O futuro da ourivesaria, pelos olhos de duas ourives de Faro

As artistas trabalham na Gama Rama, uma galeria de arte situada na Baixa de Faro

“É difícil, é uma luta. Nunca sabemos se amanhã vamos ter clientes, se vamos conseguir sobreviver da arte”, conta Ana Gregório, ourives residente da galeria Gama Rama, em Faro.

A ourivesaria, profissão tradicional desde sempre dominada sobretudo por homens, tem vindo a cair no esquecimento. Duas mulheres ourives, com diferentes experiências profissionais, contam como os seus percursos as trouxeram até esta arte.

As artistas trabalham na Gama Rama, uma galeria de arte situada na Baixa de Faro. Este espaço alberga diversos estúdios de diferentes áreas, tal como o atelier de ourivesaria.

Ana Gregório, 41 anos, nascida em Sintra, sempre teve o gosto de criar bijuteria, mas o seu percurso para entrar neste ramo de atividade nem sempre foi fácil. Ana viu-se obrigada a “esquecer” por uns tempos a ideia de se tornar ourives.

 

 

“Na altura, os cursos que encontrei eram todos muito caros e desisti da ourivesaria”, conta Ana. Anos passaram e, graças a um amigo, que lhe pediu umas peças para entregar aos seus clientes utilizando materiais e peças descartáveis de computadores, Ana voltou a procurar cursos na sua área, de modo a conseguir responder ao pedido do amigo. Foi então que encontrou o Centro de Joalharia, em Lisboa.

Joana Neves, de 25 anos e natural da Fuseta, conta que a ourivesaria surgiu na sua vida naturalmente. Na sua família, é tradição as mulheres passarem joias entre elas, mas Joana nunca teve propriamente o sonho de ser ourives.

 

 

Estava a tirar o curso de Direito quando, no fim do 2º ano, decidiu desistir. À procura de algo que gostasse para seguir em termos de profissão, a ideia da área da ourivesaria veio ao de cima. Acabou assim por tirar o mesmo curso que Ana, no Centro de Joalharia, em Lisboa, e outro no CINDOR – Centro de Formação Profissional da Indústria de Ourivesaria e Relojoaria, no Porto.

Ana já se encontra na Gama Rama desde que a galeria se estava a preparar para abrir. Após terminar o curso, mudou-se para o Algarve, pois o seu marido estava a residir em terras algarvias. Na altura, trabalhava em casa e começou então a procura de um atelier para montar o seu estúdio. Foi há cerca de mês e meio que convidou Joana para dividir o espaço na galeria.

A Gama Rama tornou possível a criação de inúmeras oportunidades para estas ourives. Ana afirma que a sua presença na galeria impulsionou a sua arte, visto que,  iniciativas organizadas pela Gama Rama, como os Open Studios, e a presença em feiras e exposições, tem-lhe possibilitado o crescimento do seu público e um consequente crescimento exponencial do seu trabalho.

 

 

Joana, apesar de ter menos tempo de casa, realça a importância de ter um estúdio onde trabalhar, o acesso a máquinas e ferramentas e a facilidade de ter alguém a seu lado com mais experiência na área, com quem possa trocar ideias e dúvidas. A entreajuda entre as duas ourives é de destacar e possível de se ver quando se visita o estúdio.

Se existia alguma teoria segundo a qual os artistas têm falta de um método de trabalho, estas duas confirmaram-na. A ourives Joana relata entre gargalhadas: “não me organizo. Não há propriamente um método de trabalho. Há coisas para fazer, priorizas consoante datas de entregas, se te interessa mais um projeto do que outro acabas por dar mais importância”.

Ana divide o seu tempo entre as peças que cria para encomendas de clientes, exposições em feiras e lojas. As que são produzidas com base no seu gosto pessoal, como anéis, são as suas peças de bijuteria favoritas de criar. No que toca aos materiais usados na confeção das diversas peças, os mais utilizados são o couro, a prata e o latão.

 

 

Uma tática que tem vindo a possibilitar a atração de público têm sido os workshops organizados pela galeria Gama Rama. De início, eram apenas em grupo, mas Ana foi-se apercebendo que estava a perder pessoas. Assim, começou a organizar workshops individualizados para que mais pessoas pudessem continuar a pôr em prática o seu interesse pela ourivesaria.

A ourives costuma também dar workshops fora da galeria, sobretudo na época alta de Verão, em Vale do Lobo.

Apesar de saberem que a profissão que praticam não está no topo das mais exercidas, as ourives planeiam continuar a fazer o que mais gostam, criar bijuteria.

Joana ambiciona um dia criar uma marca sua, através da qual possa criar, vender e expôr as suas próprias peças. Ana pretende continuar como artista residente na galeria ou, se surgir a possibilidade, num espaço próprio.

 

 

A continuação desta profissão tradicional está ameaçada e as duas ourives confessam algum desânimo no que toca ao futuro da arte.

“Está esquecida no país e tem muita burocracia associada”, lamenta Joana, ourives mais recente. Quando questionada sobre a possibilidade de sair de Portugal, Joana afirma que não vê essa necessidade, “mas vai ser bem mais difícil em Portugal do que em qualquer outra parte do Mundo”.

Já Ana, na área há mais tempo, afirma-se pouco esperançada em relação ao futuro da ourivesaria. Realça a dificuldade em encontrar e manter clientes e a incerteza sobre a continuidade deste mercado.

Apesar da dificuldade de ter sucesso nesta área, Ana transmite uma mensagem positiva para quem quer se aventurar na área. “Não desistir, ser persistente. Se é mesmo isto que quer fazer, é continuar”, aconselha. O futuro da profissão não se avizinha muito brilhante, mas a esperança é a última a morrer.

 

 

Texto e fotos de Ana Beatriz Bento, realizados no âmbito do curso de Fotografia Profissional 22|24 da ETIC_Algarve, Escola de Tecnologias, Inovação e Criação do Algarve.

 

 

 

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