O Programa Integrado do Sotavento Algarvio

As dez bases programáticas para um roteiro neorural

Estamos em abril de 2024. Em 2017 (5 de janeiro), 2020 (9 de janeiro) e 2021 (21 de janeiro) escrevi no Sul Informação artigos sobre o Nordeste Algarvio e o Baixo Guadiana.

Como o círculo vicioso, permanece regresso ao tema e recupero o que disse em 2017: Passaram vinte anos, estão a terminar as compensações ao rendimento concedidas ao abrigo do regulamento comunitário 2080 da Política Agrícola Comum sobre medidas agroflorestais.

Temos hoje, no Nordeste Algarvio e no Baixo Guadiana, uma economia agroflorestal digna desse nome? Temos hoje uma multifuncionalidade e pluriatividade dignas desse nome? Interrompemos o círculo vicioso de desertificação e despovoamento? Ao menos, turistificámos o interior remoto e o Baixo Guadiana? Em matéria de cooperação transfronteiriça, fizemos progressos dignos desse nome? Já temos a navegabilidade do Guadiana assegurada até Alcoutim? Infelizmente, fizemos apenas política de mitigação e não podemos afirmar que invertemos a tendência longa do nordeste algarvio entre Alcoutim e Vila Real de Santo António.

Hoje, em 2024, 50 anos depois do 25 de abril, numa região dita rica, temos, nesta sub-região, de um lado, um ciclo longo de desertificação e despovoamento e, de outro, ciclos curtos de emergência, mitigação e adaptação, cujos resultados minguados não chegam para inverter as severas restrições daquele ciclo longo. Estamos, verdadeiramente, num impasse.

Mais uma vez, todos aguardam a implementação do PT 2030 e do POCPT 2027, e, agora, também, do PRR. Entretanto, o Nordeste Algarvio e o Baixo Guadiana têm cada vez menos população, cada vez mais idosa, solos mais pobres, recursos hídricos muito reduzidos e risco elevado de incêndios florestais, para além de uma representação política inexistente.

De resto, a sub-região é vítima indireta do modelo algarvio de monoindústria turística intensiva, de condições severas em relação ao custo de oportunidade dos investimentos, das baixas economias de rede e aglomeração existentes e de uma administração do território que está manifestamente desajustada à natureza dos seus problemas.

Não obstante as dificuldades apontadas, vivemos, agora, uma década extraordinária no que diz respeito ao complexo de programas e medidas de política, bem como, aos meios financeiros envolvidos. As Grandes Transições desta década – climática, energética, ecológica, alimentar, demográfica, migratória, digital, securitária

– pelos impactos que proporcionam levantam várias questões fundamentais, por exemplo:

– O complexo de programas e medidas de política do PRR, PT 2030, POCTEP e outros programas europeus, poderá desencadear uma mudança paradigmática nesta sub-região e, assim, inverter o círculo vicioso em círculo virtuoso de desenvolvimento territorial ou, ao invés, vamos lamentar, mais uma vez, ter perdido esta derradeira oportunidade?

– Ou será necessário que uma crise grave de recursos hídricos ponha em causa, ao mesmo tempo, o abastecimento público, o turismo e a agricultura algarvios?

– Ou vamos aguardar por um sério conflito transfronteiriço motivado pelas guerras da água e pelos transvases entre os rios ibéricos?

O Nordeste Algarvio e o Baixo Guadiana nunca sairão do seu círculo vicioso de desenvolvimento se não forem capazes de aplicar uma massa crítica de medidas, a uma escala apropriada e durante pelo menos uma década e não dispuserem de uma administração dedicada, uma estrutura de missão, que tenha autonomia contratual para executar no terreno todas essas medidas.

Isto significa uma abordagem integrada e compreensiva de desenvolvimento territorial, em três escalas de intervenção interligadas, o concelho de Alcoutim, o parque natural do Guadiana e o Baixo Guadiana e o sotavento algarvio.

Esse complexo de medidas inclui medidas de prevenção (1), de urgência (2), de mitigação e adaptação (3), de especialização inteligente (4), de reforma socio-estrutural (5), de acordo com as bases programáticas inscritas no contrato de desenvolvimento e que podem ser resumidas do seguinte modo:

– Base nº 1, as sementes perdidas: trata-se de cuidar da biodiversidade, solos (banco de solos), coberto vegetal, serviços de ecossistema, sistema agroalimentar local (SAL) e agricultura acompanhada pela comunidade (AAC);

– Base nº2, a nova matriz energética: a definição da matriz de energias renováveis – solar, eólica, biomassa – a criação de uma central de biomassa, a formação de comunidades locais de energia, a eficiência energética das habitações;

– Base nº3, a matriz de recursos hídricos: o ordenamento da bacia hidrográfica do rio Guadiana e a rede de distribuição de recursos hídricos até ao Baixo Guadiana, a navegabilidade do rio e o corredor ecológico fluvial; definição da matriz de recursos hídricos do sotavento algarvio e a gestão integrada de recursos do mar, de aquíferos, águas superficiais e recicladas.

– Base nº4, o bosquete multifuncional e o mosaico agro-silvo-pastoril: a definição do mosaico e as práticas agroecológicas, a remuneração dos serviços de ecossistema com relevo especial para a reconstituição dos solos, a silvicultura preventiva e a gestão dos fogos florestais, a função e o papel da agrocinegética;

– Base nº5, a mobilidade suave e o envelhecimento ativo: a criação de serviços ambulatórios de proximidade, a prioridade a um programa de cuidados continuados, a formação de comunidades de co-housing para a população sénior, um programa de atividades para o envelhecimento ativo, a formação de um banco de voluntariado;

– Base nº6, microcrédito e financiamento participativo: um programa de apoio a toda a população necessitada do sotavento visando proporcionar uma espécie de rendimento mínimo garantido que pode ser assegurado através de operações de financiamento participativo;

– Base nº 7, serviços de economia circular: programa de recuperação e tratamento de resíduos, domésticos, agrícolas, florestais, industriais que pode ser usado como fonte de rendimento para a população do concelho e cujas soluções de reutilização podem ser exemplares;

– Base nº 8, complexo de serviços educativos, pedagógicos, recreativos e terapêuticos: quintas pedagógicas, educação especial, residências de trabalho voluntário, residências artísticas e de investigação, estadia para nómadas digitais;

– Base nº9, serviços histórico-patrimoniais e turístico-culturais: reinventar os sinais distintivos territoriais do sotavento, recriar novos roteiros na região e circuitos de visitação, bem como dois ou três eventos importantes; os serviços agroturísticos e de animação socioambiental, uma rede especial de turismo acessível e um banco de alojamento local podem proporcionar rendimentos adicionais;

– Base nº 10, a cooperação transfronteiriça: no plano especificamente transfronteiriço, a estrutura de missão do sotavento algarvio dialoga diretamente com a Euro-região AAA e a Euro-cidade do Baixo Guadiana.

Eis algumas medidas que podem ser relevantes para a realização do programa do sotavento algarvio: um programa de cooperação entre parques e reservas naturais e outras áreas de paisagem protegida, uma rede de extensão empresarial AAA com uma bolsa para estágios profissionais, uma plataforma interuniversitária de pós-graduação AAA com titulação conjunta, um cartão BG para a mobilidade, ou seja, uma via verde para jovens e seniores, uma via verde AAA para a mobilidade dos grandes doentes de risco, um programa piloto AAA para o combate às alterações climáticas.

Notas Finais

Para lá do complexo de medidas já referidas podem ser mencionados alguns projetos ou iniciativas emblemáticas que se podem constituir em imagens de marca do sotavento algarvio. O primeiro exemplo diz respeito ao centro internacional de treino e alto rendimento, o segundo exemplo a algumas provas de prestígio internacional, da canoagem ao remo e do triatlo ao atletismo.

Outro exemplo diz respeito ao parque agroecológico intermunicipal do Baixo Guadiana e o seu programa de hortas e jardins que, em conjunto, seriam os instrumentos fundamentais de visitação, recreio, lazer e terapia para os membros mais frágeis da sociedade sénior.

O último projeto emblemático diz respeito ao centro ibérico de artes e cultura enquanto instrumento de comunicação e cooperação com os países mediterrânicos e africanos.

Aqui chegados, nos próximos vinte anos a grande constelação agro rural – agroalimentar, agroambiental, agroflorestal, agroenergética, agroturística, agrocultural – desta sub-região do sotavento algarvio continuará a fazer todo o sentido, por maioria de razão devido ao agravamento dos impactos das alterações climáticas.

Todavia, para baixar o seu custo de oportunidade precisará de ser reenquadrada num modelo de desenvolvimento integrado do sotavento algarvio, um modelo que faça a coordenação dos seis vetores da constelação e que, para o efeito, constitua um ator-rede, uma estrutura de missão, com a tarefa específica de administrar um programa integrado no quadro dos atuais programas estruturais e, também, da cooperação transfronteiriça no âmbito da Euro-região AAA.

 

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