Vidas interrompidas e Organizações mais empáticas e compassivas

Apoio. Nas mais variadas formas. Não custa nada. Pode ser um de nós

Muito se tem falado, e bem, sobre a relevância da promoção da saúde mental e do bem-estar nos locais de trabalho, estando demonstrada a sua importância a nível individual e para a cultura, clima e resultados das organizações.

No entanto, apesar da promoção da saúde no seu todo dever ser uma prioridade, qualquer pessoa pode, a qualquer momento, ficar doente.

O absentismo laboral por doença tem sido alvo de várias análises sobre o seu impacto para as organizações. Neste contexto, o impacto para a pessoa doente merece uma atenção particular.

Se a maior parte das pessoas pode ter necessidade de interromper o trabalho por um período curto de tempo, em alguns casos, devido a doença prolongada (qualquer que seja a doença), esta interrupção acarreta questões sobre as quais importa refletir, especificamente porque a sua compreensão pode contribuir para a implementação de medidas práticas que visem facilitar, no âmbito organizacional, a adaptação da pessoa à doença e à interrupção e posterior regresso ao local de trabalho.

Como passa a ser a vida da pessoa que, passando parte do seu tempo diário no local de trabalho, deixa de ter capacidade para o trabalho? Como se sente? Como lida com isso? Que perdas tem e sente? Que perdas pode vir a ter? Que necessidades tem?

Em muitos casos, perante o afastamento por doença, os elementos da organização (colegas, superiores, entre outros) deixam de manter a ligação com a pessoa que fica doente.

Pelas mais variadas razões.

Uns porque não querem. Outros porque não sabem se e como fazê-lo. Alguns porque não se colocam na perspetiva da pessoa que está doente. Outros ainda porque têm medo. Do que podem ver ou ouvir. Dos seus próprios medos.

O que pode, portanto, ser importante, na perspetiva da pessoa doente, na manutenção desta ligação, se for desejada, ao local de trabalho durante o período de doença?

A resposta é verdadeiramente simples: apoio.

O apoio, por parte da organização, ao longo do processo de doença. O apoio, por parte dos elementos da organização, na manutenção da ligação com a pessoa doente no suporte em eventuais necessidades específicas (do dia-a-dia, emocionais, informativas, entre outras), no âmbito das suas possibilidades e papéis.

A manutenção da ligação com a pessoa que está doente com o objetivo de a apoiar durante o processo de doença e no regresso ao trabalho demonstra o compromisso genuíno e compassivo da organização, contribuindo para facilitar a adaptação à doença, a preparação para o regresso e a reintegração da pessoa no local de trabalho, promovendo também os sentimentos de pertença e a confiança na organização.

Com frequência, quando uma pessoa morre, os familiares afirmam que, naquele momento, muitas pessoas se disponibilizaram para apoiar embora, nos dias seguintes, a maior parte dessas pessoas tenha “desaparecido”. Este padrão de apoio, que tem tendência a replicar-se no contexto da doença, cessa exatamente quando as necessidades da pessoa podem vir a ser maiores.

É verdade que, quando alguém fica doente, a vida (das outras pessoas e das organizações) continua. E bem. Deve continuar.

É também verdade que a pessoa que está doente fica com a vida interrompida e, em muitas circunstâncias, as suas experiências poderão ter que ser ressignificadas e a sua vida poderá passar a ter um sentido diferente. Porque, quando uma pessoa passa por uma experiência desafiante, não volta a ser a mesma.

Todos temos as nossas vidas. Cada um de nós tem as suas próprias necessidades e dificuldades.

Contudo, tal como os familiares e amigos cuidam das pessoas doentes, também as organizações devem cuidar dos seus colaboradores.

Apoio. Nas mais variadas formas. Não custa nada. Pode ser um de nós.

Porque sem pessoas não existem organizações.

 

Autora: Marina Carvalho é psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psicoterapias; assistente principal de Saúde na Unidade de Portimão do CHUA; diretora do Departamento de Psicologia e Educação Física do ISMAT; investigadora no Instituto de Saúde Ambiental – Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

 

 



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