Valorizar o interior, entre o centralismo e o localismo

Desequilíbrios internos que persistem são o espelho fiel das nossas opções políticas e da nossa trajetória coletiva como país e como nação

Volto, mais uma vez, ao tema da valorização do interior. O interior português vive há décadas entalado entre o excesso de localismo e o excesso de centralismo.

A municipalização garante a proximidade aos munícipes e a distribuição dos pequenos poderes político-partidários, mas a sua pequena dimensão não assegura economias de escala e aglomeração com dimensão suficiente para inverter o ciclo de despovoamento e desertificação.

Por outro lado, a administração central está numa posição aparentemente confortável na medida em que lhe permite gerir a administração regional desconcentrada da forma mais conveniente e dialogar com os municípios em posição quase sempre vantajosa.

Sempre que se discute um novo período de programação de fundos europeus, os compadres do país político voltam a reunir-se e uma nova edição do país bipolar, centralista e localista, tem lugar.

Quase quarenta anos depois da nossa entrada na CEE, depois de tanto investimento público e privado financiado por fundos europeus, num país tão pequeno como o nosso, os desequilíbrios internos que persistem são o espelho fiel das nossas opções políticas e da nossa trajetória coletiva como país e como nação.

No preciso momento em que, excecionalmente, fazemos convergir três grandes instrumentos de política pública – o Portugal 2020 (até ao final de 2023), o Portugal 2027 (até 2030) e o Programa de Resiliência e Recuperação (até 2026) – com uma contribuição extraordinariamente relevante dos fundos europeus, temos pela frente uma oportunidade única de estruturar o próximo programa operacional regional (POR) como um compromisso entre grandes transições – a transição ecológica (a valorização do património natural), a transição energética (a descarbonização e a nova matriz energética), a transição demográfica (o rejuvenescimento da população), a transição digital (a digitalização das atividades) – e durante a década realizar a transformação do modelo socio-produtivo e sociocultural das regiões através de um compromisso inovador entre a natureza, a economia e a cultura.

Em Portugal, os desequilíbrios territoriais seguem um padrão bem conhecido. De um lado, áreas metropolitanas, suburbanas e periurbanas, acumulando custos externos crescentes de natureza social e ambiental que os contribuintes socializam por via do imposto, de outro, zonas urbanas e rurais desvitalizadas e desertificadas e incapazes de gerar economias de rede e aglomeração suficientes para inverter este círculo vicioso.

O desfecho também é conhecido. Numa economia que tem uma dívida pública elevada, um crédito bancário com taxas de juro elevadas e uma baixa taxa de poupança interna, o país fica à mercê dos credores e do capital estrangeiro e largas parcelas do território nacional e outros tantos ativos valiosos passam de mãos, praticamente sem darmos por isso. Não queremos falar abertamente sobre o assunto, mas é uma parte substancial da nossa soberania territorial que fica posta em causa.

Dito isto, e para escapar à lógica do país bipolar, creio que o meio termo entre o localismo e o centralismo tem uma sede própria, chama-se programa operacional regional (POR) do nível NUTS II e, por subcontratação e/ou delegação, os programas de desenvolvimento territorial das comunidades intermunicipais (CIM) do nível NUTS III, ou seja, os níveis regional e sub-regional podem, assim, operar com uma liberdade de programação e planeamento conveniente se, para o efeito, for adotado um procedimento favorável e expedito de contratualização com a administração central e a administração local.

Sabemos que a valorização do interior não tem solução a curto prazo, mas é no curto prazo que temos de tomar as medidas adequadas em direção ao futuro. No horizonte da próxima década, com meios financeiros tão substanciais, é imperioso ultrapassar os efeitos difusos e dispersivos que chegam aos territórios por via de candidaturas avulsas com reduzido impacto aglomerativo e promover em sede do Programa Operacional Regional e do Programa Operacional das CIM a contratualização dos apoios públicos por via de subvenções regionais que se ajustem com mais critério e equidade às necessidades e prioridades dos territórios. Em síntese, eis as linhas de força que podem corresponder a esse propósito.

Em primeiro lugar, antes de ser agrícola, industrial ou rural, o enquadramento correto do problema da valorização do interior deve ser colocado no plano territorial, o nível NUTS II (nomenclatura das unidades territoriais estatísticas) correspondente às nossas regiões de coordenação e desenvolvimento ou CCDR e o nível NUTS III correspondentes às comunidades intermunicipais.

Em segundo lugar, para dar consistência política a todo o exercício e criar uma cadeia de comando efetiva em matéria de programação e planeamento, deverá ser criado no Ministério da Coesão uma estrutura de missão para o mesmo efeito.

Em terceiro lugar, é necessário criar um ator-rede regional que tenha centralidade e racionalidade suficientes, de tal modo que o foco da política seja colocado no regime de coordenação das CCDR, em sede de programa operacional regional (POR), intensificando e melhorando a integração dos serviços regionais de desenvolvimento territorial.

Em quarto lugar, deve discutir-se abertamente se o nível NUTS III/CIM (sub-regiões e comunidades intermunicipais) é um nível de pertinência adequado para a gestão integrada dos instrumentos de política do território e quais as condições para uma efetiva descentralização/contratualização das competências respetivas.

Em quinto lugar, a centralidade do regime de coordenação e desenvolvimento das CCDR deve implicar a criação de um conselho executivo regional, um serviço regional de planeamento e administração do território e equipas de missão multisserviços para a gestão das comunidades intermunicipais (CIM).

Em sexto lugar, os programas de desenvolvimento regional e intermunicipal poderão ser objeto de contratos de desenvolvimento territorial e dotados de subvenções globais para o efeito; o programa operacional regional (POR) será a cúpula desse edifício contratual e operacional. O modelo ministerial dos silos setoriais despejando avisos de concurso, medidas avulsas e despesa pública sobre os territórios está esgotado. Os territórios precisam de atores-rede, inteligência coletiva territorial e da criatividade dos cidadãos por meio de plataformas de inovação participativa e colaborativa.

Em sétimo lugar, os territórios locais e regionais correm o sério risco de ser capturados por algoritmos, servidores e templates atuando à distância, em Bruxelas e Lisboa, e praticamente invisíveis; este facto é um aviso e deve ser usado para reforçar a sua representação política, designadamente através de um grande programa de descentralização político-administrativa.

Finalmente, esta é uma grande oportunidade para as áreas de baixa densidade que precisam de inovação territorial e, por esta via, podem beneficiar de uma nova cultura de ordenamento com relevo para as redes de pequenas e médias vilas e cidades do interior em diversos formatos socioinstitucionais inovadores de autogoverno, em particular, em tudo o que diga respeito às plataformas de digitalização do território e suas interligações, por exemplo, as áreas empresariais, agricultura comunitária, zonas de intervenção florestal, programas de combate aos fogos florestais, áreas integradas de gestão paisagística, agrupamentos cooperativos e associativos de vária ordem, etc.

Notas Finais

Nesta estratégia de valorização do interior, há, porém, um risco que não deve ser subestimado, qual seja, o de que esta contratualização com os níveis intermédios faça aumentar excessivamente o elenco das infraestruturas e equipamentos de natureza pública e coletiva, para responder a clientelas e corporações velhas e novas, com prejuízo manifesto para os sistemas de incentivo ao investimento privado, ao rejuvenescimento e inovação empresariais. Lembro que em matéria de coesão territorial, em especial, o modo de lidar com as grandes transições antes referidas, a chamada smartificação do território é uma excelente oportunidade.

A ideia-força, mais uma vez, é o policentrismo da rede de pequenas e médias cidades que põe em conexão não apenas as diversas zonas empresariais, mas, também, as estruturas ecológicas municipais e os corredores verdes e permite um planeamento mais eficaz de novas infraestruturas e utilities comuns.

Desta forma, teremos mais cidade no campo e mais campo na cidade. Ao mesmo tempo, a digitalização do território, utilizando várias tecnologias de informação e localização geográficas, permite-nos acrescentar realidade aumentada e virtual ao território pré-existente e alargar, por essa via, a simbologia dos sinais distintivos territoriais que estão na base de uma geografia sentimental desejada.

No final, há sempre um risco adicional em perspetiva, qual seja, o de que aumentem os ciúmes regionais, sub-regionais e intermunicipais, na exata medida em que as subvenções e os apoios estão, agora, mais próximos dos beneficiários e destinatários.

E, no fim de contas, mais uma vez, a taxa de execução da despesa poderá servir para dissimular o verdadeiro programa de valorização do interior.

 

 

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