Comunidades inteligentes no mundo rural: o método ABCD dos territórios-rede

A aplicação do princípio ativo das redes dá azo à formação de comunidades inteligentes

Existem muitos exemplos de comunidade inteligente que podem ser apontados: um parque agroecológico municipal, uma área de paisagem protegida (um parque natural), um condomínio de aldeias (as aldeias vinhateiras), uma associação de agricultores (uma área de regadio), uma zona de intervenção florestal (as ZIF), um grupo de ação local (uma área de montanha ou uma amenidade paisagística), uma associação de desenvolvimento local (ADL) para gerir um banco de solos, um centro de investigação para ordenar e gerir um sistema agroalimentar local (SAL) ou agroflorestal (SAF), uma associação para gerir terrenos baldios semiabandonados, um núcleo de agricultura periurbana sob a forma de condomínio, um núcleo empresarial para gerir um parque ou zona área industrial, entre muitos outros exemplos.

A aplicação do princípio ativo das redes dá azo, portanto, à formação de comunidades inteligentes que são, antes de mais, a inteligência emocional de uma geografia de proximidade. Em todos os casos, são comunidades e plataformas inteligentes, baseadas em conhecimento, cooperação, cultura e criatividade, para criar e administrar bens de mercado, bens públicos e bens comuns.

O território-rede (T-R) de uma comunidade inteligente é administrado por um agente-principal, o ator-rede, que é uma estrutura de missão e ligação tendo em vista a realização do bem comum e colaborativo, assim como a administração e monitorização dos custos de contexto, os seus efeitos externos, os incidentes de percurso, mas, também, a redução dos ângulos mortos e as interações fortuitas do seu programa. Doravante, o ator-rede está incumbido de procurar formas cooperativas de governo e novas dinâmicas de colaboração interpares que darão origem a muitas combinações de soma positiva.

Na formação de comunidades inteligentes há instrumentos de ordenamento que são fundamentais para estimular o valor cognitivo da inteligência coletiva territorial (ICT), por exemplo: os planos de ordenamento das áreas de paisagem protegida, a requalificação dos espaços circundantes dos equipamentos e infraestruturas, as marcas de referência dos produtos, a certificação de serviços e destinos, a acreditação de estruturas coletivas para a promoção dos territórios, a criação de parcerias sólidas com os centros de investigação, etc.

Se este exercício de mapeamento do território for bem-sucedido, os parceiros e o ator-rede estarão em condições de transformar recursos endógenos em ativos do desenvolvimento territorial, em linha com uma nova gramática dos bens comuns que acautele os direitos das gerações vindouras e dos sujeitos ausentes.

Aqui chegados, já sabemos as tarefas ou missões que nos esperam, a saber, a constituição de uma comunidade de destino e de um território-rede, a formação do ator-rede, a implementação de uma gramática dos bens e serviços comuns e da respetiva plataforma digital colaborativa. O sistema operativo e a metodologia de aplicação podem ser designados simplesmente como método ABCD.

 

 

Para gerir bem esta agenda política do território, o ator-rede terá de desempenhar exemplarmente o papel de agente-principal da sua comunidade inteligente, isto é, uma liderança efetiva na mobilização dos pares, a boa utilização da informação e conhecimento para consolidar uma geografia desejada e uma comunidade de destino, uma noção muito criteriosa no que concerne ao bom uso das redes de cooperação horizontais e verticais e respetivas plataformas colaborativas, um sentido crítico muito apurado no que diz respeito à inovação de processos e produtos, mas, também, à essência dos lugares em matéria de marketing territorial e produtos associados, uma abordagem muito aberta em relação ao capital social e, em particular, ao empreendedorismo jovem e intergeracional.

Finalmente, deve ser prestada uma atenção redobrada às novas referências socioculturais da terceira década, o sistema-paisagem e as bio regiões, e sua transferência para os territórios-rede (T-R), as ações integradas de base territorial (AIBT) e as comunidades intermunicipais (CIM), no conjunto, as suas comunidades de destino e os pilares da futura economia de rede e cooperação das comunidades inteligentes.

 

Notas Finais

Hoje, em plena era digital, é preciso lembrar que, após 35 anos de programação plurianual de fundos europeus, houve o tempo suficiente para criar um sistema com várias zonas de conforto, alguns direitos adquiridos e uma inércia conveniente em matéria de gestão de expectativas, uma espécie de ritual com uma burocracia e uma atividade de lobbying em pleno funcionamento e com muitos adeptos.

Além disso, é bom não esquecer que, num espaço integrado como o europeu, onde a gestão das restrições e condicionalidades muda substancialmente a natureza da administração, são os programas europeus, em boa medida, que reinventam ciclicamente os territórios, de cima para baixo, e não os territórios que formatam os programas e as medidas, de baixo para cima.

Finalmente, numa década extraordinária, com imensos meios financeiros, podemos e devemos fazer a pergunta fundamental: vamos comemorar condignamente os cinquenta anos do 25 de abril de 1974 e celebrar em 2024 a grande transformação de toda sociedade portuguesa ou vamos consumir melancolicamente a terceira década do século XXI com taxas de crescimento medíocres e semelhantes àquelas que tivemos nas primeiras duas décadas deste século e lamentarmos, mais uma vez, termos deixado para trás muitos portugueses e, novamente, os territórios de baixa densidade e o rural remoto português?

Todos estes fatores fazem variar o perímetro das nossas comunidades inteligentes. Está em causa uma nova cultura do bem comum colaborativo.

E o que pode impedir esta nova cultura pública do bem comum colaborativo? O poder das corporações, o narcisismo dos líderes, as burocracias políticas, a manipulação da comunicação social, a trivialização do espaço público, a desafeição pela política, a cacofonia discursiva. O que não é coisa pouca.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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