Em Tavira, há um autocarro sem rodas que leva as crianças à escola

Contrariar os hábitos de sedentarismo, promover a socialização e melhorar a mobilidade das crianças são alguns dos objetivos do projeto

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Estamos na Urbanização do Mato Santo Espírito, em Tavira, de onde, todas as segundas e quartas-feiras de manhã, perto de uma dezena de crianças partem num autocarro que as leva à escola.

Este é, contudo, um autocarro bastante diferente do habitual, já que aqui não há rodas nem combustível, apenas muita energia das crianças para, com pelo menos dois adultos, fazer um percurso a pé de cerca de 20 minutos.

«Mas que autocarro é este»? perguntam os leitores. Trata-se do SigaPé Autocarro Humano – um projeto que surge na sequência da iniciativa “Ruas do Bairro, Amigas da Criança”, da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), que começou por ser implementado em Lisboa e chegou em Novembro de 2021 também a Tavira.

Desde então, o projeto é posto em prática nesta cidade algarvia pela Associação Rotinas Selvagens, da qual Adriana Saraiva, terapeuta ocupacional, faz parte.

«A Rota do Mato de Santo Espírito é a mais significativa porque há um grupo maior de crianças a residir aqui e é também uma das rotas que implica, de uma forma mais marcada, a deslocação de carros para a cidade. Contudo, há mais uma rota, a de Miramar», começa por explicar Adriana Saraiva, esta quarta-feira, 18 de Maio, dia em que o Sul Informação acompanhou o Autocarro Humano em mais uma caminhada até à Escola Básica Horta do Carmo.

 

Adriana Saraiva leva o carrinho com as mochilas das crianças – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Batia as 8h20 quando começaram a chegar as primeiras crianças.

“Bom dia”, foram dizendo uns aos outros, enquanto mostravam entusiasmo pelo começo de mais um dia. As mochilas são colocadas num carrinho de mão que a terapeuta Adriana transporta e as crianças, leves, lá seguem todas contentes, a pé.

Perto da paragem do “SigaPé”, Adriana explica que ali há também uma paragem do autocarro da Câmara e, por isso, esta foi uma escolha estratégica para atrair os mais novos. «A ideia é que as crianças que ali vão vejam o nosso autocarro e um dia, quem sabe, venham também connosco».

Após saírem da paragem, uns metros à frente, há mais algumas crianças, três acompanhadas pelas mães, Andreia, professora, e Severa, que, depois de saberem do projeto, decidiram juntar-se e caminhar com os filhos no autocarro humano.

«Isto também é bom para conhecerem o meio, para se orientarem, ganharem autonomia, melhorarem a autoestima e as relações interpessoais. Os miúdos acabam sempre por criar mini grupos dentro dos grupos, em que vão conversando e comentando o que os rodeia», explica Adriana Saraiva, dizendo que muitas crianças apenas se orientam pelos pontos chave (como os supermercados), mas depois não têm noção do que há ao lado e da geografia da terra onde moram.

 

– Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Muitos andam sempre em cápsulas. Hoje em dia, a tendência é olhar cada vez mais para o telemóvel como uma ferramenta de socialização, mas o contacto olho no olho é muito mais importante. Além disso, a ideia é ainda contrariar os hábitos de sedentarismo que ficaram mais marcados com a pandemia. Não quer dizer que sejamos anti telemóveis – a verdade é que eles estão cá e nós temos de tirar proveito dessa mais valia – mas, ao mesmo tempo, fazer o contraponto com coisas que sejam saudáveis e promovam a mobilidade ativa, que é uma das coisas cada vez mais crítica no desenvolvimento», continua a terapeuta ocupacional.

Além disso, a profissional explica que a caminhada a pé é uma forma de fazer com que os miúdos cheguem à escola com o cérebro mais ativo.

Durante o percurso, fomos ainda falando com alguns dos ocupantes do autocarro, que se mostraram muito contentes e entusiasmados por terem esta oportunidade de ir para a escola com os amigos, a pé.

Como explica Adriana Saraiva ao Sul Informação, o projeto foi posto em prática após um inquérito feito às famílias dos alunos do primeiro ciclo.

«Desse inquérito, retirámos qual era a prevalência das queixas feitas. Depois, fizemos um trabalho com os alunos do terceiro e quarto ano, no sentido de serem eles a analisar a zona envolvente em redor da escola e perceberem quais eram as oportunidades e os desafios que encontravam», continua a terapeuta ocupacional.

 

– Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Mais passadeiras, medidas de redução de trânsito e velocidade foram as mais mencionadas. Assim, no decorrer do projeto, foram já feitas algumas alterações, como a sinalização de uma passadeira na travessia da estrada nacional 125 – que esta quarta-feira foi, pela primeira vez, pisada pelas crianças do autocarro humano.

Depois de cerca de 20 minutos a andar, às 9h00, estava terminado o percurso. Num instante, todas as crianças retiraram as mochilas do carrinho de mão, que as acompanhou durante todo o percurso, e seguiram a correr para a sala de aula.

Para Adriana Saraiva, o objetivo agora é juntar mais crianças aos autocarros e incentivar outros pais a criarem mais percursos: tal como faz Ana Bela, outra mãe, com a rota do Miramar.

«O nosso objetivo é ampliar para outras rotas, mas, enquanto não tivermos pessoas suficientes, não é viável. A ideia é que isto se transforme um pouco num movimento comunitário. Se houver pelo menos dois pais que assegurem a rota, é bom».

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

 

 



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