Começa hoje a ambiciosa programação do Lavrar o Mar em Portimão

Até Dezembro, o centenário da elevação de Portimão a cidade será pretexto para muitas artes, envolvendo a comunidade

Jose Antonio Portillo e a sua Biblioteca de Cordas e Nós – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Uma «Biblioteca de Cordas e Nós» está aberta ao público, a partir deste sábado, 23, e até 31 de Março, domingo de Páscoa, na Antiga Lota de Portimão. Este é o momento inaugural da vasta programação que a cooperativa cultural Lavrar o Mar vai apresentar em Portimão, até Dezembro, para comemorar o centenário da cidade.

Giacomo Scalisi, diretor do Lavrar o Mar, em recente apresentação do programa concebido de propósito para Portimão, numa parceria com o Município, salientou que, ao longo destes meses, «tentamos utilizar todas as vozes das artes: a música, a dança, o circo, o teatro, a fotografia».

Mas o que é a Biblioteca de Cordas e Nós? É um projeto desenvolvido pelo criador espanhol José Antonio Portillo, «uma biblioteca que construiu a partir de histórias que ele recolhe, num trabalho com escolas e com as comunidades, e que já anda por toda a Europa há mais de 20 anos. Esta biblioteca tem livros…e não tem livros, tem histórias. Histórias que ele conta e que, poeticamente, fazem com que as pessoas entrem nesta biblioteca imaginária».

O espetáculo conta com a participação artística de Matilde Real e Rita Rodrigues e produção executiva da Unnica Arts, além dos apoios do Centro de Pedagogia e Animação, do Centro Cultural de Belém e do Theater Hetpalais d’Anvers (Bélgica).

O objetivo do autor, com esta instalação-espetáculo, é dar relevância à importância de escutar o silêncio, de ver, tocar, refletir e experimentar. A biblioteca móvel é uma estrutura circular de madeira que guarda diversos manuscritos, textos nunca publicados, partituras, desenhos e muitos outros objetos, como, por exemplo, cilindros cheios de mensagens feitas de cordas e nós.

A «Biblioteca de Cordas e Nós» contou já com quatro sessões para o público escolar do primeiro ciclo, que decorreram entre 19 e 22 de Março.

Estão ainda previstas sessões nos dias 23 e 24 e 28 a 31 de Março, às 17h00, abertas ao público geral, com duração aproximada de 60 minutos.

Os bilhetes custam cinco euros para adultos e três euros para as crianças dos 6 aos 12 anos, sendo a lotação limitada a 30 lugares.

As entradas podem ser adquiridas online clicando aqui ou, presencialmente, no Teatro Municipal de Portimão e no Museu de Portimão.

 

Biblioteca de Cordas e Nós – Foto: Manolo Garcia ARA

 

Mas José Antonio Portillo trará ainda dois outros projetos à cidade centenária. Um deles é «uma segunda pele» que envolve a biblioteca e chama-se «Caminhos Orgânicos». Segundo Scalisi, trata-se de «acompanhar adolescentes da cidade nos seus percursos e imaginar. com eles, outros percursos».

«Queremos saber qual é o percurso que eles fazem todos os dias entre a sua casa e a escola. Queremos que filmem esses percursos. Depois vamos pensar como podemos melhorar, a partir das imagens e do imaginário de um adolescente, este percurso e a própria cidade. Teremos linhas vermelhas que unem a biblioteca ao mapa da cidade. O próprio mapa da cidade vai fazer parte desta segunda pele. Também teremos, depois, a possibilidade de imaginar outros percursos de outras pessoas que irão visitar a segunda pele».

O «Museu do Tempo» é o terceiro projeto. Trata-se, mais uma vez, de envolver a comunidade num espetáculo, que terá teatro, instalação, visitas guiadas. E que culmina com «cerimónias de enterramento».

E o que será enterrado? Giacomo Scalisi explica: «queremos imaginar um museu na cidade de Portimão, que esconde objetos que são memórias das pessoas da cidade. Iremos trabalhar com três grupos: crianças, adultos e um grupo de pessoas já com alguma idade. Eles vão escolher o objeto mais importante da sua vida, ligado às memórias da cidade em que vivem, Portimão. Escolherão também um lugar onde queiram enterrar este objeto».

Depois, «vamos enterrar o objeto. As pessoas que participarem vão escrever uma história e vão enterrar o seu objeto, através de uma cerimónia de enterramento. Será a partir desse momento que o lugar passará a pertencer às memórias. O lugar pertence àquela pessoa».

Para que todos possam, no futuro, continuar a visitar esses lugares de enterramento dos objetos de memória, cada um deles terá um QR Code, inscrito num azulejo. «A partir desse QR Code, pode ler-se a história, ver qual é o objeto que está enterrado».

No fundo, «iremos fazer um mapa ou três mapas diferentes, com os quais se pode visitar a cidade, a partir dos afetos que as pessoas da cidade decidiram deixar aqui», adianta Scalisi.

Apesar de só este fim de semana, com a «Biblioteca de Cordas e Nós», a programação especial do Lavrar o Mar surgir aos olhos do grande público, o trabalho já começou há algum tempo.

Em Fevereiro, por exemplo, começaram as reuniões do «grupo de pensadores», que inclui «um antropólogo, Pedro Prista, Nélio Conceição, que é um filósofo, Sandro William Junqueira, que é um escritor, Maria João Raminhos Duarte, que é historiadora, e o Paulo Quaresma, que é um artista aqui da cidade».

«Em conjunto, estas pessoas estão a pensar sobre a cidade de Portimão. Todos têm uma ligação com a própria cidade, mas também com o pensar a cidade em geral. Qual é a relação que nós temos com a nossa própria cidade e com a cidade em todo o país? Qual é o futuro da ideia de cidade?».

E o que resultará do trabalho desse grupo de pensadores? Scalisi confessa: «Não sabemos como é que eles depois vão comunicar com o público. Será um livro? Uma publicação, encontros, reportagens? Está tudo ainda por imaginar em conjunto com eles, é um trabalho passo a passo».

 

 

Em Abril, porque o mês será recheado de comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, o Lavrar o Mar não terá aparições públicas.

Mas regressa a 3 de Maio, e logo com um «espetáculo ao ar livre, para o grande público, para todos, para as famílias».

Trata-se de uma companhia francesa de novo circo e teatro de rua, chamada Inextremiste, com o espetáculo «Exit». «É um grande balão de ar quente que irá voar na zona ribeirinha, perto do Clube Naval. E irá voar porquê? Porque quer levar consigo um grupo de loucos que estão a fugir de um hospital psiquiátrico e que vão à procura da liberdade. E decidiram que o balão de ar quente será o meio para ficar longe das regras e das imposições que o próprio hospital tem e, se calhar, também a nossa própria sociedade».

O novo circo voltará com Cloé Moglia, uma artista equilibrista francesa, e a sua companhia Horizon, que combina novo circo e dança e que trará, em Junho (dias 1 e 2) o espetáculo «Rhizome», e depois, em Setembro (20 e 21) «La Spire».

O diretor do Lavrar o Mar explica o que poderá ser visto: «Horizon é, no fundo, um desafio do próprio corpo no ar. Cloé tem um instrumento que ela utiliza para ter uma suspensão no ar. É dançar, desafiar a gravidade, com pequenos movimentos, com ligações, com uma dança que é feita no ar».

Cloé Moglia estará de regresso em Setembro, «com um espetáculo que é o desenvolvimento deste solo, mas agora com seis artistas, também equilibristas, numa estrutura que ela imaginou e que é La Spire, em francês, ou seja, uma espiral. Eles vão dançar a partir desta estrutura, jogando com o ar, com a gravidade, com o movimento possível».

Em Junho, começará igualmente o Projeto Música, pelo qual Scalisi confessou ter «muito carinho».

«Convidámos três artistas, Pedro Salvador, Johannes Krieger e Margarida Mestre, para fazer um trabalho com a comunidade musical de Portimão. Iremos lançar uma call para as pessoas participarem: quem toca guitarra irá trabalhar com o Pedro Salvador, que tem uma guitarra elétrica, um amplificador em casa, e muita vontade de tocar em conjunto. Para o Johannes Krieger são sopros. E para a Margarida Mestre, que é voz, cantada e falada. Neste caso, teremos um contacto com os grupos corais que existem na cidade de Portimão».

Esta call, ou convite à participação, «será para pessoas que já praticam, que são profissionais, e outras que são amadoras».

O responsável pela programação diz esperar que «a adesão seja grande e que tenhamos grupos muito grandes a tocar 50 guitarras elétricas com 50 amplificadores, a tocar uma composição com o Pedro Salvador, assim como com o Johannes e Margarida».

Este projeto começa em Junho e vai durar até Dezembro, culminando com a sua apresentação pública.

 

Cloé Moglia

 

Ainda em Junho, o Teatro do Vestido, companhia portuguesa de Joana Craveiro com a qual o Lavrar o Mar já tem trabalhado, vai trazer um projeto concebido para a cidade de Portimão: «Esta é a minha cidade e eu quero viver nela».

Terá dois momentos. O primeiro será em Junho, «quando Joana Craveiro, com os seus atores e atrizes em Portimão, estará em residência artística e andará à procura da história. No fundo, é uma pesquisa antropológica que ela vai fazer na cidade».

E, depois, em Dezembro (20 a 22), terá então lugar o espetáculo que vai fechar esta programação do Lavrar o Mar, a ser apresentado «nos lugares que a Joana Craveiro encontrar a partir deste trabalho de pesquisa na cidade».

Em Julho, haverá mais um grande momento para o público familiar e para todas as pessoas que visitam Portimão. Mais uma vez, será uma companhia francesa, Akoreacro. O espetáculo chama-se «Arret d’Urgence» (Paragem de emergência) e «também tem a ver com a loucura em que nós encontramos».

«Vão ocupar o espaço público com um pensamento sobre o espaço público e a cidade, a partir daquilo que é a sua própria companhia, a sua própria especificidade, que é o Novo Circo. O espetáculo tem um grande camião, tem músicos, tem trapézios que se improvisam de um momento para o outro. É um espetáculo muito festivo».

Agosto, mês em que muita coisa acontecerá em Portimão e em todo o Algarve, a programação especial do Lavrar o Mar voltará a não ter momentos públicos. Mas regressará em força em Setembro, com três propostas.

Uma delas é «A cidade fala», um projeto de fotografia e vídeo-documentário. «Vamos colocar três fotógrafos a imaginar quem são as pessoas de Portimão. Vamos fotografá-las. Vamos ter um estúdio fotográfico na rua ou numa loja abandonada no centro da cidade. Fotografamos os rostos das pessoas e depois iremos mostrar estes rostos com uma exposição na cidade», adianta Giacomo Scalisi.

Ao mesmo tempo, haverá um projeto em vídeo, para «ouvir as pessoas de Portimão», que, perante uma câmara, terão «três minutos ou dois minutos ou um minuto e algumas perguntas que vão nascendo do nosso grupo do pensamento. As pessoas têm a possibilidade de falar, dizer o que acham sobre a cidade. Depois iremos recolher todas estas declarações gravadas e iremos apresentá-las num documentário».

No mesmo mês de Setembro, haverá novo programa festivo, para as famílias, que têm a ver com a tradição. Trata-se de «Marionetas, Bonecos e Fantoches», um teatro de marionetas que cruza tradições de dois países: o Dom Roberto e os Bonecos de Santo Aleixo, ambos de Portugal, com os Pupi Siciliani (de Palermo) e a Pulcinella, ambos de Itália.

São «histórias que falam de pessoas que habitam as cidades. É uma tradição antiquíssima. Em Itália, as marionetas foram utilizadas durante o Fascismo para abordar coisas de que não se podia falar», recorda Scalisi.

Em Outubro, o coreógrafo Miguel Pereira vai apresentar o espetáculo «Miquelina e Miguel», de dança, que «fala de doenças da terceira idade, como o Alzheimer. Ele está em cena com a sua própria mãe e a mãe sofre de uma demência. Ele tem o cuidado de proteger a sua própria mãe, trazê-la para a cena e, em conjunto com ela, mostrar como é possível ter uma outra relação com a própria demência e com uma idade. É um espetáculo emocionante».

Scalisi acrescenta que «vamos apresentar este espetáculo integrado na Semana dos Idosos. Vai fechar todo um pensamento sobre uma parte da cidade, que também é importante conhecer, saber que existe. Acho que este espetáculo pode marcar este momento, para que não nos esqueçamos das pessoas que têm mais necessidade, que têm que ser olhadas de outra maneira».

 

 

Também em Outubro, ainda sem data definida, Giacomo Scalisi e Sandro William Junqueira apresentam em Portimão o seu espetáculo de «teatro culinário», chamado «Quem vai para o Mar não volta a Terra».

O tema do espetáculo é…o bacalhau, esse «peixe português que fala norueguês e que, durante muitos anos, foi pescado por navios portugueses que iam para o Mar do Norte, e depois saíam em pequenos dóri, para pescar. É a história de uma família em que o pai teve que escolher, como muitos dos homens portugueses da sua época, entre ir para a África, para a guerra, ou ir para a pesca do bacalhau. São dramas que foram vividos ao longo da história de Portugal. As mulheres e os filhos não sabiam se esses homens voltavam, porque muitos morriam nos nevoeiros do Mar do Norte».

Mas este não será um espetáculo normal: «é um espetáculo de jantar. Iremos confecionar e comer uma comida que é a chora, uma sopa que os próprios marinheiros cozinhavam no mar, e também um prato e uma sobremesa, muito particular, que são línguas de bacalhau fritas, como os bolos de Natal, com açúcar e canela». De fazer crescer água na boca…ou talvez não.

Em Novembro, será a vez da apresentação de um projeto de Madalena Victorino, que é co-diretora do Lavrar o Mar, denominado «Rumor».

«Decidimos em conjunto que fazia sentido ela poder fazer também aqui um projeto com a comunidade. Será um projeto dividido entre uma pequena aldeia, que é Bordeira, e a urbanidade, que é Portimão, um confronto entre a cidade e a aldeia».

Giacomo acrescenta que se trata de um projeto que o Lavrar o Mar já tem trabalhado noutros locais e que procura, no fundo, «encontrar a identidade de pequenas aldeias».

No final de Novembro e depois em Dezembro, haverá mais novo circo, com a companhia «Cirque Ici», de Johann Le Guillerm.

Giacomo Scalisi diz que costuma «chamar-lhe saga, porque na realidade são três espetáculos, que Johann Le Guillerm nos traz. E vão acontecer mesmo num momento “quente” do nosso centenário da cidade de Portimão, porque é a 11 de Dezembro que se comemora essa data».

O primeiro espetáculo (28 de Novembro a 1 de Dezembro) terá lugar no Portimão Arena e chama-se «Encantation». Será «uma experiência culinária, com um chef com duas estrelas Michelin, Alexandre Gauthier, que tem uma visão muito própria sobre a cozinha, que se associa ao Johann Le Guillerm, que é um artista de circo, fora de série. A sua é uma pesquisa contínua, é um laboratório entre a física, a química e tudo o que possa acontecer. É um espetáculo, um jantar, que tem uma configuração muito particular».

O público irá ouvir e seguir as indicações de Johann Le Guillerm. «As pessoas têm que fazer coisas, depois come-se com os dedos. Os pratos constroem pequenas situações que o Johann gosta muito de imaginar no espetáculo, com a própria comida, que têm a ver com o equilíbrio, com física e com química».

Para que ninguém fique de fora desta «experiência imersiva, culinária fantástica», vão ser feitas «seis apresentações, esperando que possamos dar a possibilidade a todos de poder ver e participar no espetáculo».

 

La Transumante, de Johann Le Guillerm

 

De 7 a 15 de Dezembro, na zona ribeirinha de Portimão, será apresentado o segundo espetáculo desta saga, denominado «Terces» e que é «um pouco sui generis, numa tenda de circo».

Scalisi explica que se trata de um espetáculo que Johann Le Guillerm «faz há 20 anos, mas que, a cada cinco anos muda, que ele inova a partir das suas pesquisas. Tem objetos, tem equilíbrios, tem esta relação com o espaço, tem magias que acontecem dentro desta tenda».

Levantando um pouco o véu sobre estes dois primeiros espetáculos e aquilo que os poderá ligar (ou não…), o diretor do Lavrar o Mar sublinha achar «interessante ir jantar ou almoçar no “Encantation”, ver os objetos e os equipamentos que vamos ter nas mãos durante esse almoço, e depois ver este segundo espetáculo».

Finalmente, a 11 de Dezembro, dia da Cidade e das comemorações oficiais do centenário da elevação de Portimão a cidade, chega «La Transumante», também do Cirque Ici de Johann Le Guillerm.

«É um projeto muito particular, uma instalação itinerante, um percurso pela cidade ao longo de 6 horas, com 450 barrotes de madeira, que, no fundo, constroem arquiteturas e dialogam com a própria arquitetura da cidade. É a própria companhia Cirque Ici que irá transportar ou pôr a andar estes barrotes, com a participação de algumas pessoas de Portimão, que irão integrar a companhia e visitar a cidade».

No final, «irão convergir num local da cidade, onde também haverá a intervenção dos nossos laboratórios do Projeto Música», que terá começado em Junho e culmina aqui.

Resumindo este programa cultural, ambicioso como nenhum outro antes apresentado em Portimão, Giacomo Scalisi conclui dizendo que «se pode ver e acompanhar os espetáculos e obter uma coleção de sentimentos, de imagens, de percursos poéticos dos artistas e de ligações com a cidade de Portimão, sempre. E quem quiser participar, terá momentos próprios para poder fazê-lo ativamente».

 

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