Dólar: o canto do Cisne?

Será este o evento catalisador para uma adoção massificada de uma criptomoeda?

Para perceber um pouco melhor os factos à presente data, é pertinente dar um pouco de enquadramento.

Até 1944, o dólar assentava no padrão-ouro, existindo uma relação direta entre o valor da moeda e a sua convertibilidade em ouro.

De 1944 até 1971, durante a vigência do acordo de Bretton-Woods, havia sido acordado que o dólar continuaria a poder ser convertido em ouro, mas perdendo a relação direta que existia antes, sendo fixado que 35 dólares representavam uma onça de ouro.

Desde 1971, ano em que o acordo de Bretton-Woods foi suspenso, e mais tarde, em 1976, efetivamente terminado, o dólar deixou de ser convertível em ouro, isto é, deixou de ter uma “âncora” ao ouro e a respetiva taxa de câmbio deixou de estar “fixa”.

Ora, de 1971 para a frente, entramos no mundo das reservas fracionadas e do “quantitative easing”, que, de uma forma brejeira, significa “imprimir dinheiro”, e criou-se um sistema financeiro “Turbo Alimentado” para dar liquidez ao furor e crescimento dos mercados.

No meu entender, a queda do Bretton-Woods muito se deveu às crises petrolíferas e ao facto de serem necessários mais dólares para pagar o petróleo que ficara mais caro. E, dada a crescente rampante procura por produtos derivados do petróleo, como os combustíveis, mais dólares eram necessários em circulação para alimentar esta nova economia do ouro negro.

Para atestar o furor do “quantitative easing” que se seguiu ao término do Bretton-Woods, podemos observar os dados estatísticos da FRED (Federal Reserve Economic Data, dos Estados Unidos da América), onde, entre o início das séries de dados que se fixa em 1917 e 1944, houve um aumento de 16 biliões de dólares, e, entre 1944 e 1971 (que foi o período de vigência do Bretton-Woods), houve um aumento de 35 biliões de dólares em circulação.

Nos anos seguintes, onde já não haveria “âncora” ao ouro, dependendo então apenas da política monetária do país, e para manter a coerência, considerando períodos de anos idênticos, isto é, de 1971 a 1998 houve um aumento de 418 biliões de dólares, e nos 26 anos seguintes (até à presente data), houve um aumento de 1 863 biliões de dólares.

O dólar tornara-se então a moeda padrão para transação internacional do petróleo, isto é, quem quer que seja que quisesse adquirir petróleo teria de o fazer recorrendo a dólares, aumentando consideravelmente a procura desta moeda.

Recentemente, o reinado do dólar na transação do petróleo terminou, quando, em julho de 2023, a Índia adquiriu petróleo recorrendo a Yuan chinês para efetuar o pagamento e não dólares.

Em outubro de 2023, a China também ela adquiriu petróleo utilizando Yuan chinês para pagamento. Este tem sido o resultado dum esforço premente da China em Riyadh para que sejam aceites cada vez mais transações nesta moeda.

Já no seio dos BRICS, que é uma organização composta por um grupo de países de mercados emergentes, dominada para Rússia, China, Índia e Brasil, falam ativamente em utilizar o Yuan chinês como moeda de referência nas transações comerciais em detrimento do dólar americano.

Concomitantemente, podemos assistir ao frenesim do burburinho internacional sobre a adesão da Arábia Saudita ao BRICS+, a qual, apesar de não ter ainda acontecido, está em fase avançada de negociações.

Adicionalmente, entre 2022 e 2024, assistimos a um forte abrandamento da introdução de novos dólares em circulação, em termos relativos, o que poderá ser uma tentativa de resposta para colmatar a escalada da inflação nos EUA, devido ao possível abrandamento da procura por dólares e consequente perda de valor da moeda na praça internacional.

Posto isto, deixo duas questões no ar: será esta a machadada final que iniciará o declínio do dólar como moeda de referência nas transações internacionais? Será este o evento catalisador para uma adoção massificada de uma criptomoeda?

 

Autor: Luis da Ponte é membro efetivo da Ordem dos Economistas.
É licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças Empresariais pela Universidade do Algarve e licenciado em Administração Pública pela Universidade do Minho.
Profissionalmente, é proprietário das empresas “VDP – Consultoria | Seguros”e “TSE Industrial”.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub