Itália: clusters + inovação tecnológica.

A realidade económica italiana, especialmente nos anos 80/90, teve como elemento facilitador do crescimento o fenómeno dos distritos industriais – ou como Michael Porter os apelidou, anos depois, os clusters.

Já em 2003, me tinha interessado pela matéria e publicado, numa revista portuguesa, um artigo sobre este tema, que passo a citar em parte:

“A origem da definição de cluster encontra-se, pela primeira vez, na teoria económica industrial de Marshall, no século XIX (1892), quando aquele autor definiu “distritos industriais”, como «a existência numa mesma área de um elevado número de pequenos produtores ou poucas grandes empresas… e com uma divisão do trabalho…».
Depois, foi novamente utilizado no início dos anos setenta por A. Beccatini (1979), para analisar as regiões italianas, onde há uma concentração elevada de empresas de um mesmo setor, quer em sentido vertical da cadeia de valor, quer em sentido horizontal.
Falamos de cluster de inovação tecnológica, quando o fator de inovação caracteriza as empresas presentes nesta área. Os clusters de inovação tecnológica produzem riqueza nos países onde se encontram.
O conceito de inovação foi inicialmente utilizado também para J. Schumpeter (1967), mas foi entre os anos setenta e oitenta que as ideias foram desenvolvidas.
Os clusters tecnológicos são então áreas onde são lançados novos produtos ou novos processos de produção e onde a componente tecnológica ou de tecnologia de informação, em alguns casos, é importante e acelera o processo.
Os elementos chaves para o desenvolvimento dos clusters de inovação foram já identificados há algum tempo (por exemplo, para consultoras como a Mckinsey, num estudo do 1996):
>Disponibilidade de financiamento público;
>Existência de novos talentos;
>Presença dos Venture Capitalist
>Intervenção das grandes empresas inovadoras”

Depois de ter investigado sobre este tema, há alguns anos, acreditei que estas condições se pudessem concretizar, também, nesta região solarenga e hospitaleira, para o bem do Algarve, da sua população e das nossas famílias.

O tempo passou e veio a crise, que arrefeceu vários projetos e iniciativas, mas não os extinguiu. Ficaram a hibernar, mas como esta quente região, não podiam ficar, para sempre, em estado letárgico.

Assim, nos últimos 3/4 anos, a geração Y, os Millennials, chegou para reativar e, de facto, pôr em prática estas condições, através de novas agregações e formas de colaboração entre empresas do setor das tecnologias da informação.

Para ter um crescimento orgânico e harmonioso do ecossistema, há necessidade, também, de mobilizar vários atores: os locais (públicos e privados), os externos e criar um círculo virtuoso que permita um crescimento sustentado, baseado no conhecimento.

A aposta no conhecimento e inovação permitiu que também em países como a China, antiga fábrica do mundo a baixo custo, hoje haja uma realidade de produtos inovadores e de elevada componente tecnológica. Áreas como a cidade de Shenzhen, já competem com os maiores clusters mundiais.

Assim, hoje, no Algarve, também como em todo o país, vê-se um dinamismo e um entusiasmo de fazer algo para que a região e Portugal cresçam, que continua a ganhar relevância no palco internacional, ligado à mudança geracional, que trouxe uma visão diferente e uma vontade de alteração em vários setor da economia.

Assim, o surgimento de clusters tecnológicos, parece-me, hoje, muito mais próximo e de mais fácil concretização. Atualmente, falamos do Tech Hubs, que, de facto, define um quase-cluster, focado na área das tecnologias.

A concretização deste Tech Hubs assenta, com certeza, nos elementos identificados anteriormente.

Mas, a meu ver, há um elemento diferenciador, que não se encontra, sempre, noutros Tech Hubs: a qualidade de vida. Esta é uma vantagem competitiva, realmente peculiar, do Algarve, que contribui de forma importante para atrair elementos favoráveis ao crescimento e à diversificação, bem como para criar na região uma realidade económica que quebre a sazonalidade da indústria turística.

Tudo isso sem esquecer a importância da fixação de população na região, também para inverter o problema do declínio demográfico.

É, também, nesta qualidade de vida e nos fatores imateriais e materiais associados, que temos que apostar, para promover a região, também, como destino empresarial, incentivando a instalação na região de nómadas digitais, o regresso dos elementos da diáspora e de terceiras entidades económicas. Diria que esta é a vantagem competitiva do território mais difícil de replicar e que melhor o distingue.

Nos quase-clusters ou Tech Hubs, temos muitos dos elementos que a investigação económica identifica: Universidade, Talentos, Empreendedorismo, Capitais. Mas há vantagens competitivas que só alguns Hubs podem orgulhar-se de ter, como o Algarve.

Escrevendo de outra forma, adapto o feliz slogan da Universidade do Algarve: “Trabalhar onde é bom viver!”.

Os restantes atores, que ainda faltam, virão a seguir, com os cuidadosos trabalhos preparatórios do lado da Universidade, autarquias e de outros atores públicos, envolvendo a sociedade civil neste processo.

Acredito que a região está pronta para enfrentar outros caminhos, complementar a indústria existente e que… começou uma nova era…

 

Quem é Francesco Berrettini

Nascido em Roma, e licenciado em Economia, com MBA bienal full time em gestão de empresas pela Universidade Bocconi de Milão.
Com mais de seis anos de experiência como analista em due diligence, para um banco de investimento italiano com analista setorial.
Consultor de Estratégia, por quatro anos numa consultora internacional criada para professores da Universidade Bocconi, com escritórios em USA, Europa, Europa de Leste e China; com clientes privados e públicos Europeus e Internacionais. Ganhou experiência em vários projetos transnacionais para a União Europeia, como Project Manager.
Vive em Portugal, desde 1999, e assumiu o cargo de diretor geral da Inesting desde 2001 até 2018 e, mais tarde, na Breef.me, Inesting Training e Inesting Brasil, com escritórios no Algarve, Lisboa e São Paulo.
Ganhou o prémio de empresa Inovadora pela ANJE. Desde o 2016, entra no capital o grupo espanhol Digital Group, com escritórios também em Madrid, Barcelona e Cidade do México.
Sai do Grupo Digital Group no início do 2018 e, desde Novembro, exerce funções de diretor executivo da Algarve STP, Parque da Ciência e Tecnologia do Algarve.
Desde 2014, é Cônsul Honorário de Itália no Algarve. Mentor para várias instituições de apoio a startups, entre outras a Helthcare City, da Universidade Nova de Lisboa, no passado, Beta I, NERE, etc.
Para além dos cargos ocupados, foi também assistente nas disciplinas de Marketing e Gestão em Lisboa (ISLA, agora Europeia, e na Business School da Católica do Porto) e no Algarve, durante 12 anos, no INUAF. É frequentemente convidado como orador em palestras nacionais e internacionais sobre os temas do digital.
Consultor de Marketing digital, advisor de empresas em operações de Venture Capital ou Business Angels.

 

Nota 1: a foto de Francesco Berrettini é da autoria de Dulcineia Dias

Nota 2: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

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