Portugueses precisam de 2,88 planetas para manter o seu estilo de vida

As principais ameaças às espécies estão diretamente ligadas às atividades humanas, sendo a produção alimentar a mais importante

Portugal continua a consumir em excesso, sendo necessários os recursos de 2,88 planetas para fazer face ao consumo dos portugueses, um aumento face ao Relatório Planeta Vivo da WWF International publicado em 2020 (2,52 planetas no último relatório).

A abundância de vida selvagem teve uma queda média de 69% desde 1970, de acordo com o Relatório Planeta Vivo (RPV) 2022 da WWF, que monitorizou mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes. O relatório alerta para o estado grave da natureza e aponta para a urgência de implementar ações transformadoras por parte de governos, empresas e cidadãos, de modo a reverter a destruição da biodiversidade.

Apresentando o maior conjunto de dados trabalhados até aos dias de hoje, com quase 32.000 populações de 5.230 espécies em monitorização, o Índice Planeta Vivo (IPV), fornecido no relatório da Zoological Society of London (ZSL), mostra que é nas regiões tropicais que as populações de vertebrados monitorizados estão a cair a um ritmo alucinante.

A organização não-governamental de ambiente WWF afirma-se, por isso, «extremamente preocupada com essa tendência, uma vez que várias dessas áreas geográficas são das mais biodiversas do mundo». Em particular, os dados do IPV revelam que, entre 1970 e 2018, as populações de animais selvagens monitoradas na região da América Latina e do Caraíbas caíram, em média, 94%.

Em menos de uma vida humana, as populações de água doce monitoradas caíram em média 83%, o maior declínio de qualquer grupo de espécies. A perda de habitat e as barreiras às rotas de migração (nomeadamente barragens e outras barreiras fluviais) são responsáveis ​​por cerca de metade das ameaças às espécies de peixes migratórios monitorizados.

Para Marco Lambertini, diretor geral da WWF Internacional, “enfrentamos duas emergências: as alterações climáticas provocadas pelos seres humanos e a perda de biodiversidade, que ameaçam o bem-estar das gerações atuais e futuras. Estamos deveras preocupados com estes novos dados, que mostram uma queda devastadora nas populações de animais selvagens, em particular nas regiões tropicais que são das paisagens mais biodiversas do mundo”.

Portugal tem uma relevante quota-parte de responsabilidade no declínio global das populações de tubarões e raias. A abundância destas espécies diminuiu 71% ao longo dos últimos 50 anos, sendo Portugal o 2.º país a nível mundial com maiores exportações conhecidas de carne de tubarão e o 6.º maior importador de carne de raia em termos de volume.

Implementar medidas para a proteção dos tubarões e raias em Portugal teria, assim, o poder de impactar toda a rede comercial global no caminho de proteção destas espécies, o que justifica a criação de um Plano de Ação Nacional para a Gestão e Conservação dos Tubarões e Raias.

 

Crédito da foto: Alex Mustard

 

“A vida selvagem continua a decair de forma alarmante, o que traz graves consequências para a nossa própria saúde e subsistência, e Portugal não está isento de responsabilidades. Apelamos ao Governo e empresas do nosso país para que não ignorem os sinais de urgência enviados pelo nosso planeta, pois é dele que toda a humanidade depende”, afirma Ângela Morgado, diretora executiva da ANP|WWF, acrescentando que “as tendências atuais indicam que esta emergência dupla das alterações climáticas e da perda de biodiversidade pode ser invertida – mas precisamos de acelerar as mudanças transformacionais com políticas e ações assertivas. O declínio da biodiversidade sente-se também em Portugal e afeta-nos a todos”.

Em dezembro, os líderes mundiais vão reunir-se na 15.ª «Conferência das Partes (COP15) da Convenção sobre Diversidade Biológica e terão uma oportunidade única de reverter esta realidade, para o bem das pessoas e do planeta.

A WWF defende que os líderes devem-se comprometer com um acordo “ao estilo de Paris”, capaz de reverter a perda de biodiversidade, para garantir um mundo positivo para a natureza até 2030.

“Na COP15, os líderes têm a oportunidade de redefinir a nossa relação com a natureza e garantir um futuro mais saudável e sustentável para todos, assinando um acordo para a biodiversidade que seja global, ambicioso e positivo para a natureza”, disse Marco Lambertini.

“Perante esta crescente crise da natureza, é essencial que este acordo garanta ações imediatas no terreno, inclusive por meio de uma transformação dos setores que impulsionam a perda da natureza e apoio financeiro aos países emergentes”.

A escalada de crises globais como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e o aumento da fome têm aumentado a urgência da transformação dos sistemas alimentares. A forma como produzimos os nossos alimentos está a colocar o nosso planeta em risco.

Por isso, e em paralelo com o RPV, a WWF lança também hoje o “The Great Food Puzzle” onde são identificadas 20 alavancas para a transformação dos sistemas alimentares. Este é um ponto de partida para os governos tomarem medidas a nível nacional sobre a produção, consumo, perda e desperdício de alimentos. É urgente acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis através de políticas a nível nacional que sejam integradas com metas climáticas e de biodiversidade. A promoção da dieta sustentável é absolutamente essencial.

Os dados reforçam que os principais fatores do declínio da população da vida selvagem em todo o mundo são a degradação e perda de habitat, exploração, introdução de espécies invasoras, poluição, mudanças climáticas e doenças. Vários desses fatores desempenharam um papel na queda de 66% das populações de animais selvagens em África durante este período, bem como na queda geral de 55% na Ásia-Pacífico.

No caminho de reversão deste declínio, garantir um futuro positivo para a natureza não será possível sem reconhecer e respeitar os direitos, governança e liderança de conservação dos povos indígenas e comunidades locais em todo o mundo.

Clique aqui para conhecer o relatório na íntegra.

 

WWF – Relatório Planeta Vivo 2022

O Living Planet Report/Relatório Planeta Vivo (RPV) é a publicação mais emblemática da rede WWF. Editada de dois em dois anos, é um estudo abrangente das tendências da biodiversidade global e da saúde do planeta.

O Living Planet Report 2022 é a 14.ª edição deste relatório e, através da análise de dados de 32.000 populações de espécies de vida selvagem entre 1970 e 2018, traz-nos as provas científicas para sustentar o que a própria natureza tem demonstrado repetidamente: a atividade humana insustentável está a fazer com que os sistemas naturais do planeta que suportam a vida na Terra estejam a chegar aos seus limites.

A abundância das populações globais de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis diminuiu em média 69% no período de uma vida humana.

No que toca a tubarões e raias, que são dos grupos com mais espécies em risco de extinção no planeta (37%), e para as que habitam o mar alto, a abundância global diminuiu 71% ao longo dos últimos 50 anos, devido ao aumento do esforço de pesca.

Portugal tem uma relevante quota-parte de responsabilidade no declínio das populações de tubarões e raias: é o 3.º país a nível europeu com maiores capturas de tubarões e raias, o 2.º país a nível mundial com maiores exportações conhecidas de carne de tubarão e o 6.º maior importador de carne de raia em termos de volume. A elaboração e implementação de um Plano de Ação Nacional para a Gestão e Conservação dos Tubarões e Raias colocaria Portugal na liderança dos países europeus que salvaguardam a proteção das suas espécies e do oceano.

Além disso, dado o papel de Portugal como importante ponte comercial, as medidas de proteção que implementar no seu território têm o potencial de impactar toda a rede comercial global de produtos à base de tubarões e raias.

As principais ameaças às espécies estão diretamente ligadas às atividades humanas, sendo a produção alimentar a mais importante. A evidência é inequívoca – vivemos numa dupla crise de perda de biodiversidade e alterações climáticas. Os cientistas são claros: a menos que paremos de tratar essas emergências como duas questões separadas, e que paremos de as ignorar, nenhum problema será abordado de forma eficaz. A ANP|WWF advoga uma meta para a natureza semelhante à meta de 2016 do Acordo de Paris, de zero emissões líquidas até 2050.

É urgente restaurar a natureza, e não apenas travar a sua perda. Precisamos de mais natureza até 2030, para assegurar o direito humano agora reconhecido a um ambiente limpo, saudável e sustentável.

 

 

As alterações climáticas e a perda de biodiversidade não são apenas questões ambientais. São questões económicas, de desenvolvimento, de segurança, sociais, morais e éticas. Os países industrializados são responsáveis pela maior parte da degradação ambiental, mas são as nações economicamente emergentes que são desproporcionalmente impactadas pela perda de biodiversidade. Todos nós temos um papel a desempenhar na construção de uma sociedade positiva para a natureza, que proteja o planeta para a boa saúde de todos.

RPV 2022 / Portugal

Os portugueses precisam atualmente de 2,88 planetas para manter o seu atual estilo de vida, segundo os dados do Relatório Planeta Vivo (RPV) da WWF, edição de 2022, representando um aumento face ao anterior relatório (2020 – 2,52 planetas).

 

No relatório de 2022, apresenta-se a Pegada Ecológica em 2018, num período de crescimento da economia nacional acompanhado por um elevado crescimento do turismo, a qual se cifra em 4,6 gha/pessoa.

Isto representa um aumento face ao RPV de 2020, onde se analisavam os dados relativos a 2016, já a sair da crise económica, e em que a pegada ecológica era de 4,1 gha/pessoa. Apesar deste aumento da Pegada Ecológica per capita em Portugal, o nosso país mantém-se no 46.º lugar a nível mundial neste relatório, enquanto que no RPV de 2018 aparecia na 66.ª posição.

A recuperação económica implicou um aumento significativo do consumo dos portugueses e dos turistas que procuram Portugal como destino, mas não alterou a sua posição relativa a outros países.

O país que ocupa o primeiro lugar nesta escala de Pegada é o Qatar (sendo o que pior desempenho ambiental apresenta). Países como os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá, a França, Itália, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica, Suíça e Alemanha têm Pegadas superiores a Portugal.

As Pegadas Ecológicas Mundial, Europeia e Portuguesa estão apresentadas na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Pegada Ecológica mundial, europeia e portuguesa segundo os RPV 2010, 2012, 2014, 2016, 2018, 2020 e 2022 (valores em hectares globais per capita, gha/pessoa)

 

 

Componentes da Pegada Ecológica Portuguesa

A Figura 3 compara a Pegada Ecológica para Portugal, nos seus diversos componentes, com a Biocapacidade desde 1961 até 2018. Entre 1994 e 2009, a Pegada Ecológica dos portugueses foi sempre muito elevada, comparativamente com a Biocapacidade do país, que se tem mantido mais ou menos constante desde 1961. Após 2009, e como referido, a Pegada caiu como consequência da redução do consumo dos portugueses durante o período da crise financeira mundial e da crise da dívida nacional que culminou no programa de reajustamento da “troika” em Portugal.

O carbono, que representa 56% da Pegada Ecológica dos portugueses, foi o componente que mais diminuiu, influenciando os valores totais nacionais. Por exemplo, em 2004, o Carbono correspondia a 63% do valor total. Esta tendência está naturalmente associada ao consumo, que diminuiu durante a crise económica, mas também à alteração das fontes de produção de energia nacional, pois foi no início do milénio que Portugal começou a grande aposta nas energias renováveis.

Comparando igualmente com 2004, nas pré-crises, observa-se que quase todos os componentes apresentam uma quebra, com a exceção, ainda que pouco significativa, das zonas de construção (um setor que só costuma abrandar em período de crise) e das pastagens.

Após 2014, observa-se uma inflexão da curva, verificando-se um aumento absoluto em todos os componentes da pegada portuguesa, com exceção da área agrícola e das pastagens (numa ligeira inversão face ao que se verificava nos 10 anos anteriores), o que pode estar associado ao abandono rural que se vem verificando no interior do país e mudanças do uso do solo.

O componente onde se observa um maior crescimento relativo é o dos produtos florestais, num aumento de 92% entre 2014 e 2016 associado à retoma na construção e consequentemente no mobiliário, para além de outros investimentos na capacidade nacional de transformação daqueles produtos.

 

Comparação da Pegada Ecológica para Portugal, nos seus diversos componentes, com a Biocapacidade desde 1961 até 2018

 

 

Ação urgente e positiva para a natureza

Hoje enfrentamos a emergência dupla das alterações climáticas e da perda de biodiversidade, ameaçando o bem-estar das gerações atuais e futuras.
As tendências atuais indicam que estas crises podem ser travadas e invertidas – mas precisamos de acelerar as mudanças transformacionais. Estas são as principais mensagens do Relatório Planeta Vivo:

Proteger e financiar 30% do nosso mar, terra e rios. Portugal tem uma área significativa do seu território sob proteção, mas ainda aquém dos 30% a que já se comprometeu.
Para melhorar a proteção da nossa natureza, precisamos não só de metas baseadas em evidências científicas, mas também do financiamento adequado para as implementar, através de processos transparentes, previsíveis, participativos e baseados no melhor conhecimento disponível.
Só assim conseguiremos proteger a nossa biodiversidade para fazer face às alterações climáticas.

Restaurar a saúde dos nossos rios. Os nossos rios estão ameaçados por poluição, excesso de uso de água e pelas barreiras que impedem o seu livre fluxo.
Precisamos reduzir os impactos ambientais das atividades que afetam os nossos rios, restaurar rios e a sua conectividade, e travar a construção de novas barragens desnecessárias.

Consumir proteína de forma responsável. As nossas fontes de proteína têm um impacto ambiental significativo, sendo habitualmente maior o impacto associado à forma como são produzidas – e não ao seu transporte.
Devemos reduzir a quantidade de proteína que comemos e garantir que esta seja de melhor qualidade: sendo, por exemplo, proveniente de carne produzida extensivamente no montado, de pescado capturado de forma responsável, ou de leguminosas não processadas e produzidas de forma responsável.
Privilegie o consumo de proteínas de origem vegetal e, a consumir proteína animal, que seja de qualidade e produzida de forma responsável. Acima de tudo, é fundamental diversificar a dieta: é bom para a saúde humana e para a saúde do planeta.

Escolher produtos de base florestal provenientes de florestas cuja gestão esteja certificada por um esquema credível como o FSC®: em Portugal, estão certificados 546 mil ha.
Recomendamos a procura de produtos de madeira, mobiliário, papel ou cortiça com o logo FSC®.

Proteger tubarões e raias. Estes peixes são fundamentais para a saúde do nosso oceano, da qual todos dependemos. No entanto, são alvo de procura pela sua carne, barbatanas, cartilagem, esqueleto e outras partes, pondo em perigo estes verdadeiros Guardiões dos Oceanos. Apelamos a que se recuse estes peixes na alimentação, evitando comer por exemplo tintureira, cação, pata-roxa e raia.
Em conjunto, dizemos: #TubarãoNoPratoNão e #TireARaiaDestaAlhada.

Travar a mineração em mar profundo. Apesar de ainda não ter sido iniciada em escala comercial, esta atividade de grande escala tem impactos desconhecidos e, potencialmente, de elevada magnitude sobre os fundos marinhos do grande e ainda desconhecido mar profundo. Defendemos uma moratória à mineração em mar profundo, tanto em águas nacionais como em internacionais, e apelamos à assinatura da petição dirigida ao Governo português.

Dar voz aos jovens. As principais preocupações dos jovens incluem a crise climática e a perda de biodiversidade. Através do seu poder de decisão, há cada vez mais jovens a mudar a sua dieta para que seja mais saudável e sustentável.
Mas todos podem ajudar a fazer a mudança, indo além do seu prato.
A Generation Earth Portugal capacita jovens dos 16 aos 25 anos a desenvolverem as competências de liderança ambiental, para que contribuam para um futuro em que as pessoas vivam em harmonia com a natureza.

 

 

 



Comentários

pub