Uma piscina nova…

Que as nossas consciências se tornem tão claras como a água, porque teremos uma vida melhor

Há dias, passando num sítio que me é familiar, dou de caras com uma piscina prestes a ser instalada. Tive uma reação instintiva: parei o carro e fiquei a olhar. Tirei-lhe as medidas e a estupefação foi-se transformando em incredulidade e incompreensão. O que leva alguém, num ano de seca severa em todo o pais e, em particular no Algarve, a decidir colocar, em casa, uma piscina?

Segundo os últimos números apresentados pelo Governo, 36% do território nacional está em seca severa ou extrema. O Algarve e Alentejo são, está claro, as zonas mais afetadas e foram propostas medidas específicas para mitigar este problema.

Reduzir-se-á em 20% a quota de água para a agricultura nas barragens de Odeleite e Beliche e também em 20% a água utilizada nos campos de golfe, tendo Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação Climática, afirmado que «no caso de campos de golfe e jardins precários», havendo alternativas, «o corte será de 50%».

Será criada uma task force com o objetivo de reduzir em 15% os consumos de água subterrânea no Algarve e há fortes possibilidades de ver a Lei da Água alterada, de modo a permitir ações mais musculadas e concretas para a preservação deste bem essencial à vida na terra.

A própria Associação de Municípios do Algarve também já apresentou medidas, recomendando aos municípios que, pelo menos, reduzam a rega em espaços verdes e eliminem a lavagem de equipamentos, exceto no caso de haver implicações para a saúde pública.

E sabemos que as piscinas municipais, nas áreas do litoral, encerrarão no período estival, como aconteceu em anos anteriores.

Mas o curioso e que muitos de nós não sabemos ou não pensamos, é que o uso dos particulares representa cerca de 30% da água. Dados disponibilizados no Plano Regional de Eficiência Hídrica, dizem-nos que o consumo urbano/água distribuída pelas Câmaras, empresas e serviços municipalizados atinge 28,6% do total da água distribuída no Algarve, enquanto na categoria Outros, que se refere a consumo particular, espaços verdes particulares, atividades recreativas particulares, os gastos são de 2,2%. Ou seja, no global, os consumos privados gastam cerca de 30% da água na região algarvia.

E os particulares são os tais que instalam piscinas em anos em que não sabemos se teremos água suficiente para os usos agrícolas e pecuários (que nos garantem alimentos); ou para o uso básico diário.

Esses que nunca tiveram de aprender a governar-se com dois litros de água por dia, por pessoa, para todos os suas necessidades (comer, beber, lavar-se, lavar a sua roupa), como acontece já em muitos países do mundo, nomeadamente em África; esses que nunca tiveram de andar quilómetros e quilómetros, carregando às costas os bidons para recolher esse líquido tão vital; esses que não querem pensar no futuro dos seus filhos e netos, pois ele está dependente do que aconteça à Terra e à saúde desta. E a Terra sem água, o que será?

Diz o Papa Francisco na sua Encíclica Laudato Si (que vos convido a ler, pois não só é um documento de extrema importância para o presente, como é de uma beleza de escrita notável. Podem ler clicando aqui), que «entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada» e que nos esquecemos «de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos». Somos, claramente, movidos pela incapacidade de resistir à avidez, passando à generosidade e temos mais disponibilidade para o desperdício, do que para a partilha, que é, nas palavras do Sumo Pontífice, «um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa».

Ah, convenhamos, é muito mais cómodo ter uma piscina em casa, para molhar o corpinho nos dias de calor, do que ir à praia, mesmo que ela fique ali, à babuja (à beira), como se diz aqui no Algarve…

Na verdade, estamos ante una questão identitária e de formação, dizia, há algum tempo, numa apresentação que foi dinamizada pela ACEGE, o professor Ricardo Zózimo, especialista em questões de sustentabilidade na Universidade Nova SBE.

A ausência de competências impede-nos de ver a cidadania como uma performance e a nossa episteme (visão do mundo) não assenta numa vontade de melhorar o conhecimento, mas no desejo de dar resposta somente ao nosso egoísmo e comodismo.

E não é só de quem manda pôr, agora, uma piscina nova para estrear este Verão; é de todos os que não são capazes de gestos simples que nos ajudam a cuidar melhor desta terra, herança que recebemos e temos de legar: usar menos plásticos; gerir os gastos de energia e água; e tantas coisas, que não são difíceis de implementar no nosso quotidiano, mas que nos fariam ser maiores contribuidores para a melhoria da condição do planeta.

Ou seja, Reduzir, Reciclar, Reutilizar, trilogia que deveria estar nas preocupações de todos.

Que sejam poucas as piscinas novas, este ano, e que as nossas consciências se tornem tão claras como a água, porque teremos uma vida melhor.

 

 

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