Família de refugiados que fugiu da Ucrânia quer reconstruir a vida em São Brás de Alportel

Primeiros refugiados, vindos da Ucrânia, já começaram a chegar ao Algarve

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

Portugal sempre foi o objetivo, mas a chegada desta família de refugiados ucranianos a São Brás de Alportel, na passada terça-feira, 1 de Março, acabou por ser um acaso. Ao todo são cinco: pai, mãe, filhas e neta. Todos querem agora reconstruir as suas vidas, longe das bombas, do pânico e daquele sentimento de medo que viveram na primeira pessoa, em Vinnytsia, na Ucrânia.

Ao início do dia daquela quinta-feira, 24 de Fevereiro, V. (nome fictício) ainda pensou «que tudo era uma brincadeira».

«Soubemos que tinha começado a guerra, mas nós não víamos nada», recorda ao Sul Informação.

Só que, com as primeiras horas da manhã, veio o medo, a certeza de que a guerra também estava a passar por ali, por aquela cidade a cerca de 300 quilómetros de Kiev.

«Às 11h00, começaram a bombardear a zona industrial da nossa cidade, Vinnytsia. Numa rua também caiu uma bomba», diz V., sem esconder a tristeza no olhar.

Toda a família decidiu fugir. Num primeiro momento, refugiaram-se na garagem de uns familiares, numa localidade próxima de Vinnytsia, mas logo se aperceberam de que abandonar o país era um imperativo.

«Saímos com o que tínhamos: roupas, documentos e dinheiro», explica V.

 

 

E assim começou uma longa viagem de carro, quase por meia Europa.

«Foi muito difícil, ainda por mais com uma criança no carro», relembra J. (nome fictício).

Saíram da Ucrânia pela fronteira com a Roménia, seguiram pela Hungria, onde entraram após muitas horas em filas, e foram cruzando fronteira atrás de fronteira, até chegar a Portugal, país que conheciam bem.

Esta família ucraniana morou em Torres Novas, na zona Centro, em dois períodos diferentes: de 2000 a 2006 e de 2012 a 2013. Quase todos falam um português impoluto.

Apesar dos vários anos de residência – e da nacionalidade portuguesa que todos têm, à exceção de uma das filhas – regressar a Portugal não estava nos planos. Foi a guerra, palavra que V. e J. vão repetindo, que os obrigou a isso.

«Em casa, na Ucrânia, tínhamos tudo, tudo. E tivemos de fugir», diz, amargurada, J.

Ainda assim, a chegada a São Brás de Alportel é a história de um acaso que, até agora, só tem tido coisas positivas.

«Lembro-me de que estávamos em Espanha. Ao longo da viagem, fomos vendo os jornais, as redes sociais e foi aí que nos apareceu uma senhora ucraniana que nos disse que, aqui em São Brás de Alportel, estavam a apoiar refugiados. Então, viemos diretos», relata V.

A chegada aconteceu na noite da Terça-Feira de Carnaval.

 

Júlio Pereira – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Júlio Pereira, provedor da Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel, conta como, «em tempo recorde», foi possível criar uma rede de apoio a esta família.

«Nós temos um alojamento temporário preparado e foi aí que os acolhemos. Demos dormida, alimentação e toda a ajuda no vestuário também», diz.
«Temos assegurado tudo aquilo de que eles precisam. Ainda há pouco fomos à loja social à procura de roupa para uma das senhoras que não trouxe absolutamente nada, por exemplo», acrescenta o provedor.

A vontade desta família é só uma: reconstruir a sua vida. Um dos primeiros passos – arranjar uma casa – já foi cumprido.

«Uma das nossas colaboradoras, no seu circuito normal no apoio domiciliário, apercebeu-se de que havia uma casa a arrendar perto da vila. Esta família foi lá, gostou do espaço e acabaram por conseguir. Será o seu novo porto de abrigo», diz Júlio Pereira, sorridente.

Quando o Sul Informação se encontrou com V. e J., apenas faltavam alguns pormenores, como a limpeza, para que esta família de ucranianos se pudesse mudar em definitivo para a nova morada.

A ansiedade – e a vontade – já eram muitas. Da parte da Misericórdia, vão contar com a cedência de móveis, mantas e edredons, garante o provedor.

V. relembra como o facto de ter nacionalidade portuguesa o «ajudou muito» nesta demanda.

 

 

«O meu genro estava connosco no carro, mas acabou por ter de ficar na Ucrânia a combater», diz.

Eletricista de profissão, V. já tem algumas ideias em mente para arranjar emprego.

Há a hipótese de ir trabalhar para fora ou de arranjar algo mais próximo: a Misericórdia, de resto, já se disponibilizou a ajudar também neste ponto.

O certo é que nem V. nem J., nem ninguém nesta família, se esquece do apoio dos portugueses de uma pequena vila algarvia na qual agora, mesmo longe de casa, querem voltar a ser felizes.

 

NOTA: Os nomes e as caras dos refugiados ucranianos com quem o Sul Informação falou foram ocultados por razões de segurança destas pessoas e dos seus familiares que ainda ficaram na Ucrânia.

 

 



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