Com árvores autóctones e rega localizada se refloresta as serranias de Castro Marim

Sul Informação foi ao terreno ver os trabalhos do Projeto de Reflorestação da Área Degradada da Eira-da-Zorra

Valter Matias – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Terra seca e empobrecida, pedra, cascalho e pó. Aridez. Aqui e ali, árvores, a maioria delas ainda com as marcas do fogo que passou por ali, no Verão de 2021. É este o cenário que encontramos nas serranias nas imediações de Alta Mora, no interior do concelho de Castro Marim, por estes dias.

Aqui, os tons de castanho imperam. No entanto, um olhar mais atento permite perceber, monte acima, pitadas de verde. São medronheiros e alfarrobeiras recém plantadas, que teimosamente resistem neste cenário de desolação.

Garantir a sobrevivência destas pequenas árvores, que pouco passam de rebentos, mas também a de outras que ainda serão plantadas, numa área contínua de 52 hectares, é o objetivo do Projeto de Reflorestação da Área Degradada da Eira-da-Zorra – PRADE, da Cooperativa Agrícola GuadiMonte, que já está a avançar no terreno.

O Sul Informação foi ao terreno encontrar-se com Valter Matias, presidente da Guadimonte, para testemunhar o avanço de uma das principais ações previstas: a instalação de «cinco quilómetros de condutas primárias, para distribuir a água pelas diversas parcelas».

Só neste sistema de rega, serão investidos cerca de 150 mil euros, uma fatia considerável do orçamento do projeto PRADE, que ronda os 890 mil euros e resulta de uma parceria com o município de Castro Marim, com a Confagri e com a Universidade do Algarve.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O objetivo do PRADE «é recuperação de solos degradados, contribuir para o enriquecimento dos solos e fortalecer a matéria orgânica».

«Nós candidatámo-nos a isto, aproveitando também a questão do incêndio de 2021, uma vez que esta zona foi toda afetada pelo fogo. Estamos aqui numa área bastante degradada, já por natureza, com fenómenos de erosão. Com o incêndio, ficou tudo muito pior», revelou Valter Matias.

Tendo isso em conta, «uma das questões que se colocou logo de início foi essa da rega. Na fase de candidatura, até pensávamos que podia não ser elegível, porque estamos a falar de um investimento avultado».

No final, a criação desta rede de distribuição de água acabou por ser aprovada, tendo em conta que «a  questão da água é muito pertinente».

«Esta é uma rega de apoio à sobrevivência, principalmente nos primeiros anos. Não se trata de um projeto de regadio», enquadrou, desde logo, o presidente da Guadimonte.

«Não tínhamos aqui água, tivemos de recorrer a um furo. Tínhamos algum receio de que um furo, no pico destas serranias, não desse água suficiente. Felizmente, é muito bom e em duas semanas encheu um reservatório de 500 mil litros que ali temos», revelou.

«Agora, com a distribuição das condutas principais, já vamos começar a regar as plantas que foram plantadas. Até agora, temos feito rega tradicional, recorrendo a um reservatório de água Joper, para salvar as árvores durante o Verão», acrescentou.

Mas, a partir do momento em que o sistema acabe de ser instalado, «ficará tudo interligado e automatizado» e será possível programar a rega.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O PRADE, quando foi lançado, em Março, abrangia uma área de 34 hectares, à qual a Guadimonte agregou, entretanto, outra parcela de quase 20 hectares que já tinha sido intervencionada no âmbito do projeto Montanha Verde, do Zoomarine, e com o apoio do município.

No dia em que o Sul Informação esteve no terreno, os trabalhos decorriam nos terrenos que já têm árvores plantadas.

«Na outra parte, já estão os solos preparados. Houve aí uma zona de pinhal que ardeu toda. A madeira restante foi toda triturada e incorporada nos solos. O objetivo aqui foi reforçar a matéria orgânica nos solos, para os tornar mais fertéis. A plantação dessa parte será agora em Outubro ou Novembro, estamos só à espera das primeiras chuvas e que as terras arrefeçam um bocado, porque, neste momento, estão muito quentes», antecipou o presidente da Guadimonte.

«Com esta área de 52 hectares, vamos agora trabalhar na criação de faixas de proteção e de enrelvamentos. O projeto também pensou na questão da criação de gado e da apicultura. O grande objetivo é tornar os solos mais férteis e florestar a área, com planeamento, de modo a que não venha aí um novo incêndio, dentro de alguns anos, e tudo isto desapareça», resumiu.

«Nós estamos aqui a plantar alfarrobeiras e medronheiros, que são espécies resistentes e que está comprovado que resistem muito à seca, embora também estejamos a fazer alguns adensamentos com sobreiro e azinheira, porque a candidatura assim o prevê. Faz sentido que, nos locais onde há maior concentração de árvores destas espécies, reforçar com essas árvores e não outras», contou ainda Valter Matias.

As árvores que estão a ser plantadas «têm uma dupla função, já que, além da parte ecológica, também temos a parte produtiva. Dentro de sete ou oito anos, já devemos ter alfarroba e o medronheiro igual. Alguns dos sócios da cooperativa já apostam no medronho e a ideia é, no futuro, criar uma destilaria».

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação
Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Para que fosse possível montar um projeto desta envergadura, em terrenos que «não pertencem à cooperativa Guadimonte»,  foi necessário realizar um trabalho preparatório «muito importante», de modo a conseguir «uma coisa que, se calhar, é inédita e pioneira», na região.

«Como bem sabemos, as questões da pertença, aqui no interior, sempre foram complicadas e geravam conflitos. Dessa forma, até tínhamos algumas dúvidas de que iríamos conseguir todos os terrenos, para esta intervenção», começou por dizer.

No entanto, «as pessoas já estão com uma certa idade e os filhos não vivem cá, estão fora, alguns em Lisboa. Dessa forma, depois de falarmos com os proprietários, conseguimos garantir estes 52 hectares contínuos através de contratos de comodato».

«Numa primeira fase, avisámos que não poderíamos pagar nada, porque estamos a investir, mas as pessoas disseram que sim e que fazíamos bem. E conseguimos! Estamos a falar de terrenos contíguos, que ligam uns com os outros. Não estamos a falar de uma parcela aqui e de outra ali. Um dos grandes problemas relacionados com os incêndios é, precisamente, esta questão do minifúndio, em que não há um planeamento geral».

Para além da plantação, «há uma parte de investigação que está a ser desenvolvida pela UAlg, também com a ideia de termos aqui um registo de como as plantas se desenvolvem: se se dão melhor na vertente Norte ou na vertente Sul, com mais ou menos calor, água ou humidade. É um estudo que irá ajudar em projetos futuros».

A Confagri «desenhou o projeto em si, que é um projeto florestal» e a Câmara «também tem uma atividade, que tem por base a recuperação de uma escola primária para instalar um gabinete técnico de apoio a futuros projetos, de modo a que esta informação que nós estamos aqui a recolher e a desenvolver em termos científicos, possa depois ser divulgada e transmitida a outras pessoas que queiram desenvolver projetos semelhantes na área da reflorestação com espécies autóctones».

«Também temos uma estratégia a longo prazo, que é, no futuro, nesta área, podermos avançar com novas zonas de intervenção e, com este sistema, já teremos água para permitir novas plantações», concluiu Valter Matias.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub