Na Galé de Cima, contam-se os estragos de um fogo nunca visto

“Estamos a falar de muitas perdas do lado da agricultura, mas muitas perdas também do lado do turismo”

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

José Amado já tinha visto outros três incêndios rurais atingirem a Galé de Cima, no concelho algarvio de Aljezur, mas “nenhum como este” que começou no município vizinho de Odemira e o deixou quase sem dormir por alguns dias.

Ao final da manhã de ontem, já com o fogo rural em resolução e enquanto os bombeiros continuavam a trabalhar na zona, ao som dos meios aéreos mobilizados, José, com quase 78 anos, ainda não conseguia fazer as contas finais aos prejuízos.

“O monte da casa ainda não ardeu. Arderam-me sobreiros, eucaliptos e tenho ali um terreno que ainda não fui ver, com dois hectares e [as árvores] já com nove anos. Não sei se ardeu, se não… Mas tem de ter ardido”, diz à Lusa, entre o lamento e a resignação.

Tal como a casa, os pintos e os cães escaparam. Ainda não viu os gatos todos, mas está confiante. Falta-lhe ainda confirmar os estragos noutro terreno com seis hectares.

Depois de a GNR o mandar sair do local – como fez com mais de 1.400 pessoas desde sábado em Odemira, Aljezur e Monchique, por prevenção -, José teve de ir até à vila de Odeceixe, onde também tem “uma casinha”. Regressou na madrugada de quarta-feira para confirmar que o fogo “mordeu quase ao pé da porta” da habitação na Galé de Cima.

Há três ou quatro noites que não tem sossego para descansar: “Uma horinha, uma horinha e depois pronto, não durmo. Tudo a arder… como é que uma pessoa há de dormir?”.

Estava a completar 16 anos quando ali viu o primeiro fogo, também em Agosto. Passou pela experiência mais duas vezes, mas desses incêndios não teve medo, porque “vieram de cima”.

Desta vez – a quarta para José – o impacto foi muito maior, como atesta o cinzento escuro que cobre agora grande parte da área florestal à vista, até à estrada.

“O fogo virou para trás com o vento e lambeu isto tudo”, relata Luís Silva, de 51 anos, depois de perder o carro, fardos de palha, a horta e muitos instrumentos de trabalho.

“Tudo terá de ser reposto. “O dinheiro… está acabado”, acrescenta.

Os bombeiros salvaram-lhe a casa. Não fosse o seu auxílio, diz, e as habitações não teriam escapado, já que houve fogo “de um lado e do outro”. Há uns dias, por acaso – e, sabe-o agora, por sorte -, vendeu os animais que tinha.

O presidente do município de Aljezur, José Gonçalves, indicou ontem de manhã ter conhecimento de uma casa ardida, que será uma casa de férias, na zona da Boavista, em Odeceixe.

Sublinhando não dispor ainda de dados concretos, o autarca disse ser a altura de colocar as equipas no terreno e fazer um levantamento dos estragos, além de ter em atenção possíveis reativações do incêndio.

Já no concelho alentejano de Odemira, havia até ontem de manhã registo de uma unidade turística que ardeu quase na sua totalidade e de uma residência de primeira habitação destruída, ambas localizadas no Vale Juncal, em São Teotónio.

O presidente da Câmara Hélder Guerreiro referiu haver outras perdas que é preciso identificar, inclusive em Vale de Água, onde não houve casas ardidas, mas alguns anexos destruídos.

“Estamos a falar de muitas perdas do lado da agricultura, mas muitas perdas também do lado do turismo”, lamentou.

No concelho algarvio de Monchique, onde o fogo entrou ao final do dia de segunda-feira, ardeu uma área de 426 hectares, principalmente de mato e eucaliptal, mas também algum medronhal e sobreiros.

Durante quase cinco dias de combate às chamas, cerca de cinco dezenas de pessoas, entre operacionais e civis, receberam assistência médica, sem haver situações de gravidade.

A Polícia Judiciária suspeita que o incêndio tenha começado num parque de merendas, estando a investigar se teve origem em comportamentos negligentes ou dolosos.

 

 



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