Faro troca identidades culturais à mesa na degustação das “Cataplanas do Mundo”

Projeto faz parte das iniciativas da candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura 2027

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

Toca a campainha e, do outro lado, uma senhora, nos seus 50 e poucos anos, abre a porta com um doce sotaque brasileiro e um sorriso contagiante. Da cozinha, emana o cheiro do jantar que começa a ser preparado. Não para ela, mas sim para uma família sorteada para receber esta iguaria. São as “Cataplanas do Mundo” a partilhar identidades culturais em Faro, tendo esta receita, como ingrediente principal, o amor que Euza Silva põe em tudo o que cozinha.

Os ingredientes estão prontos para as cataplanas, mas engana-se quem pensa que a receita vai ser tipicamente algarvia. «Esta receita será 100% brasileira, porque terá ingredientes do Brasil, mas vai tudo na criação da cozinheira e na ideia de cada uma», explica Euza Silva ao Sul Informação.

A paixão pela cozinha «vem desde sempre» e, apesar de não ter sido em casa que aprendeu a cozinhar, «a necessidade levou-me a pegar nos tachos e a pôr mãos à obra quando fui babysitter aos 16 anos».

Em 2001, com pouco mais de 30 anos, a morar com os pais e a ajudar a criar os irmãos, fora do mercado de trabalho e com o Brasil a atravessar um período complicado, Euza Silva decidiu fazer as malas e atravessar o Atlântico, rumo a Portugal.

«Digo que vim à procura dos meus ideais, alguma coisa melhor para ajudar os meus pais e para ter um porto seguro aquando da minha velhice. Vim para ficar durante pouco tempo e já estou cá há vinte anos», confidencia.

Depois de se adaptar a Portugal, conseguiu um «pequeno trabalho» como «cuidadora de uma senhora com idade bastante avançada, durante nove anos», algo que ainda recorda com muito carinho, ao admirar, todos os dias, a fotografia presa, por um íman, no frigorífico.

É também na cozinha, enquanto conversa com o Sul Informação, que Euza recorda uma vida difícil, «com alguns sobressaltos», e conta como surgiu o convite para participar nas “Cataplanas do Mundo”.

«Fui à Feira de Santa Iria e, ao passar pelo stand da Faro2027, estava uma moça a oferecer brindes, mas tinha que responder a um desafio. Entre as perguntas, surgiu uma de cozinha e eu disse logo que ia acertar, pois é uma das minhas paixões. Falou-me do projeto que estava a ser pensado, fez-me o convite e eu aceitei participar», sublinha.

Depois de uma partilha de conhecimentos à mesa, com direito a um workshop, as cozinheiras participantes no “Cataplanas do Mundo”, entre as quais Euza Silva, envolveram-se «de tal forma no projeto» que «já se consideram um grupo de amigas e partilham as suas histórias de vida», conta Isadora Justo, assessora de comunicação da Faro2027.

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

“Cataplanas do Mundo” é um projeto piloto, inserido na candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura 2027, que tem por base «a gastronomia como uma forma das diferentes culturas se conhecerem e partilharem o mesmo espaço, e nós trouxemos isso para o plano das diferentes comunidades que vivem no Algarve», explica Isadora Justo.

«É secular a nossa história de receber residentes estrangeiros, mas nem sempre há uma partilha cultural efetiva. Então, decidimos sentar as pessoas à mesma mesa, por assim dizer, e partilhar experiências, saberes e sabores».

O projeto começou com a ajuda da Tertúlia Algarvia e da Associação Doina Algarve na identificação das cozinheiras voluntárias, vindas de vários pontos do mundo. «Depois de nos termos encontrado todos, passámos a uma segunda fase, onde as senhoras se apropriaram» da cataplana algarvia e «recriaram receitas com ingredientes dos seus países de origem», acrescenta.

Ao todo, são cinco as cataplanas que são apresentadas neste projeto, todas elas confecionadas com ingredientes e receitas dos respetivos países de origem, designadamente Brasil, Roménia, Paquistão, Cabo Verde e Marrocos. A sua confeção começou a 18 de Novembro, precisamente com a cataplana brasileira, e termina hoje, dia 2 de Dezembro, com o marroquina.

Mas e quem vai comer estas iguarias? «As cataplanas vão ser acolhidas por pessoas que são sorteadas, tendo isso sido decidido pelas nossas cinco cozinheiras. Como temos algum limite em termos de custos de projeto, só podemos entregar cataplanas no concelho de Faro».

 

Isadora Justo e Euza Silva – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A cataplana de Euza é, basicamente, uma moqueca baiana, feita com peixe, tomate, cebola, pimento, leite de coco, limão, mas que usa aquele utensílio característico da cozinha algarvia, o que parece fazer com que os aromas desta iguaria se intensifiquem.

Com a cataplana quase pronta para a entrega, Euza Silva diz esperar que a pessoa selecionada fique muito feliz e que goste muito do sabor, pois «foi cozinhada com muito amor e carinho. O ingrediente principal – o amor – está aqui. Quem comer desta cataplana, não vai parar e vai querer comer sempre mais».

«Se depois me quiserem ligar e pedir para que eu faça outra cataplana, eu começo a vender também…», diz Euza Silva, entre risos.

Para Isadora Justo, este é um «projeto feito com muito amor e partilha». «Estas pessoas não estão a cozinhar num restaurante, mas sim na sua casa», algo que é de valorizar. «Quando as pessoas abrem o seu coração e a sua casa, é impossível haver choques entre culturas, porque tudo está envolto em sentimentos bons».

Chega então a hora da Tertúlia Algarvia, juntamente com a Faro2027, proceder à entrega da cataplana à família sorteada. Desta vez, a iguaria calhou a uma senhora de Conceição de Faro.

«A ideia é: quando as pessoas receberem a cataplana na sua casa, esta vai acompanhada de um vídeo da nossa cozinheira a partilhar um pouco da sua história e a explicar o porquê de ter escolhido estes ingredientes. Depois, a família responderá num vídeo sobre como foi experimentar, saborear e conhecer um pouco melhor a história da cozinheira através da comida», explica a assessora de comunicação da Faro2027.

Entre as cataplanas, Euza Silva tinha ainda preparado um pequeno lanche, com iguarias brasileiras, como palitos de mandioca frita, que foi degustado por todos aqueles que lhe encheram a casa de animação, numa tarde quase a anoitecer: «Eu gosto de gente e estou muito contente por vos ter aqui».

«Ver a minha casa ser invadida por este pessoal todo, da Tertúlia Algarvia, a Isadora da Faro2027, e você, jornalista, está a ser espetacular. Se houver outras ocasiões iguais a esta, porque não? Estou pronta a receber-vos novamente. Estou muito feliz!», conclui Euza Silva, de sorriso no rosto.

 

Fotos: Rúben Bento|Sul Informação ou Faro2027

 

 



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