Foram anos e anos de luta que culminaram com uma vitória. O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) vai abrir o período de discussão pública para classificar a Lagoa dos Salgados, nos concelhos de Silves e Albufeira, como Reserva Natural, uma classificação de âmbito nacional. Para os ambientalistas, esta «é uma das melhores notícias dos últimos tempos».
Apesar de ainda não haver data para a abertura do período de discussão pública, já se sabe que este durará 30 dias, a contar da data de publicação em Diário da República. Mas tudo indica que a discussão pública começará ainda durante o próximo mês de Dezembro e irá decorrer da forma habitual, nomeadamente através do portal Participa.
Segundo apurou o Sul Informação, a proposta de classificação da Lagoa dos Salgados como Reserva Natural é um dossiê que está a ser fechado, esperando-se novidades nos próximos dias.
Esta decisão já está a colher reações de grande regozijo, essencialmente de ambientalistas.
É que a Lagoa dos Salgados é uma zona húmida única: um dos locais do país onde se pode observar um maior número de espécies de aves aquáticas a partir de um ponto fixo, como flamingos, colhereiros, garças-vermelhas ou pernilongos.
No Inverno e Outono, também são «abundantes as limícolas, o alfaiate, o pilrito-de-barriga-preta, o milherango ou o combatente», segundo a Sociedade Portuguesa das Aves (SPEA).
Ouvida pelo nosso jornal, Anabela Santos, vice-presidente da associação Almargem, uma das entidades que faz parte da Plataforma dos Amigos da Lagoa dos Salgados, considerou este «um dia histórico».
«São duas décadas de luta para que a Lagoa dos Salgados tenha algum estatuto de proteção. O estudo das Zonas Húmidas, cujos resultados apresentámos em 2019, falava da importância da Lagoa dos Salgados e foi, na altura, mais uma tentativa para que se fizesse alguma coisa», recordou a dirigente associativa.
Quem também se tem batido, «há décadas», pela preservação daquela zona, importante do ponto de vista da avifauna, é João Ministro, diretor da empresa Proactivetur, dedicada ao turismo sustentável e de natureza.
«Esta classificação é uma das melhores notícias que recebi nos últimos tempos. Estou muito envolvido na Lagoa dos Salgados, que conheço há muito tempo, e sobre a qual fiz a minha tese de licenciatura na Universidade do Algarve», disse ao Sul Informação.
«Eu venho a alertar há anos para a importância da conservação daquele espaço que é único. Como empresário do turismo de natureza, só quero que esta classificação vá para a frente, porque é um sítio que atrai turistas quase todos os dias. Desde os anos 70 que há estudos a demonstrar a importância de preservar aquela zona», acrescentou.
Essa importância também é vincada por Frank McClintock, um dos mais antigos guias ornitólogos do Sul de Portugal e proprietário da Quinta do Barranco da Estrada, perto de Santa Clara (Odemira).
Em 2012, Frank e a mulher lançaram a petição “Save Salgados” que conta com quase 35 mil assinaturas. O documento pedia uma maior proteção para aquela zona, algo que agora, com o estatuto de Reserva Natural, acontecerá.
«Devo dizer que é a melhor notícia que recebi nos últimos anos. A Lagoa dos Salgados é uma zona magnífica. Nada aconteceu para proteger, mas agora há essa esperança», disse Frank ao Sul Informação.
Com o avanço da classificação como Reserva Natural, há outra esperança para os ambientalistas: o travão à construção de um megaempreendimento naquela zona, no lado do concelho de Silves.
É que a Lagoa dos Salgados situa-se na embocadura da ribeira que desagua na Praia Grande, entre os concelhos de Albufeira (onde já existe o resort dos Salgados, que se estende até à beira da zona húmida) e de Silves.
Em 2017, a empresa CBRE, responsável pela comercialização do Praia Grande Eco-Resort, anunciou que este novo empreendimento iria ter uma «área potencial de 122 mil metros quadrados», incluindo três hotéis de 4 e 5 estrelas e cerca de 350 unidades residenciais integradas em aldeamentos turísticos, bem como um campo de golfe com 18 buracos.
Ainda nesse ano, seis Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA) exigiram que o Relatório de Conformidade Ambiental (RECAPE) da primeira fase deste megaempreedimento fosse recusado.
A construção ainda não arrancou e, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, corre um processo que opõe essas ONGA e os promotores do resort, segundo disse ao nosso jornal Domingos Leitão, diretor executivo da SPEA.
Os ambientalistas pedem a impugnação do Plano de Pormenor de Praia Grande de Silves, bem como da Declaração de Impacte Ambiental.
Com a classificação como Reserva Natural, certo é que a criação de um megaempreendimento deste género «deverá tornar-se ainda mais complicada, porque uma coisa não se coaduna com a outra», considerou Domingos Leitão.
«Apesar da forte pressão dos últimos anos, porque a Lagoa dos Salgados nunca teve um estatuto de proteção, ainda vamos a tempo de a salvar. Esse projeto não é compatível com uma Reserva Natural. Espero que não vá em frente ou, então, que sofra uma profunda remodelação», considerou também João Ministro.
Por sua vez, para a Almargem, há «a expectativa de que agora haja um programa anual de atividades, de dinamização e de real conservação de um espaço tão importante» como o da Lagoa dos Salgados.
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