CAIA, a Euro-cidade de Campo Maior-Elvas-Badajoz

A nossa mentalidade dominante de minifúndio institucional irá perpetuar esse estigma que, paradoxalmente, serve para formar o tal capital de queixa

Confesso que não gosto muito de fronteiras nem de limites, prefiro a sociedade aberta e a cooperação franca e leal que é o recurso mais precioso que nós temos e que usamos com tanta parcimónia, não se sabe bem porquê.

A solução nunca será o país dual e bipolar, a solução será sempre o conhecimento, a cooperação, a cultura e a criatividade (4C), por intermédio de mais e melhor inteligência colaborativa e institucional que, agora, as plataformas digitais permitem concretizar.

Do mesmo modo, pensar o interior como um bloco de áreas de baixa densidade não me parece o mais acertado.

Mais uma vez, pensar num bloco é pensar num quisto, num sindicato e em fazer render um capital de queixa, criando, porventura, um estigma de subdesenvolvimento que se pode tornar contraproducente.

A solução são as redes de cidades e vilas, as redes de conhecimento com as universidades, as redes de cultura com os artistas, os jovens e as associações culturais, as redes de extensão rural com os agricultores e de extensão empresarial com as empresas e suas associações regionais e sub-regionais.

Ao contrário, a nossa mentalidade dominante de minifúndio institucional irá perpetuar esse estigma que, paradoxalmente, serve para formar o tal capital de queixa, um capital que alimenta a indigência territorial de que padecem muitos dos nossos territórios.

No mesmo sentido, ainda, a reforma administrativa do século XXI não tem nada a ver com a reforma administrativa do século XX. Desde logo, o front office será muito desmaterializado e o back office será concebido para tratar o problem-saving mais do que para o problem-solving.

Dito de outra forma, os serviços presenciais serão em menor número e os serviços à distância e ambulatórios em maior número, tudo feito de forma inteligente, com a ajuda das plataformas digitais e de estruturas colaborativas de cocriação, coprodução e cogestão.

Esta é a razão pela qual, na atual conjuntura, as infraestruturas digitais são fundamentais para a cobertura do território, mas no essencial o que faz falta, como já referi, são as redes de cooperação em todas as áreas.

Dou um exemplo do que falta fazer. À semelhança das escolas industriais e comerciais do século XX, hoje deviam ser criadas as escolas de artes e tecnologias do século XXI, um sinal na boa direção e que podiam ser criadas em cada comunidade intermunicipal (CIM).

Neste contexto, o papel dos meios de comunicação social nacionais e regionais também precisa de ser reavaliado, pois transmitem, por vezes, uma imagem pouco adequada das zonas não metropolitanas e acabam, involuntariamente, por contribuir para perpetuar a narrativa de um interior rural e bucólico, porque julgam poder tirar algum partido do capital de queixa entretanto acumulado.

Creio que deveriam promover, com maior convicção, as redes e plataformas colaborativas de que falei e criar espaço público inovador acerca dos problemas locais e regionais.

Em matéria de redes e cooperação territorial, uma questão interessante diz respeito ao chamado paradoxo da vizinhança. O fator cooperação é um recurso abundante e barato, mas existe o paradoxo da vizinhança ou atrito da vizinhança que limita a cooperação de proximidade.

Um exemplo concreto diz respeito às instituições de ensino superior. Em cada capital de distrito, existe uma instituição de ensino superior e, também aqui, a desmaterialização de uma parte do ensino presencial será inevitável.

Por isso, uma parte da sua atividade deveria ser dedicada à formação e consolidação de redes de assistência e extensão à comunidade. Falo de uma verdadeira revolução, de redes de cooperação interregional, de comunidades inteligentes, de plataformas colaborativas e de contratos de desenvolvimento territorial com as comunidades territoriais e, em cada caso, da formação de atores-rede para operacionalizar estas comunidades territoriais.

Não obstante os investimentos já realizados nos últimos anos, nas áreas de baixa densidade do interior, são muitos modestos os impactos económicos verificados.

Os investimentos melhoraram bastante as condições de vida e aí o destaque vai para o papel das autarquias, que investiram em infraestruturas e equipamentos, mas as condições de trabalho, emprego e rendimento não sofreram alterações substanciais.

Em tese, talvez possamos dizer que a força centrípeta do litoral é superior à força centrífuga da fronteira, ou seja, a fronteira não tem ainda economias de aglomeração que lhe permita assegurar o retorno dos investimentos aí realizados.

Ou seja, o custo de oportunidade de investir na fronteira é muito elevado e, no final, os dois países ibéricos utilizam o programa de cooperação transfronteiriça para justificar os investimentos inter fronteiriços, isto é, não há verdadeiramente política de integração que, no entanto, as euro-regiões e as euro-cidades poderiam protagonizar como novos lugares centrais da fronteira.

Tenho a certeza de que a estratégia mais adequada e consequente tem de ser encontrada no quadro das orientações constantes do pacto ecológico, da transição energética e da agenda digital, em curso neste momento.

A este propósito, dou o exemplo da Euro-cidade Campo Maior-Elvas-Badajoz. Tem todas as condições para ser uma espécie de novo distrito industrial, se quisermos, uma grande plataforma logística e uma área-piloto empresarial no nó de conexão de uma rede transeuropeia de transportes – o corredor sul internacional (os portos de Sines, Setúbal e Lisboa) e sua ligação ferroviária a Badajoz, com a rede ibérica do Sudoeste que faz a ligação a Madrid.

Se os dois países quiserem, esta Euro-cidade pode ser um projeto emblemático para a década que se avizinha

Com efeito, o investimento na rede ferroviária, que nos levará na segunda metade da década até à Alta Velocidade Ibérica, é politicamente possível, tanto mais quanto os dois países ibéricos desejam realizar o campeonato do mundo em 2030.

É um objetivo suficientemente forte para justificar o investimento na rede ferroviária. Tem, porém, um elevado custo de oportunidade, pois é importante saber o que deixa de ser realizado para que tudo isto aconteça.

Além disso, há algumas incertezas geopolíticas na década que podem fazer oscilar o relacionamento ibérico, por exemplo: a questão monárquica/republicana, a questão nuclear (Almaraz), a questão dos transvases (as guerras da água), a questão das autonomias e dos independentismos, a questão de Gibraltar (Reino Unido), a questão dos refugiados.

A geopolítica e os seus cisnes negros podem interferir com a geoeconomia quando menos se espera.

Porém, para lá do hardware da cooperação transfronteiriça, há o software dessa cooperação e aqui há muito trabalho em comum com um custo de oportunidade relativamente baixo, a saber: aprovar o estatuto do trabalhador transfronteiriço, uma via verde para jovens e seniores, uma titulação conjunta entre instituições de ensino superior, a criação de um sistema agroalimentar local (SAL) para a Euro-cidade do Caia, um Erasmus ibérico, uma bolsa de estágios empresariais, uma marca coletiva CAIA, a criação de residências artísticas, culturais e científicas na Euro-cidade tirando partido da marca UNESCO que Elvas já ostenta.

Se os dois países ibéricos querem realmente desenvolver a sua zona transfronteiriça como uma parte relevante do seu mercado interno, têm de candidatar a Península Ibérica, no seu conjunto, a uma macrorregião europeia e, a partir daí, realizar todos os investimentos previstos no programa das redes transeuropeias.

Para além disso, têm de impedir que, a qualquer momento, se verifique a emergência de um cisne negro que interrompa os investimentos em curso e ponha em causa o processo de integração.

A realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2030, mais uma vez, é um bom exemplo de uma medida de salvaguarda de todo este processo. Mas talvez não seja suficiente para salvaguardar todos os riscos.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub