Sagres mergulha na história com novo Centro Interpretativo na antiga Lota

Espaço vai apenas abrir ao público em Agosto

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

Desde sempre, a vida de Mário Galhardo, pescador há 46 anos, é o mar de Sagres. Os tempos em que, ainda em criança, ajudava o pai eram «difíceis, duros, mas também engraçados e interessantes». Para manter vivas memórias como esta, a antiga Lota de Sagres foi transformada num Centro de Interpretação, com postais, fotografias, frases de pescadores como Mário que ali trabalharam e até excertos de obras literárias. 

À entrada, logo à direita deste novo espaço, inaugurado no passado dia 13 de Julho, surge-nos Raul Brandão.

«Não cessa dia e noite o lamento eterno da ventania e das águas. E os cabos [de Sagres e de S. Vicente], que são de ferro e escorrem sangue, obstinam-se em apontar o seu destino de dor a esta terra de pescadores».

A frase, do autor do livro “Pescadores”, resume o que é a vida em Sagres – e que Mário Galhardo conhece tão bem.

«Eu lembro-me perfeitamente desta lota a funcionar, das pessoas que aqui trabalharam, dos pescadores que cá venderam», conta à reportagem do Sul Informação.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Na parede atrás de Mário, além do excerto da obra de Raul Brandão, há fotografias que mostram o que era a venda do peixe na praia (ainda antes da lota…), bem como uma cronologia que relata a história da antiga lota de Sagres, inaugurada em 1973 e desativada em 2001.

«Tenho memórias muito vivas do meu pai, de o ver aqui. E os peixes, alguns com 70, 80 quilos? Chernes, peixe-espada, era às carradas! Eram tempos difíceis, mas a verdade é que também tenho muitas saudades disto», confessa.

Além de duas salas, com as fotografias, frases, imagens de utensílios antigos, este Centro Interpretativo estende-se para o terraço da antiga lota. Lá, além da vista para o porto da Baleeira, é possível conhecer as 20 espécies mais representativas da Lota de Sagres.

Estão representadas a dourada, o cherne, a abrótea-da-costa, a raia-lenga, o choco-vulgar, o tamboril, o pargo, a lagosta-castanha ou o sargo-legítimo.

E muito mais «havia para escolher», revela a investigadora Cláudia Matos, uma das coordenadoras do projeto que permitiu a instalação deste Centro Interpretativo.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Também no terraço, há mais dois motivos de interesse: um painel com 10 aves que é possível observar em Sagres (como o grifo, a gaivota-de-patas-amarelas, o milhafre-preto ou o alcatraz) e outro em que se fala da geologia da Praia da Baleeira.

Mas aquele é essencialmente um espaço dedicado à vida no mar. Hoje, recorda Mário Galhardo, a vida dos pescadores é «completamente diferente», mais fácil, menos dura.

«Criarem este Centro Interpretativo foi uma obra muito boa. Isto estava fechado e tornou-se num espaço aberto, vivo, um museu. Era uma pena estar encerrado e é importante para a localidade que se tenha o conhecimento das vivências antigas», considera ao nosso jornal.

A ideia, de resto, partiu da Docapesca que fez a empreitada também a pensar «nas memórias».

«O nosso objetivo foi abrir este espaço de novo para a comunidade. É, no fundo, reviver o passado, lembrando o que é o presente. As vozes que ecoam nestas paredes não podiam ficar caladas», explica Sérgio Faias, presidente da Docapesca, ao Sul Informação.

Depois da obra feita, é a Câmara de Vila do Bispo quem vai ficar com a gestão do espaço, algo que «aceitámos desde a primeira hora», conta Rute Silva, presidente da autarquia.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 

Ela, que é natural de Sagres e neta de um pescador, explica como ter a antiga lota aberta é «importante não só para a população, como para os turistas».

«Com isto, podemos também desenvolver atividades de educação patrimonial e ambiental», acrescenta.

Por enquanto, o Centro Interpretativo, que recebeu a visita do ministro do Mar na sua inauguração, ainda não está aberto ao público em geral, algo que deve acontecer «em Agosto», uma vez que há «alguns pormenores a ajustar».

A entrada será gratuita para que todos, sem exceção, possam viajar no tempo e conhecer as histórias de uma lota que também era marcada pelo canto do leilão.

Numa das paredes, José Alberto Gerardo lembra esse seu trabalho.

«Leiloar o peixe obrigava a falar alto. Foram muitos anos a falar alto. Diziam que eu falava alto…Secava a língua…Secava a boca. Com o tempo, nós conhecíamos os compradores e os seus sinais. Alguns faziam sinais com as sobrancelhas; outros levantavam a cabeça, outros gritavam: “Chuí!”.

 

 



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