Turismo: o que vai mudar. O que não vai mudar

A história tem demonstrado que, quando surge uma crise económica com quebra de consumo, o Turismo estagna e muitas vezes cai

Todos sabemos: o Turismo, um dos principais setores da Economia mundial, está a viver a maior crise de sempre. As quebras em 2020 – cerca de mil milhões de chegadas de turistas internacionais (-73%) e de 900 mil milhões de euros de receitas externas (-65%) – refletem bem a sua dimensão.

Portugal, que ocupa uma boa posição no ranking mundial, (15ºlugar em turistas e 20º em receitas), sofreu em 2020 quebras na mesma proporção, o que se refletiu no Algarve que é o principal destino turístico do país. É esta a nova base de partida do Turismo.

São muitas as conjeturas, nem sempre inocentes, que circulam sobre o futuro do Turismo, gerando alguma perplexidade e preocupação.  Os protagonistas do Turismo não podem ser meros espetadores, têm de refletir com inteligência sobre o novo quadro que vão ter de enfrentar.

Vejamos o Algarve, a partir da importância do Turismo na economia da região e do país, num quadro de contenção da pandemia e com sinais visíveis de retoma. Comecemos por alguns equívocos que podem dificultar essa reflexão.

Por exemplo, há quem, de forma ingénua, afirme que «o pior já passou», que o Turismo já mexe, e que em breve «tudo voltará a ser o que era». Isto é, nada vai mudar. É só esperar. Trata-se de uma opinião perigosa que pode gerar ilusões e conduzir à inação. São ainda muitos os sinais de incerteza.

Outros afirmam que o Turismo não só «vai mudar», como até «nunca mais vai ser o que era». Trata-se também de uma opinião perigosa, que pode gerar, além de desconfiança, também inação.

A realidade é bem mais complexa e exige uma abordagem séria.

A verdade é que, sendo certo que o Turismo não voltará a ser o que era, também não vai mudar radicalmente. Vai, sim, ter elementos novos.

O Turismo tem as suas raízes em fatores estruturais de fundo, que se têm confirmado em fases diferentes a nível mundial ao longo de muitas décadas, e que se vão manter.

O principal e mais importante é a sua relação direta com a evolução da Economia, estando o crescimento do Turismo associado ao reforço do poder de compra dos cidadãos e à sua evolução social e cultural. Não vai mudar.

A história tem demonstrado que, quando surge uma crise económica com quebra de consumo, o Turismo estagna e muitas vezes cai. No Mundo, na Europa, em Portugal, no Algarve. Último exemplo: as consequências no Turismo da crise económica mundial gerada pela pandemia.

Mas devemos ainda associar outros importantes fatores condicionantes.

Desde logo, a segurança política e a paz social nos destinos turísticos. E também a segurança sanitária, que já era importante, mas que, com as lições da pandemia, passou a ser um fator de primeiro plano.

Outro pilar indispensável de ligação entre procura e oferta é o Transporte, sobretudo aéreo, e as infraestruturas não são deslocalizáveis (aeroportos, portos, etc.).

Para além de outras áreas, de natureza diferente, tal como a oferta turística (hotéis, restaurantes, atividades desportivas e culturais, etc.).

A importância de todos estes vetores vai-se manter. Trata-se de fatores base que condicionam a emissão de turistas e a disponibilidade dos mercados recetores.

Não há Turismo sem progresso económico e segurança política e sanitária. E sem transportes. Como não há Turismo sem a existência de ofertas atrativas, inovadoras e competitivas nos destinos. Como não há Turismo sem turistas e a procura turística continuará a determinar o mercado turístico.

Estes fatores estruturantes de fundo, permanentemente renovados e enriquecidos, vão continuar a ser condição imprescindível para a existência e a dinâmica do Turismo. No essencial, não vão mudar.

E ao refletirmos sobre as dinâmicas de recuperação e evolução do Turismo no Algarve (e no País) têm de ser obrigatoriamente tidos em conta.

O que vai mudar:

Há um conjunto de fatores emergentes e de novas tendências que já são evidentes e que não se podem ignorar, que irão ter um impacto muito forte no universo do Turismo e na atitude dos Turistas. Seja no setor de férias e lazer como noutros setores específicos de diferentes dimensões.

Vejamos alguns. Desde logo, as alterações na distribuição turística, cada vez mais online em consequência das novas tecnologias e da digitalização no universo do Turismo, gerando novas situações e experiências, e exigindo dos diferentes operadores rápidas respostas.

A distribuição turística depende cada vez mais da negociação direta online com uma procura mais exigente, em todos os setores e segmentos não só no alojamento, mas em serviços e produtos associados. Tudo mais rápido, direto e competitivo.

É um quadro em evolução permanente que obriga as empresas a adequar estruturas e competências, a recriar e inovar ofertas, para responder a novas procuras, num quadro de maior concorrência. O Algarve não pode deixar de estar presente neste desafio.

Ao mesmo tempo, o Turismo, em todos os seus vetores, vai ter de se confrontar com desafios complexos e novas tendências globais com grande impacto em toda a economia, nomeadamente neste setor.

Muito se fala hoje em «desenvolvimento sustentável», já assumido oficialmente pelos governos, e é evidente que o Turismo, pela sua natureza, deve ser parte integrante dessa nova dinâmica: alterações climáticas, energias renováveis, descarbonização, recursos hídricos, a preservação da biodiversidade e do ambiente.

Não é fácil e não basta colocá-los nos programas políticos.

O Turismo tem um interesse real nesta problemática e deve intervir através da criação de novos produtos que respondam às sensibilidades da procura e que representem um enriquecimento das ofertas num quadro de mudança.

Os Turistas mais experientes podem encontrar neles uma atração para novas experiências. Os mais jovens, serão confrontados com desafios inovadores e experiências aliciantes.

Algo vai mudar para todos ainda que em forma e medida diferente. O Algarve, se quer ser competitivo, tem de assumir e participar nesta batalha. Portugal também. O Algarve vai ter de enfrentar nos próximos tempos desafios muito fortes no Turismo. Portugal também.

As empresas têm de se preparar para eles. Não basta fazer grandes proclamações. Nem viver dos «números do mês» comparados com os homólogos do ano anterior.

É preciso definir um programa específico de ação prática de reanimação do Turismo com medidas concretas para recuperar e voltar a crescer, o que passa antes de tudo, por proporcionar aos diferentes setores a informação e o conhecimento realista do que está a mudar e do que pode ser enriquecido com novas propostas que correspondam às novas sensibilidades, aos novos interesses dos diferentes segmentos, à nova geração de Turistas e às alterações de mercado.

Tendo consciência do que mudou e não mudou e do que está a mudar. Os empresários, associações, profissionais e instituições do Algarve têm de participar nesse desafio. Sabendo que Portugal tem características diferentes em relação a outros países da Europa e que o Algarve também, em relação às outras Regiões do país.

 

Autor: Vítor Neto é presidente do NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve

 

 

 



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