Portugueses (ainda) não fugiram do Algarve, mas todo o cuidado é pouco

O Sul Informação falou com especialistas, dirigentes associativos e entidades oficiais para tomar o pulso ao estado atual do turismo, no Algarve

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Não há razões para alarme, mas isso não significa que os agentes turísticos do Algarve devam ficar de braços cruzados, sem preparar o futuro. Neste Verão de 2023, nomeadamente em Julho, houve uma diminuição da percentagem de turistas portugueses na região, uma situação que é vista pelo setor como uma normalização e um reflexo natural da perda de poder de compra do mercado nacional, que também está a afetar outros mercados.

Apesar da mensagem recorrente de que não se justifica qualquer alarmismo, tendo em conta que este está a ser, no geral, um excelente ano turístico, também há quem lembre que é preciso, quando a azáfama do Verão passar, olhar não só para os resultados, mas, principalmente, para o futuro.

«Acho que este ano se vai revelar positivo, mas temos de ter alguma ponderação. Devemos estar alerta e acompanhar atentamente os mercados internacionais e acarinhar o mercado nacional, pois não nos podemos esquecer que, ainda recentemente, na pandemia, foi com os portugueses que pudemos contar», afirma ao Sul Informação André Oliveira, diretor de vendas da On Travel Solution, uma empresa de incoming sediada no Algarve.

Os dados da hotelaria algarvia, em Julho, revelaram que houve um decréscimo de 4% nos turistas portugueses, ao nível a ocupação por quarto, tendência que se verificou noutros mercados, como o espanhol e alemão.

Em contrapartida, houve um aumento do mercado britânico e irlandês.

Da parte dos hoteleiros, chega a garantia que não houve nem um escalar exagerado dos preços, nem uma debandada dos turistas portugueses do Algarve, apesar de se notar que os turistas nacionais, à semelhança de outros, se estão a retrair nos gastos e nas atividades de férias.

«Nós, aquilo que constatamos é que há menos poder de compra, as pessoas têm mais dificuldades, mas é uma questão que é completamente alheia à hotelaria. Passou-se uma ideia de que o Algarve está muito caro e que os nossos aumentos foram excessivos. No entanto, dando o nosso exemplo, no D. José, os nossos aumentos no mês de Agosto não chegam a 8%», revelou ao Sul Informação João Soares, delegado regional da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).

 

João Soares – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Mas, assegura o também diretor e proprietário do D. José Beach Hotel, em Quarteira, «o aumento dos custos chega perto de 20%. Aliás, as empresas estão a sacrificar margem porque os aumentos dos preços são menores do que os aumentos dos custos».

O que é inegável é que «houve, de facto, uma diminuição do mercado nacional, comparado com 2022», no mês de Julho.

Ainda assim, essa tendência parece não se verificar em Agosto, que «terá, basicamente, a mesma taxa de ocupação de 2022», acredita João Soares.

Hélder Martins, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), lembra, por seu lado, que os dados apurados em Julho junto dos associados revelam que houve uma redução de 4%, mas que tudo indica que o mesmo não está a acontecer em Agosto.

«Fiz um levantamento, recentemente, junto de um número alargado de sócios de diversas tipologias e apenas dois estão abaixo de 2019 e 2022. Os outros estão acima de um ano ou do outro ou mesmo dos dois. Não está a ser um mau Agosto, até o clima tem ajudado», disse.

Independentemente do aumento dos preços, os reflexos na ocupação não são tão grandes quanto isso – «a verdade é que há unidades que estão a praticar preços elevados e têm uma taxa de ocupação muito elevada», diz Hélder Martins.

«O que tentamos é que o aumento dos preços seja acompanhado com um serviço de elevada qualidade», acrescenta.

 

Hélder Martins – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Quando chegámos ao início de Julho, havia, de facto, uma grande preocupação porque a procura no mercado nacional era menor. (…) Sendo o cliente tradicional do Algarve mais o português, preocupou-nos essa falta de procura», confessa, por seu lado, João Soares.

«O cliente português é muito estimado e muito acarinhado no Algarve e é o cliente que nós [Dom José Beach Hotel], tradicionalmente, temos. Apesar de ter diminuído, continua a ser o primeiro mercado, é importante que se diga isto. O primeiro mercado continua a ser o nacional, apesar de ter tido uma quebra este ano. Isso é transversal a todo o Algarve», salienta.

Mas, «rapidamente, os quartos foram ocupados pelo mercado internacional. (…) E é importante também relembrar que o preço de venda é feito em função da procura e da oferta. O que é que acontece? Se há muita procura, é natural que os hoteleiros vão aumentando, à semelhança do que acontece com todos os outros serviços: os transfers, os ubers, etc.».

Ou seja, «se há uma pressão muito grande, a hotelaria não faz uma distinção, não diz: “vamos ter x quartos só para os portugueses”».

«E foi isso que se notou no Algarve. Apesar de, em Julho, a pressão ter sido menor, agora, em Agosto, já voltou aos níveis normais. Isto explica um bocadinho o aumento dos preços. Agora, tem havido uma tentativa permanente de dizer que o Algarve está caro, que não se consegue fazer cá férias, que o Algarve nunca foi tão caro. Isso não é verdade, porque há muitos produtos que continuam a ter preços bastante competitivos», assegura João Soares.

Também André Gomes, presidente do Turismo do Algarve, enfatiza que, no Algarve, «há oferta para todas as carteiras».

Tendo isso em conta, a diminuição de turistas portugueses, em Julho, «também tem a ver com o facto de, em 2022, ainda não haver a confiança total para estar a viajar para longe, para outros países. Então, naturalmente, houve ainda mais portugueses que optaram por rumar até ao Algarve, no ano passado».

Em 2023, com a abertura total pós-pandemia, «é natural que os portugueses voltem a apostar noutros destinos», diz André Gomes.

 

André Gomes – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

A mesma ideia é veiculada por Daniel Alexandre do Adro, vice-presidente da Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve (AIHSA), que lembra mesmo que o fenómeno de consumo de produtos turísticos que se verificou em 2022 até recebeu uma designação, em inglês: Revenge Spending. As pessoas gastaram mais e fizeram questão de se reencontrar, após a pandemia, para se “vingar” do que não puderam fazer durante dois anos.

«Teremos sempre de comparar 2023 com os anos de 2018 e 2019, pois o Verão de 2022 foi extraordinário», disse.

No caso da restauração, lembra este responsável, esta diferença é ainda maior, uma vez que «não estamos só a falar de turistas, também temos de contar com os residentes, que tiveram o mesmo comportamento».

«Julgo que estaremos perante um processo de normalização, depois de um ano extraordinário. Não podemos viver com a obsessão de estar sempre a crescer em todos os indicadores ao mesmo tempo. O que eu sinto, e é isso que é o mais importante, é que o grau de satisfação e de fidelidade se mantêm muito elevados».

Alexandra Gonçalves, diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, lembra que, «se até 2019 estávamos numa tendência de crescimento do número de turistas, de noites e receita, com a pandemia isto baralhou-se tudo».

«Houve alguns hábitos que se alteraram, porque as pessoas começaram a fazer férias mais próximo de casa, onde não se corriam tantos riscos. Ou seja, houve aqui um aumento dos turistas portugueses, mas também espanhóis, muito resultante desta situação».

«Essa tendência de atração de um mercado mais de proximidade manteve-se em 2021 e 2022, devido à incerteza do que iria acontecer e à insegurança que era sentida», mas alterou-se em 2023, com a retração dos mercados nacional e espanhol, ilustra.

 

André Oliveira

 

Isso não significa que não haja melhorias, longe disso. «Os proveitos globais estão 30% acima de 2019 e 22% acima dos de 2022. Tivemos mais gente na região, uma ocupação por quarto mais elevada no 1º semestre, o número de dias de estadia média também aumentou e o aeroporto está com mais turistas», salienta o André Gomes, lembrando que «todos os fatores, no final dos primeiros seis meses do ano, são extremamente positivos».

«Isto é bom, é um sinal de que estamos a qualificar a oferta e que esta está a crescer em valor. Agora, é preciso que o produto esteja em linha com o preço que é cobrado», defende o presidente do Turismo do Algarve.

Isto também significa, no fundo, tal como diz André Oliveira, da On Travel Solution, que algo terá de ser feito, uma vez que os fatores de diminuição do poder de compra dos portugueses e de muitos turistas estrangeiros estão aí para ficar, ao que tudo indica. «Será necessário ajustar os preços? Provavelmente», acredita.

E, mesmo que não haja outra hipótese senão aumentar, há que fazer um esforço adicional, tanto ao nível do setor privado, como do público, para justificar esse encarecer da região.

«Tem de haver um investimento, a nível regional, em infraestruturas, mas também na própria hotelaria. A qualidade do serviço e das instalações hoteleiras tem de ser sempre adequado ao preço que é cobrado, sob pena de não conseguirmos atrair e fidelizar os clientes», remata André Oliveira.

 

Alexandra Gonçalves – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Melhorar o serviço passa, obrigatoriamente, por uma aposta e pela valorização dos recursos humanos, defende Alexandra Gonçalves.

«Estamos a apostar na qualificação dos recursos humanos, porque há uma escassez de mão de obra qualificada e, até, não qualificada, mas o setor não está a reconhecer a qualificação dos recursos humanos que estão a sair das universidades, dos politécnicos, das escolas de hotelaria», diz a professora universitária e investigadora.

«Há falta de pessoal, mas também não se valoriza quem é mais qualificado, remunerando-o devidamente», reforça.

«Acho que temos aqui uma grande oportunidade de se repensar o que se está a fazer».

Essa reflexão, entende-se dos discursos dos diversos responsáveis contactados pelo Sul Informação, será feita no final do ano, que é quando se poderão tirar ilações sobre como decorreu o ano e se 2023 foi melhor ou pior que 2022 e 2019.

Este exercício será muito importante para setores como o da restauração – onde «ainda não é possível fazer uma análise fiável», segundo Daniel Alexandre do Adro, mas que parece ter sofrido com a atual conjuntura -, mas também muitos outros, que «não podem ser esquecidos», na opinião de André Oliveira.

O que parece ser quase certo é que os números deste ano vão apontar para uma diminuição da sazonalidade.

É que, depois de um primeiro semestre com um desempenho acima do comum, «a indicação é que os meses após o Verão também serão bons», diz Hélder Martins.

No ar, fica a dúvida sobre se o Algarve terá um bom desempenho e um ano mais estável em 2024 ou se os alarmes vão voltar a soar, no próximo Verão.

 

 

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