Há três linces para visitar nas aldeias de Giões, Pereiro e Furnazinhas

Projeto de reintrodução e conservação da espécie passa também por iniciativas destinadas a cativar a população local para a causa

O lince de Giões, com os artistas que lhe deram forma – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

À entrada de Giões, há agora um lince-ibérico. Mas não é um animal qualquer: este é fruto da imaginação e do trabalho conjunto do artista plástico Tó Quintas e da comunidade da aldeia. Junta-se a outros dois, iguais na génese mas diferentes na concretização, que podem ser vistos nas aldeias de Furnazinhas e Pereiro.

Na terça-feira, 17 de Outubro, estes três linces foram inaugurados, ao mesmo tempo que foi feita a apresentação dos resultados da iniciativa Aldeias de Lince, integrada no projeto LIFE Lynxconnect, que junta entidades de Espanha e de Portugal e que tem coordenado a reintrodução, com sucesso, do lince-ibérico na natureza, sobretudo na zona do vale do Guadiana e arredores.

As três aldeias dos concelhos de Alcoutim (Giões e Pereiro) e Castro Marim (Furnazinhas) situam-se precisamente na zona de expansão, para o Algarve, da área de reintrodução do lince-ibérico.

Envolvendo estas três comunidades, decorreu, desde o início do ano, o projeto que, além de fazer nascer as três intervenções de arte comunitária, também levou à criação de um roteiro das «Aldeias do Lince», que agora pode ser percorrido para conhecer as instalações artísticas, mas também o património, a gastronomia e as vivências de cada uma das localidades.

Em ambos os casos, o projeto Aldeias do Lince foi desenvolvido pela empresa Proactivetur, que, por se dedicar ao ecoturismo, conhece bem o território e está habituada a trabalhar com as pessoas que ainda por lá residem.

João Ministro, diretor da Proactivetur, explicou que a experiência com outros projetos, como o TASA, mostra que «reativar e valorizar o património cultural é importante em termos económicos, mas também de conservação da natureza».

«Acreditamos que há aqui oportunidades que podem ser aproveitadas por estes territórios», frisou.

 

Foto de grupo, junto ao lince das Furnazinhas

 

 

O objetivo tem sido envolver a comunidade, desde as crianças das escolas aos muitos idosos das aldeias, neste projeto que pretende cativar os habitantes para a causa da conservação do lince-ibérico e do seu habitat.

Ou, como explica o guia criado para o itinerário das Aldeias do Lince, «quer para manter a população de linces já instalada, quer para garantir as melhores condições ao processo de reintrodução de novos linces, é fundamental assegurar a aceitação social do lince junto da população, por forma a minimizar conflitos e o risco de mortalidade» desses animais.

Um aspeto que, ainda em Alcoutim, na sessão de apresentação dos resultados do projeto, foi salientado tanto pelo vice-presidente da Câmara local, como pelo presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), entidade que coordena, em Portugal, o programa de recuperação do lince-ibérico e da sua reintrodução na natureza.

O autarca Paulo Paulino sublinhou «a envolvência das pessoas, que deram as suas sugestões para os locais e ideias para as peças». «É importante envolver as pessoas nestes projetos, para que este património natural seja valorizado localmente», acrescentou.

Para o presidente do ICNF, «este projeto é um exemplo de como nós conseguimos transformar as ameaças em oportunidades e criar valor nos territórios. Este roteiro das aldeias, envolvendo Furnazinhas, Pereiro e Giões, representa o retorno, ainda que pequeno, que um projeto de reintrodução de uma espécie selvagem na natureza pode ter para os habitantes desse território».

«Este projeto tem também uma outra vantagem que é mostrar que a dimensão da conservação da natureza tem associadas muitas outras dimensões: a dimensão económica, a cultural, a social e a comunitária», acrescentou Nuno Banza, afirmando-se convicto de que «este trabalho vai servir de exemplo para outros territórios, outros projetos».

 

Tó Quintas a explicar o processo do lince de Giões – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Porque o projeto LIFE Lynxconnect junta entidades de Espanha e de Portugal, o seu diretor, o espanhol Francisco Javier Salcedo, também esteve em Alcoutim, onde considerou que «um dos grandes êxitos da conservação do lince-ibérico tem sido a mudança da perceção da população rural em relação a esta espécie. Isso tem sido a chave».

Mas, para aí chegar, muito trabalho tem sido feito, com os caçadores, com as crianças das escolas, mas também com os adultos que vivem no território do lince.

Em Giões, o que falta em população, sobra em criatividade. A D. Odília Paulino, da associação local Grito de Alegria, juntou-se a mais cinco senhoras para trabalhar com o artista Tó Quintas e criar o seu próprio lince.

O processo, explicou ao Sul Informação, começou «por incentivar as pessoas para virem até aqui, puxarem pela imaginação. Aqui somos quase todos idosos, mas não estamos parados. Isto foi feito por cinco ou seis pessoas e cada uma fez aquilo que entendia… o artista deu-nos as tintas e nós pintámos. Uma queria a perna mais escura, outra queria… foi tudo à imaginação de cada uma, à vontade e ao saber de cada uma».

O resultado foi um lince-ibérico feito em metal, em tamanho bem maior que o do bicho em si, depois pintado com cores à vontade de cada uma das artistas. «Ficou muito bonito, muito bem!», dizia Nuno Banza, presidente do ICNF, durante o périplo de visitas e inaugurações nas três aldeias.

Tó Quintas estava muito contente com esta peça – e com as restantes duas. «As pessoas da comunidade, em cada uma das aldeias, participaram com gosto, com prazer. São pessoas de uma certa idade, mas, na sua maioria, quiseram dar a sua opinião, quanto mais não fosse na escolha do local onde colocar a obra», explicou.

Em Giões, «a pintura foi extremamente concorrida, as senhoras desta associação que faz animação local, onde elas fazem pintura em cerâmica, em tecidos, envolveram-se muito. Andámos à procura e encontrámos vários sítios aqui na terra. Acabou por ficar aqui», acrescentou.

 

O lince das Furnazinhas

 

Antes, a comitiva de visitantes já tinha estado na rotunda à entrada das Furnazinhas, onde outro lince, este feito em tiras de metal oxidado ou de aço inoxidável, foi inaugurado à pressa, porque entretanto caiu um valente esgarrão de chuva.

«Abençoada chuva!», diziam os habitantes da aldeia, que, acompanhados por Filomena Sintra, vice-presidente da Câmara de Castro Marim, aguardaram pacientemente pela comitiva.

As Furnazinhas já foram conhecidas pela sua cestaria, que teve um dos seus expoentes maiores no senhor António Ferreira, falecido recentemente. Tó Quintas explicou ao Sul Informação que «queríamos representar o que aqui se fazia antigamente, na área da cestaria». Mas, como os materiais da cestaria tradicional são «um bocado sensíveis» e não resistem muito tempo se estiverem ao sol e à chuva, «optou-se por simular o entrelaçar das canas», com peças de metal.

«Achei que seria uma estética interessante, deixar o ferro oxidar, depois ter aquelas partes em aço inox, para criar um contraste entre as duas partes e criar-se uma peça que alegrasse as pessoas».

Graça Palma, da Proactivetur e que coordenou o projeto no terreno, não cabia em si de contente perante os resultados que estavam à vista de todos. «O Tó Quintas foi selecionado porque tem as características de que precisávamos» para um projeto como este: é um artista «sem peneiras», com «fácil contacto com as pessoas», disse.

O próprio artista frisou que «este não foi um processo de elite, de um grande artista que vem aqui, deposita a sua a peça e vai-se embora. Tanto que fiquei amigo destas pessoas, o que foi talvez o maior “lucro” que tive neste trabalho».

 

Foto de grupo junto ao lince do Pereiro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

A comitiva de visitantes, que se deslocava num autocarro da Câmara de Alcoutim ou em automóvel, e em todas as aldeias foi recebida pelos autarcas das freguesias (Odeleite, Giões e Alcoutim/Pereiro) chegou finalmente ao Pereiro, onde o lince, feito com metal e xisto, foi colocado numa parede da barragem, junto ao parque de lazer e de autocaravanas. Também aqui as pessoas da aldeia ajudaram a dar forma ao bicho.

Feitas, mais uma vez, as fotografias da praxe, João Carlos Simões, presidente da União de Freguesias de Alcoutim e Pereiro, convidou a comitiva e as pessoas da terra a irem até à sede da Associação Social e Cultural Estrela Pereirense.

 

A Urânia em ação – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Foi aí que apareceu um quarto lince, este a arrancar sorrisos e gargalhadas a todos. Tratava-se de Urânia, a marioneta em peluche desenvolvida pela associação Picada Cultural e construída pela S.A.Marionetas.

Graça Palma contou que a marioneta, manipulada por José Gil, já tinha sido apresentada nas festas da zona, nomeadamente na Festa do Vizinho, a 31 de Maio, nas Furnazinhas, e na festa anual de Giões, a 12 de Agosto. Tudo para familiarizar as pessoas com a figura simpática do lince.

Na terça-feira, na sala da associação do Pereiro, cerca de meia centena de pessoas seguiu com atenção a carta que a linça Urânia lhes leu…e houve até quem, no fim, quisesse fazer festinhas à Urânia ou tirar fotos com ela, entre um rissol e um copinho de vinho, oferecido pela Freguesia.

Numa tarde abençoada pela chuva e pelos sorrisos da comunidade, esta foi uma boa maneira de culminar um projeto que agora desafia todos, residentes na zona ou fora dela, a visitar as instalações artísticas e as aldeias serranas. O lince-ibérico é o mote, mas há muito mais para descobrir.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

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