Projeto Renature Monchique garante 250 mil euros de financiamento para mais um ano

Desde Maio de 2019, já foram plantadas perto de 137 mil arvores autóctones, em 600 hectares da serra

O projeto Renature Monchique, que já ajudou 41 proprietários, em 600 hectares da serra, a reflorestar os seus terrenos com espécies autóctones, vai «continuar por mais um ano», uma vez que garantiu um novo apoio de 250 mil euros, por parte do seu principal patrocinador, a empresa aérea Ryanair.

A revelação foi feita ao Sul Informação por Miguel Jerónimo, que é o coordenador, por parte do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, deste projeto, que começou em Maio de 2019, menos de um ano depois do grande incêndio de 2018.

O projeto, que visa o restauro ecológico nas áreas ardidas da Serra de Monchique nos incêndios de 2018, resulta de uma parceria entre a Região de Turismo do Algarve, a Ryanair, o GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Câmara Municipal de Monchique.

Quem paga é a Ryanair, que canaliza para este projeto e para outro (no Uganda, África) donativos dos seus passageiros, para compensar o carbono gerado pela sua atividade enquanto transportadora aérea. Com mais este investimento de 250 mil euros, a Ryanair investirá um total de 750 mil euros no projeto algarvio.

«Estamos a falar de um investimento de cerca de 750 mil euros em três anos, que pode ser uma gota no oceano da problemática dos incêndios em Portugal, mas, pelo menos, estamos a demonstrar, com os parceiros, a Câmara de Monchique, o ICNF e o Turismo do Algarve, que, quando há vontade, é possível fazer alguma coisa», sublinhou Miguel Jerónimo.

 

Miguel Jerónimo com Rui André, na abertura da exposição

«Não estamos aqui a revolucionar a Serra de Monchique, não estamos a dizer que não vão acontecer mais incêndios, obviamente que isso faz parte da paisagem portuguesa, mas, se houver vontade, colaboração e investimento, é possível fazer alguma coisa, é possível apoiar as pessoas que são afetadas por esses incêndios», acrescentou o arquiteto paisagista.

Até agora, nos dois primeiros anos do projeto, foi possível intervir em 600 hectares em toda a serra, em cerca de «50 a 60» terrenos de 41 proprietários (e as suas famílias), portugueses e estrangeiros. Já foram plantadas perto de 137 mil arvores autóctones, sendo que, segundo Miguel Jerónimo, «as duas espécies mais comuns e mais desejadas pelos proprietários são o sobreiro e o medronheiro».

«Obviamente que temos aqui outras espécies, como castanheiro, azinheira, freixo, amieiro, carvalho de Monchique, que tentamos complementar na nossa intervenção». O objetivo, explica, «não é plantar monoculturas» de uma só espécie, hectares e hectares todos iguais, um erro que tem potenciado os incêndios. «Temos que ter um direcionamento para algo produtivo, porque as pessoas têm as suas propriedades porque precisam delas para sobreviver ou então para complementar a sua atividade».

A área de intervenção do Projeto Renature Monchique vai do vale da Ribeira da Perna da Negra até ao Sul da Picota. Trata-se, por isso, de «altitudes diferentes, posições diferentes, tipos de solo diferentes» e até proprietários diferentes, o que faz com que seja diversa a taxa de sucesso das plantações, ou seja, a taxa de sobrevivência das árvores plantadas. «Devemos ter zonas com taxas de sucesso na ordem dos 60%, mas se houver algum apoio na gestão por parte dos proprietários, normalmente na rega, pode chegar aos 90/95%. Mas também temos casos em que temos 5%. Não há aqui nenhuma fórmula única, não há aqui nenhuma realidade única, temos várias propriedades completamente diferentes, cada solução é adaptada à propriedade», explica.

Em termos de futuro, o que se espera é «uma taxa de sobrevivência [das árvores] à volta dos 30 a 40%, o que é o normal».

 

Uma árvore plantada e de boa saúde, na Portela das Eiras

Neste projeto, um aspeto importante é que os proprietários têm de se envolver no restauro ecológico dos seus terrenos. Por isso, o que vai ser feito é decidido em conjunto com o proprietário, «porque é ele que vai “herdar” esta intervenção, apesar de nós apoiarmos dentro do possível a gestão dessa propriedade».

«Nós tentamos, ao máximo, envolver os proprietários na gestão, porque um processo desta natureza demora pelo menos 10 a 20 anos: um sobreiro demora 20, 30 anos a crescer, um medronheiro passados 7, 8 anos pode já começar a dar alguma coisa. Portanto, só envolvendo os proprietários é que nós garantimos o sucesso deste projeto. Daí que, estando no terceiro ano, nunca deixámos ninguém para trás. Por isso é que nós dizemos que apoiamos 41 proprietários e continuamos a apoiar», acrescenta o arquiteto paisagista que é o coordenador da equipa que está no terreno a implementar as ações de restauro dos habitats, através da reflorestação dos territórios ardidos com espécies autóctones.

«Revisitamos sempre as áreas plantadas, e, se tivermos, por exemplo, taxas de mortalidade muito altas, fazemos replantações. Portanto, esse acompanhamento existe sempre, se o proprietário quiser».

Miguel Jerónimo admite que há quem não tenha ficado contente com a forma de atuação do projeto: «nós não podemos agradar a toda a gente, já tivemos proprietários que desistiram. Mas 95% das pessoas, que é a grande maioria, continuam e querem continuar. Tomara a gente ter mais recursos para fazer mais coisas!».

 

Miguel Jerónimo, na visita à exposição

Para dar a conhecer o projeto e, sobretudo, todo o trabalho que já foi feito no terreno desde Maio de 2019, a Galeria Municipal de Santo António, em Monchique, recebe a exposição «Renature Monchique – Restauro Ecológico na Serra de Monchique», que pode ser vista até dia 22 de Agosto.

«Aquilo que as pessoas podem ver aqui é uma espécie do nosso dia a dia, vendo o processo do restauro ecológico, contactando com a metodologia. Tudo de uma maneira muito simples, porque tentámos usar uma linguagem acessível a toda a gente. E depois temos aqui um levantamento fotográfico para transportar os visitantes para o nosso trabalho diário, sendo que nós temos uma equipa que trabalha diariamente em Monchique, de Setembro a Abril, todos os anos», explicou Miguel Jerónimo.

A exposição apresenta ainda alguns dos trabalhos feitos pelas centenas de crianças de escolas do concelho de Monchique, sobre a recuperação da floresta da sua serra.

Rui André, presidente da Câmara de Monchique que, com o Sul Informação, também acompanhou a visita à mostra, sublinhou a importância do projeto, não só pelo trabalho efetivo que já se pode ver no terreno, como pelo exemplo que constitui. «As pessoas podem constatar que aqui se passou das palavras aos atos, que há trabalho feito no terreno. Afinal, são mais de 137.000 árvores autóctones plantadas nas zonas ardidas no incêndio de 2018! Não é brincadeira. Este trabalho não resolve os problemas todos, mas demonstra que há soluções, que há forma de voltarmos a ter aqui uma floresta diferente, mais resiliente e mais de acordo com o nosso clima e a nossa paisagem», disse o autarca.

Para a terceira fase do projeto, garantida pela nova tranche de 250 mil euros doados pela Ryanair e pelos seus passageiros, a equipa coordenadora diz que pretende «continuar a fazer aquilo que temos estado a fazer. Obviamente que há aqui uma adaptação, porque a regeneração natural já é muito maior do que era logo no pós incêndio. Assim, a preparação do terreno já é muito diferente, é tida muito em conta a questão da regeneração natural, ver o que é que já existe ou não. Portanto, a pouco e pouco, este projeto vai-se tornando mais focado na gestão, do que propriamente na replantação».

 

E o que se pretende agora? Que os proprietários de terrenos no concelho de Monchique (inseridos nas freguesias de Monchique e Alferce) que tenham sido afetados pelo grande incêndio de 2018 contactem com a equipa do projeto e demonstrem o seu interesse. O contacto pode ser feito través do email [email protected] ou do telefone 926 623 988.

Entretanto, salienta Miguel Jerónimo, «já temos uma campanha a decorrer, iniciámo-la no dia 21 de Junho, uma coisa muito pragmática nestes meios, que foi imprimir cartazes, panfletos, distribuir nas caixas de correio, colocar os cartazes nos cafés, nas bombas de gasolina, com os contactos necessários e uma pequena explicação do que é que fazemos».

Tendo em conta a capacidade da equipa, neste próximo ano deverão ser adicionados ao projeto 20 a 25 proprietários, havendo já «uns 18 ou 19 interessados», diz Miguel Jerónimo.

«É muito trabalhinho que ainda nos espera», conclui o coordenador do Projeto Renature Monchique.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação e João Madeira | Geota

 



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