A arquitetura da paisagem urbana e do espaço público multiterritorial

Está na hora de uma nova cartografia e mapeamento territorial

É muito difícil de imaginar a cidade do futuro, a sua arquitetura, paisagem urbana, espaço público, e relações cidade-campo.

Na encruzilhada de quatro inteligências – racional, emocional, natural, artificial – e com tantos dispositivos técnicos e tecnológicos no terreno, digamos que a cidade da conexão e cooperação entre todas aquelas interações só agora começa.

Durante demasiado tempo praticámos uma política dual e dicotómica que puniu severamente as relações cidade-campo, urbano-rural e moderno-tradicional. Agora, as grandes transições do século XXI – climática, energética, ecológica, digital, laboral, social, securitária – exigem-nos que reconsideremos este conjunto de relações, desta vez em nome de uma sociedade mais colaborativa e criativa, eticamente inclusiva, e que saiba preservar os seus materiais raros e bens comuns, e promova a gestão de recursos partilhados e os direitos dos ausentes, em especial, as gerações vindouras.

É neste contexto particularmente complexo que devemos considerar e apreciar a questão da arquitetura da paisagem urbana e do espaço público na cidade do futuro.

Vejamos, então, alguns aspetos dessa malha reticular induzida pela conexão e cooperação entre espaços-territórios, em benefício de novas multiterritorialidades como as redes urbanas, a região-CIM, os agrupamentos europeus de cooperação transfronteiriça ou, ainda, a nova economia dos geossistemas de base territorial, de que são exemplo a Terra Quente e a Terra Fria transmontanas, o Alto Douro vinhateiro, a Cova da Beira, o empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, o barrocal serra algarvio, entre outros.

1) Em primeiro lugar, a arquitetura do espaço edificado em resultado das novas formas de mobilidade urbana e, bem assim, de uma ecologia muito mais inspiradora e feita a pensar na nossa condição humana; como resultado, teremos mais espaço público à nossa disposição para redesenhar a paisagem urbana; hoje as cidades já são catalogadas de acordo com o tempo de deslocação ao centro, por exemplo, a cidade dos 5 m, 15, m, 30m, 60m;

2) Em segundo lugar, uma nova arquitetura digital em resultado do processo de digitalização das atividades que transforma os modelos de negócio, a configuração física dos espaços comerciais e sua redistribuição no espaço-território envolvente; como resultado, teremos uma relação mais diferenciada com os espaços periurbanos e suburbanos e, também, com o espaço rural; com o aumento do teletrabalho, do nomadismo digital e da semana de quatro dias altera-se o complexo de relações entre o centro e a periferia;

3) Em terceiro lugar, uma nova arquitetura urbana em resultado da nova matriz energética e da transformação do espaço edificado para responder a exigências de eficiência energética, mas, também, a novos usos urbanos como a agricultura urbana e vertical; teremos, assim, mais espaço público para formar comunidades energéticas locais e uma agricultura mais acompanhada pela comunidade;

4) Em quarto lugar, a arquitetura dos espaços socio-laborais, em resultado da desmaterialização e automação da economia laboral e de uma mudança substancial dos modelos de negócios, como, também, do trabalho técnico-administrativo em funções públicas, abre novas vias não apenas para os espaços empresariais como para a mobilidade dentro e fora do tradicional espaço urbano; a própria relação contratual sofrerá profundas alterações, mais vinculativa e menos vinculativa, mais permanente e mais intermitente, mais remuneração fixa e mais remuneração variável, ou seja, teremos, seguramente, muito mais soluções feitas por medida de acordo com a vontade das partes;

5) Em quinto lugar, a nova arquitetura da relação cidade-campo em resultado do processo de descarbonização e do papel das infraestruturas ecológicas e rede de corredores verdes no modelo de conexão urbano-rural e na delimitação de novos espaços públicos de ligação, de acordo com o princípio de mais campo na cidade e mais cidade no campo; assim, o parque agroecológico municipal ou intermunicipal será o shopping do século XXI;

6) Em sexto lugar, a arquitetura dos espaços colaborativos de ciência, cultura e criatividade em resultado do lugar central que, doravante, representarão na cartografia territorial da cidade do futuro; teremos à nossa disposição um leque muito variado de opções de espaço público na interface desta arquitetura multiterritorial de ciência, arte e cultura;

7) Em sétimo lugar, a arquitetura das redes de proteção social e inclusão, em especial, no desenho dos serviços de proximidade e ambulatórios em benefício dos grupos de cidadãos mais desfavorecidos; teremos à nossa disposição muitas soluções de mobilidade para a sociedade sénior e outros grupos mais frágeis; o co-housing, os serviços partilhados e os bancos de voluntariado permitirão desenhar e praticar novas soluções;

8) Em oitavo lugar, a arquitetura do ambiente empresarial, não apenas na conexão dos tradicionais parques empresariais e zonas industriais, mas, também, no mapeamento inteligente das fileiras e cadeias de valor que compõem a cidade-região empresarial e, ainda, nas infraestruturas de acolhimento e aconselhamento que informam a nova economia digital;

9) Em nono lugar, a arquitetura da proteção civil e comunidades de risco, desde logo, nas ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, mas, mais especialmente, na pedagogia ecológica e energética relativa às políticas de descarbonização, economia circular e biodiversidade; teremos, assim, à nossa disposição, vários programas com esta finalidade especifica, tanto no PRR como no próximo PT 2030 que precisam de ser praticadas, também, no quotidiano dos cidadãos comuns;

10) Em décimo lugar, a arquitetura da participação pública, em resposta às grandes transições do século XXI, irá obrigar à reorganização do espaço da academia, dos meios de comunicação social, do espaço associativo e à reforma geral da administração pública; esta é uma tarefa tão exigente como necessária e muito do sucesso das grandes transições dependerá desta reorganização fundamental.

 

Notas Finais

Duas notas finais para realçar a reticulação destas várias arquiteturas e, portanto, a delimitação de novos espaços públicos de conexão, cooperação e multiterritorialidade.

A primeira diz respeito à região-cidade, a rede policêntrica de cidades e vilas, aquilo que eu já designei como a Cidade CIM, a cidade da nossa imaginação no que diz respeito ao desenho de bens comuns colaborativos e à gestão de recursos partilhados entre vilas e cidades. As Comunidades Intermunicipais (CIM) têm aqui um papel de destaque.

A segunda nota diz respeito à conexão dos espaços interiores da futura região-cidade.

Refiro-me à formação e articulação de sistemas territoriais localizados, por exemplo, os sistemas agroalimentares locais (SAL), os sistemas agroflorestais (SAF), os sistemas agroturísticos (SAT) e os sistemas agropaisagísticos (SAP).

Esta geoeconomia dos sistemas territoriais localizados funciona atualmente em ordem dispersa e sem economias de rede e aglomeração, está, pois, na hora de uma nova cartografia e mapeamento territorial que é, na atual conjuntura, especialmente adaptado à administração da Cidade CIM, tanto mais quanto delimita e estimula uma nova rede de espaços públicos intermunicipais da maior relevância.

 

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