Agricultores do Algarve «querem é água» e distribuição justa das restrições

Representantes das principais associações algarvias do setor tomaram posição sobre os anunciados cortes de água para a agricultura

Barragem de Odeleite – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«O que nós queremos é água», afirmaram hoje, terça-feira, dia 16 de Janeiro, os representantes de uma centena de agricultores e de dirigentes associativos que se reuniram para debater os anunciados cortes da água para a rega, no Algarve.

Os agricultores algarvios querem a sua atividade tratada em pé de igualdade com o turismo e o abastecimento urbano, no que à distribuição de água diz respeito, e garantem de que não estão à espera que lhes dêem dinheiro.

José Oliveira, da associação de produtores AlgarOrange, e Macário Correia, da Associação de Regantes do Sotavento, foram os porta-vozes dos agricultores, numa conferência de imprensa que teve lugar na sede do NERA, em Loulé, onde um dia antes tinha havido uma reunião do setor.

Hoje, na sala, também estavam representantes da Frusoal, da Madrefruta e da Comissão Vitivinícola do Algarve.

«Nós não pretendemos que nos dêem dinheiro. (…) Nós queremos é água. Nós queremos é que se utilize dinheiro para trazer água, para criar novas fontes de água para o Algarve», assegurou José Oliveira.

Mais do que exigir, os representantes dos agricultores algarvios trouxeram com eles várias propostas de «soluções urgentes, emergentes e alternativas».

Uma delas é o recurso aos furos municipais.

«Há 20 anos, todas as câmaras municipais tinham furos e abasteciam-se desses furos. Alguns têm os aquíferos baixos, sabemos disso, mas outros não. Há aquíferos que estão hoje mais altos do que estavam há anos. É preciso que a Águas do Algarve, nos termos do contrato de concessão, possa explorar esses furos municipais, libertando a água das barragens para o regadio agrícola», começou por pedir Macário Correia.

«Depois, é preciso que abra rapidamente um aviso para os furos particulares, nos aquíferos onde é possível retirar água. Queremos que haja um aviso de apoio para captar água e não um apoio para perder culturas», acrescentou.

Os agricultores pretendem ainda que «sejam revistos os caudais ecológicos de algumas barragens. Há sítios onde estamos a lançar a canaviais 1 hectómetro cúbico (hm3), que dava para regar 400 hectares de pomares».

«Por outro lado, é importante também acabar com as regas de áreas não agrícolas. A água é pouca, a agricultura produz alimentos. (…) Há regadio de ornamentais, de rotundas, de calçadas e alcatrão, que não são necessários. Corte-se com isso!», exigiu Macário Correia.

A opção por dessalinizadoras móveis e a reutilização de águas residuais tratadas para rega de relvados e de campos de golfe – há vários investimentos em curso com este fim – são outras «medidas concretas» que os agricultores algarvios propõem.

 

Macário Correia e José Oliveira – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Há ainda uma outra medida exigida pelos agricultores, ligada a uma questão que tanto José Oliveira, como Macário Correia, fizeram questão de denunciar.

«As medidas que foram pré-anunciadas não são comportáveis nem comparáveis às que foram impostas aos outros setores. Comparativamente, por exemplo, às medidas que estão a ser tomadas na Catalunha, as medidas anunciadas aqui no Algarve para os outros setores, nomeadamente para a parte do turismo, são leves. As medidas que estão a ser tomadas para o setor da agricultura, são de calamidade», considerou o dirigente da AlgarOrange.

«Não compreendemos como é que, para uns, a situação está quase normal e, para outros, está perto da calamidade», reforçou José Oliveira.

Na realidade, avisou o mesmo responsável, «estamos a caminhar para uma situação de calamidade e é assim que achamos que deve ser encarado todo o problema do abastecimento de água para a região do Algarve».

O que os agricultores não aceitam é que o setor no Algarve «seja apontado como o grande responsável e o grande consumidor da água da região» e, mais que isso, «visto como o setor que mais perdas tem da água ou que mais desperdiça a água na região».

«Achamos que gastamos a água de forma correta. O secretário de Estado da Agricultura, não há muito tempo, reconheceu que, nos últimos 10 anos, a agricultura do Algarve teve uma redução de 50% do consumo de água», lembrou José Oliveira.

«Hoje, os grandes pomares, as grandes áreas de regadio, usam todos tecnologias do melhor que há. Continuamos a investir de cada vez que temos acesso a novos produtos. Naturalmente, não podemos dizer que 100% do regadio do Algarve está nestas condições. Mas, a grande maioria, sim», afiançou.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

No entanto, acusam, não é assim em toda a linha.

«Há um documento oficial que foi divulgado há algum tempo, que é um documento do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, cruzado com as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência. (…) Este documento mostra que as perdas do ciclo urbano são 30 milhões de metros cúbicos, 30 hectómetros cúbicos. As perdas do setor agrícola são cinco», enquadrou Macário Correia.

«Perder 30 hm3 é perder água para o regadio de 10 mil hectares. 2023 foi um ano seco. 2024 perspetiva-se também um ano difícil. Em dois anos, perdem-se, no ciclo urbano, 60 hm3. Se esse volume de água estivesse nas albufeiras, não estávamos aqui reunidos, esta reunião não era necessária», defendeu o presidente da Associação de Regantes do Sotavento.

«Isto é um crime. E nós não aceitamos que quem desperdiça água desta maneira seja compensado com uma redução simbólica de 15%. Não é justo! Não se pode imputar uma redução de 70% a quem poupa e imputar uma redução mínima de 15% a quem desperdiça», rematou.

Para recuperar estes 30 hectómetros cúbicos perdidos no ciclo urbano de distribuição, devem ser tomadas «com urgência» medidas, nomeadamente a realização «de tratamentos por condutas interiores. Há soluções de engenharia que tornam expedito resolver alguns destes problemas. Não todos, mas alguns podem-se resolver de modo rápido».

O resto terá de ser feito com o investimento na renovação das redes de abastecimento em baixa, geridas pelos municípios, algo que os representantes dos agricultores consideram ser «incompreensível» que não seja uma prioridade das Câmaras mais perdulárias, numa região como o Algarve.

No curto prazo, e um dia antes da reunião da Comissão Interministerial de Seca, que terá lugar amanhã no Algarve, os agricultores querem ver os sacrifícios bem distribuídos.

«Nós apenas queremos estar em pé de igualdade com os outros setores da região. Não queremos mais nada do que isso. Queremos ser tratados de forma igual», resumiu José Oliveira.

 

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