Quando diversão noturna e moradores coabitam há «uma equação difícil para resolver»

O Bairro Ribeirinho, na Baixa de Faro, é, aos olhos da PSP, «um desafio» que está «no topo das preocupações» para que ali se possa viver em harmonia

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Há casas onde vivem idosos, outras onde se vê crescer famílias, umas que foram restauradas para receber turistas e outras que servem de abrigo à diversão noturna. No bairro ribeirinho, na Baixa de Faro, coabitam moradores, bares e discotecas que, na sua maioria, abrem portas quando quem trabalha de dia se prepara para as fechar.

Se, há umas décadas, este bairro estava quase deixado ao abandono, nos últimos anos, foram muitos os que decidiram investir nesta zona da capital algarvia, sem saber que as paredes que acabavam de restaurar poderiam estar prestes a servir de mural para atos de vandalismo.

João (nome fictício de um morador que pediu anonimato) fala de «uma vida mais degradante que o bairro tem, que não está em conformidade com o dia a dia saudável de quem quer constituir família».

São situações que se intensificam à noite, quando «muitas das restrições são ultrapassadas» pelos estabelecimentos de diversão noturna, «quer em termos de horário de funcionamento, quer em termos do nível de decibéis a que música deve estar», ou quando a falta de segurança aumenta.

João acredita que «o simples facto de a PSP andar por ali e autuar quando é preciso já seria um grande passo para que as pessoas percebam o que não podem fazer» e «pensem duas vezes antes de agir de forma ilegal».

Com o objetivo de reivindicar mudanças que consideram necessárias, para que exista qualidade de vida neste bairro farense, foi criada em Julho deste ano a Associação Bairro Ribeirinho, da qual fazem já parte dezenas de moradores desta zona que é composta por cerca de 25 ruas e 430 residentes.

Às queixas relacionadas com o barulho inerente à diversão noturna, juntam-se as de falta de segurança e higiene, vandalismo e criminalidade que, como defendem muitos dos moradores, só podem ser colmatadas com o trabalho conjunto de várias entidades: Câmara Municipal, Polícia de Segurança Pública, Fagar, responsáveis pelos espaços de atividade económica, entre outras.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Eu não quero fechar a porta a ninguém, só peço que consigamos trabalhar em harmonia uns com os outros e em conformidade com a lei. As pessoas não precisam de ter medo da associação porque é uma mais valia, para todos trabalharmos em conjunto», realça o morador com quem o Sul Informação falou.

João queixa-se também da falta de patrulhamento da PSP. «Se há uns tempos se via equipas a fazer policiamento no bairro, hoje em dia não se vê, nem de dia, nem de noite. É muito esporádico e acho que só a presença deles faz a diferença».

O nosso jornal foi à procura de respostas por parte da Polícia de Segurança Pública, que frisa que esta zona da Baixa de Faro representa «um desafio» que está «no topo das preocupações».

«É uma zona que concentra, no mesmo local, uma atividade noturna bastante intensa com população residente e nós estamos alerta para os problemas que daí advêm: consumo de álcool, drogas e barulho», começou por referir o superintendente Dário Prates, comandante distrital da Polícia de Segurança Pública, numa entrevista ao Sul Informação.

Quanto ao patrulhamento, e às queixas de falta dele, Dário Prates garante que esse trabalho é feito por parte dos agentes.

«Nós temos, neste momento, implementada uma diretiva sobre o policiamento de visibilidade, que pretende colocar polícias, visíveis, nas horas e locais onde existe um maior número de pessoas, à noite, e em especial durante os fins de semana. O que às vezes pode não parecer é que a polícia não vai à zona x e y, mas o patrulhamento é feito», realçou.

A solução passa, segundo o comandante, por fazer a fiscalização com os meios tecnológicos apropriados, a Câmara poder aplicar o seu papel enquanto entidade administrativa, os proprietários dos bares terem atenção à necessidade de promover os sistemas antirruído a que a lei obriga e a população também fazer o seu papel.

«A responsabilidade é de todos», frisa, realçando que os moradores têm feito a sua parte ao reportar as queixas.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Quando o Sul Informação falou com o comandante da PSP, a polícia estava a verificar todas as ocorrências mencionadas pelos moradores, a comparar com os registos e ver que consequência tiveram, para depois se reunir com um grupo de habitantes daquele local.

Também no passado dia 8 de Novembro, a Associação Bairro Ribeirinho foi recebida na Câmara Municipal de Faro pelo vereador Adriano Guerra e pelos chefes das divisões de Fiscalização e das Contraordenações, Assessoria Jurídica e Contencioso e do Ambiente, Energia e Mobilidade.

Numa reunião de mais de uma hora, foram apresentadas todas as preocupações e problemas dos associados, com o objetivo não só de «reclamar sobre as coisas negativas», como também realçar a vontade de «elevar e defender o património do bairro, no qual se inclui a sua arquitetura, história, cultura e a sua população».

Uma das grandes reivindicações é a colocação de câmaras de videovigilância nesta zona: um projeto que já foi aprovado, mas que ainda não está em prática.

«Lançámos, no ano passado, um concurso para colocar videovigilância naquela e noutras zonas da cidade, em particular na Baixa. Esse concurso ficou deserto, vamos lançar novamente outro em Janeiro e espero que, no próximo ano, possamos ter a videovigilância montada e a funcionar», revelou Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, ao Sul Informação, afirmando que só vê aspetos positivos na implementação desta medida que inclui a colocação de 60 câmaras (um investimento de cerca de meio milhão de euros).

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Também o comandante Dário Prates explica que a existência de câmaras de videovigilância permitirá «acompanhar as situações e a via pública de maior risco, onde há mais crime, e de uma forma permanente». Além disso, «o facto de as pessoas saberem que há ali câmaras tem um efeito preventivo dos comportamentos desviantes», considera o superintendente da PSP, entidade que ficará responsável pelo visionamento e controlo das imagens.

Após um estudo com as forças de segurança, moradores e operadores, estão ainda a ser analisadas as participações numa discussão pública, com base nas quais será proposta à Assembleia Municipal a aprovação de um novo horário para os estabelecimentos comerciais.

«Vamos restringir um pouco o fecho dos estabelecimentos naquela zona – durante a semana é para fechar tudo às 3 da manhã (uma hora antes do que é agora), tendo um horário mais alargado nas vésperas de fins de semana e feriados», revela Rogério Bacalhau.

O autarca considera que estas restrições «não resolvem os problemas», mas há que «arranjar um equilíbrio entre a atividade comercial e económica e a população que há naquela zona».

«É uma equação difícil de resolver. Não podemos acabar com a atividade económica e a diversão noturna, que hoje é uma marca muito forte de Faro, mas também temos de dar qualidade de vida aos moradores», continua.

O Sul Informação tentou entrar em contacto com o proprietário de vários espaços de diversão noturna daquele zona, para perceber qual a posição dos empresários face às queixas e possíveis mudanças propostas pela Câmara de Faro, mas o empresário preferiu não falar enquanto não houver uma conclusão por parte da autarquia.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Para os moradores, as alterações previstas são positivas. Já alguns dos estabelecimentos «não querem que se concretizem», afirma Rogério Bacalhau.

Ainda assim, de acordo com o presidente da Câmara, há empresários a fazer «um esforço» no sentido de implementar medidas de forma a que o ruído não passe para fora.

«São investimentos de grande monta, mas isso, só por si, não resolve, porque não são só os estabelecimentos que provocam ruído. As pessoas juntam-se nas ruas, bebem e convivem e isso provoca um barulho que não tem a ver diretamente com os estabelecimentos comerciais».

De noite, o ruído, o medo da falta de segurança e do vandalismo. De dia, as marcas  e o cheiro do que naquelas ruas se passou horas antes e a sujidade deixada por quem ali não habita.

Em algumas ruas do bairro ribeirinho, são poucas as paredes que sobrevivem intactas, a perceção de sujidade é maior do que a de limpeza e há zonas a precisar de requalificação, nomeadamente passeios e calçadas.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Quanto a estes aspetos, o autarca diz que há também um gabinete de arquitetura a projetar a requalificação de toda aquela zona. «Vamos mudar os pavimentos, a iluminação e dar um ar mais confortável a todas aquelas ruas que ali estão. Esse projeto deve ficar pronto no início do próximo ano para depois o podermos implementar». Rogério Bacalhau acredita que, «se as ruas forem requalificadas, mais fácil é também a limpeza».

Navegar na página de Facebook do Bairro Ribeirinho é encontrar também dezenas de queixas relacionadas com a higiene.

Baldes do lixo rodeados de sacos que já não cabem no seu interior, colchões com sangue, vómito e centenas de resíduos espalhados pela rua. Quanto a este aspeto, Rogério Bacalhau diz que a Fagar «tem feito um esforço grande» e que «há equipas diurnas e noturnas que fazem essa limpeza».

«Nós temos esse serviço e fazemo-lo periodicamente. Não lavamos as ruas todos os dias, lavamos duas vezes por semana, mas tem de haver aqui a colaboração de todos».

Contudo, quem passa diariamente por este bairro não é essa a perceção que tem.

Ao Sul Informação, um dos moradores do Bairro Ribeirinho frisa que «neste momento, há pessoas que adquiriram edifícios antigos e históricos, que fizeram um investimento brutal e estão a querer abandonar a zona, porque não sentem proteção do lado da Câmara, nem da PSP».

 

A fachada do condomínio de luxo Comprimisso 25. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Este jogo do empurra não traz nenhuma mais valia nem para o bairro, nem para a cidade» , frisa, realçando que «ninguém está contra os bares». «Só queremos a excelência do bairro e que as regras sejam cumpridas», diz João.

Bruno Lage, presidente da União das Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), com quem o Sul Informação também falou, mostrou-se satisfeito com a criação desta associação que, considera, «irá facilitar o trabalho dos órgãos decisores».

«Estas associações são relativamente novas no nosso país, mas, nos outros países europeus, existem muitas. Estamos a falar de grupos de pessoas que são mais assertivas e que apontam com mais objetividade alguns problemas que estão a ocorrer num determinado bairro. É a questão da cidadania e da participação pública que vem ao de cima e isso é sempre de louvar, porque é fruto de uma sociedade mais desenvolvidas e mais contemporânea», diz.

Em relação aos problemas apontados pelos moradores, Bruno Lage afirma que, muitas vezes, «os estabelecimentos noturnos cumprem as regras, o que nem sempre acontece com quem os frequenta». «Estamos a falar também de uma falta de civismo por parte da população, que não devia ser uma realidade».

Nesse sentido, o presidente da Junta acredita que a implementação do sistema de videovigilância virá ajudar a resolver certos problemas que «são falados há décadas».

Se houve tempos em que a degradação e abandono era a realidade mais presente neste bairro da Baixa de Faro, nos últimos anos assistiu-se a um progressivo renascimento que os moradores pretendem que defina a identidade daquela zona.

«Só queremos a excelência do bairro», realça um dos membros da Associação de Moradores.

«Este é um bairro cheio de potencial e capacidade para atrair também artistas, famílias, pessoas que procuram uma qualidade de vida que acredito que se possa ter aqui, desde que as regras sejam cumpridas e a fiscalização feita», remata.

 

O Sul Informação fotografou algumas das ruas do Bairro Ribeirinho em diferentes horas e dias da semana e mostra o que encontrou.

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação



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