Projeto Renature Monchique está a ser «grande oportunidade» para ajudar a serra a renascer

Ryanair entregou mais 250 mil euros ao projeto Renature Monchique. E o Sul Informação foi ver no terreno o que está a ser feito

Inge e Roland Lambertz, na sua casa do Poio da Quebrada, na serra de Monchique – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Para nós e para os nossos vizinhos, este projeto foi uma grande oportunidade e está a ser um sucesso, sobretudo porque vai continuar. Dá-nos um sentido de segurança, porque vocês sabem o que fazer aqui». As palavras são de Inge Sous-Lambertz, uma alemã que vive na serra com o marido, e referem-se ao projeto Renature Monchique, que é financiado pela companhia aérea Ryanair e operacionalizado no terreno por uma equipa do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente.

O casal Lambertz, Inge e Roland, tem uma casa num terreno com 6,5 hectares desde há 35 anos, no Poio da Quebrada, em plena Serra de Monchique, quase à beira da EN266, a estrada de Sabóia e Lisboa, que passa lá mais acima, na encosta.

Em 2018, quando foi o «grande incêndio», os Lambertz não estavam no Algarve, mas na sua Alemanha natal, mas souberam pelos vizinhos e pelas notícias o que estava a acontecer e logo se apressaram a regressar. A casa, bem como alguns pinheiros mansos, sobreiros e até um carvalho-de-Monchique por eles plantado há mais de 30 anos, sobreviveu ao fogo, mas quase tudo o resto, na sua propriedade e na dos vizinhos à volta, ardeu.

«O fogo esteve mesmo aqui ao pé de casa, mas não a afetou. Mas olhe para este medronheiro: já viu como ardeu?», interroga Inge, mostrando, a dois metros das paredes antigas de taipa da casa, um pé de medronheiro, hoje verde e viçoso, mas onde são bem visíveis as marcas negras do incêndio.

O Renature Monchique, que foi para o terreno em Outubro de 2019 e, nestes meses, permitiu preparar e plantar 61.860 árvores autóctones em 291 hectares, abrange, no Poio da Quebrada, já nos contrafortes norte da serra de Monchique, uma área total de 16 hectares, divididos por 10 proprietários.

Miguel Jerónimo, arquiteto paisagista que é o coordenador da equipa que está no terreno a implementar as ações de restauro dos habitats, através da reflorestação dos territórios ardidos com espécies autóctones, conta que quem primeiro os contactou foi Inge. «Mas depois desafiámo-los a juntar a comunidade, num total de 10 a 15 proprietários. Fizemos aqui, na casa dos Lambertz, uma reunião com todos eles, um grande mix de portugueses e de estrangeiros, e ficou decidido avançarmos, primeiro com a limpeza das árvores ardidas e com alguns outros trabalhos de preparação ou de recuperação, depois com a plantação de novas árvores».

Há zonas onde se considera também o arranque dos eucaliptos que, depois do «grande incêndio», foram os primeiros a rebentar…e que já vicejam no seu verde acinzentado, pelas encostas fora.

Aqui, porque as encostas estão viradas a sul, muito mais seco, e o solo já é xistoso, foram plantados «sobretudo medronheiros, com algum sobreiro e carvalho-português», explica Miguel.

O responsável pelos trabalhos de campo salienta a importância de ter envolvido a maioria dos proprietários daquela zona: «sempre que temos a possibilidade de trabalhar com a comunidade, como aqui aconteceu, é isso que fazemos. É sempre muito melhor envolvendo todos».

Inge Sous-Lambertz aponta para as estacas de bambu espetadas pela encosta acima, até à estrada: «são as árvores novas que já estão plantadas. Estamos muito contentes, porque, sozinhos, eu e o meu marido não íamos conseguir fazer este trabalho. Ainda começámos, mas nem sabíamos como fazer…»

 

Uma das áreas já replantadas na Portela das Eiras – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Na Portela das Eiras, a alguns quilómetros da casa dos Lambertz, já na encosta norte da Fóia, há mais água, mais humidade e o solo é diferente, porque se está em zona de sienito. No total, a intervenção no terreno abrange aqui 40 hectares, divididos em duas propriedades, uma delas habitada.

«Aqui plantámos já 3 mil árvores, sobretudo castanheiros, alguns medronheiros e sobreiros, e alguns exemplares de carvalho-de-Monchique, junto à água. Mas privilegiámos sobretudo o castanheiro, tendo em conta a altitude a que estamos e o facto de a encosta ter exposição a Norte», explica Miguel Jerónimo.

«Isto tudo ardeu em Agosto de 2018. Quando começámos a trabalhar aqui, em Outubro do ano passado, já havia mato à nossa altura, nem se via os socalcos», acrescenta.

O primeiro trabalho da equipa – que tem oito pessoas: dois jovens arquitetos paisagistas (Miguel Jerónimo e Miguel Branquinho) mais um field manager, que é o sul-africano Justin Roborg-Söndergaard, com décadas de experiência, e ainda cinco operacionais, dos quais cinco sapadores e dois plantadores – foi precisamente desmatar, seguindo-se a abertura de covas, com estacas de bambu para marcar o local onde plantar as árvores.

«Tentamos que a nossa intervenção tenha o menor impacto possível, uma vez que se trata de promover a conservação da natureza. Fazemos tudo com trabalho humano, obviamente usando máquinas, mas sem recurso a maquinaria pesada, que tem muito impacto no solo. Vamos tentando trabalhar com o que a natureza nos dá».

A prioridade do projeto Renature Monchique é a plantação de novas árvores, que substituam – e muitas vezes corrijam – o que ardeu no incêndio de 2018. Por isso, entre Setembro e Abril, a equipa do projeto trata da preparação dos terrenos e da plantação. A gestão posterior do que é plantado, acrescenta Miguel Jerónimo, «deverá ser assegurada pelos proprietários, embora com o nosso apoio, enquanto o projeto se mantiver».

O arquiteto paisagista não tem dúvidas que esta não é uma iniciativa que comece hoje e dê frutos amanhã, «é pelo menos um projeto a 20 anos».

Na Portela das Eiras, enquanto lá em baixo, junto a uma casa, se ouve o barulho das moto-roçadoras usadas pelos sapadores que andam em trabalhos de gestão da floresta, limpando à volta das árvores plantadas há poucos meses, cá mais acima, nos socalcos que descem pela encosta norte da Fóia, é possível ver que parte dos pequenos sobreiros plantados em Outubro sobreviveu…e a outra parte morreu.

«Isto é normal, há sempre uma grande mortalidade nas árvores plantadas, há que insistir, há que estar atento. Até porque nós não regamos as árvores que plantamos», explica o outro arquiteto paisagista, Miguel Branquinho, agachando-se junto a um dos muitos sobreiros sobreviventes.

«Tentamos que o nosso trabalho seja o mais eficaz possível, sabendo que parte das árvores que plantamos vai morrer», admite Miguel Jerónimo.

No meio das ervas já secas, em parte cortadas, a pequena árvore mal se vê, apesar de assinalada por uma estaca de bambu. Mas o sobreiro lá vai fazendo pela vida…esperando-se que, daqui a vinte anos, possa ter já uma dimensão razoável e comece a dar rendimento ao proprietário do terreno.

 

Um dos novos sobreiros plantados em finais de 2019 – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«O que estamos a fazer também é uma forma de tentar contrariar os efeitos das alterações climáticas. Aqui já vai chovendo, o que é uma grande ajuda. Esta encosta é mais húmida, recebe mais chuvas orográficas», acrescenta Miguel Branquinho.

Outra parte da intervenção tem passado pelo restauro da galeria ripícola, de árvores e arbustos, ao longo de linhas de água, nas propriedades onde o projeto está a ajudar a recuperar parte dos habitats da Rede Natura 2000 afetados pelo incêndio de 2018, que foi o maior da Europa nesse ano.

É que este projeto não apoia apenas a compensação de toneladas de carbono produzidas por uma companhia aérea, através da plantação de milhares de árvores, mas também ajuda a revitalizar a ecologia da região de Monchique.

O GEOTA e a sua equipa que está no terreno não são novatos nestas andanças. «Já trabalhamos nesta região desde 2015, com um outro projeto, o TerraSeixe».

Miguel Jerónimo sabe que o Renature Monchique não é a panaceia para todos os males da serra. Vale sobretudo pela intervenção prática no terreno e pelo (bom) exemplo que fica. «O Renature permite-nos, nestas intervenções, ter uma espécie de laboratórios experimentais, é uma linha de aprendizagem, mas que pode ser replicada aqui e noutros pontos do país. Estamos a fazer aqui a uma escala pequena – até agora 291 hectares -, mas isto pode replicar-se dos 50 para os 100 hectares, dos 100 para os 200 e por aí fora. Nesse aspeto, com a experiência no terreno, é mesmo um programa pioneiro».

Mas este é também um projeto «sobretudo social, porque trabalhamos com as pessoas daqui». «O que se pretende é que, destas intervenções, resulte depois uma gestão ambiental partilhada, que resulte da congregação de interesses entre as pessoas». Por isso mesmo, acrescenta o coordenador, «é gratificante ver as pessoas a aderir».

«Dá muito trabalho fazer algo à escala da paisagem, mas consegue-se, se houver dinheiro e priorização ao nível político para que se faça», conclui Miguel.

Dinheiro há. Pelo menos para já. Este projeto, que visa o restauro ecológico nas áreas ardidas desta zona algarvia nos incêndios de 2018, resulta de uma parceria entre a Região de Turismo do Algarve, a Ryanair, o GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Câmara Municipal de Monchique. Quem paga é a Ryanair, que canaliza para este projeto e para outro no Uganda (África) donativos dos seus passageiros, para compensar o carbono gerado pela sua atividade enquanto transportadora aérea.

No primeiro ano do projeto, o contributo dos passageiros da Ryanair foi de 250 mil euros, tendo sido plantadas 62 mil árvores autóctones em 291 hectares e apoiados cerca 90 proprietários. Estima-se que, no futuro, estas árvores plantadas possam ser responsáveis pelo sequestro de 500 toneladas de carbono por ano.

 

Rui André, João Dias Coelho, Thomas Fowler, Castelão Rodrigues e João Fernandes com o “cheque” – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Mas a ideia é que o projeto continue, até porque há ainda muito trabalho a fazer. Nesse sentido, esta terça-feira, nas Caldas de Monchique, foi apresentado, por Thomas Fowler, diretor de Sustentabilidade da Ryanair (presente por videoconferência), um balanço do primeiro ano, para, em seguida, ser assinado mais um protocolo entre os parceiros, garantindo a continuação do Renature Monchique por mais um ano e novo cheque de 250 mil euros.

Fowler salientou que a Ryanair está «grata pelo contributo dos nossos clientes que nos permite apoiar ajudar a comunidade local» e também «orgulhosa pelo trabalho desenvolvido durante o primeiro ano» do projeto. «Estamos empenhados em minimizar o impacte que o nosso negócio tem no ambiente e satisfeitos pelo progresso da iniciativa Renature Monchique», que agora irá continuar.

João Dias Coelho, presidente do GEOTA, explicou que «a renovação deste compromisso por parte da Ryanair possibilita-nos continuar a apoiar a recuperação de habitats florestais importantes e únicos nas áreas devastadas pelas chamas e a restaurar as paisagens culturais desta área, um importante destino turístico nacional e internacional».

O dirigente da associação ambientalista manifestou ainda a esperança de que «o Estado pegue no Fundo Ambiental e o dirija para este tipo de iniciativas», para que «possa, no futuro próximo, também comparticipar neste esforço coletivo».

Joaquim Castelão Rodrigues, diretor regional do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), pegou na deixa e falou do Programa de Transformação da Paisagem, que, entre as 20 áreas de intervenção previstas em todo o país, aponta duas no Algarve – São Brás de Alportel, na serra do Caldeirão, e Monchique/Silves.

Sublinhando que «não queremos uma floresta igual ao passado», Castelão Rodrigues falou das possíveis ligações entre estes planos de transformação da paisagem e a intervenção do GEOTA no terreno, nomeadamente no projeto Renature Monchique.

João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve, enfatizou que «a Ryanair acredita no Algarve e é merecedora da maior gratidão e reconhecimento da região. Num contexto globalmente adverso para o setor das Viagens e Turismo, em geral, e para o transporte aéreo, em particular, é notável o compromisso da Ryanair e dos seus passageiros para com a renaturalização da Serra de Monchique».

Por isso, o responsável pelo Turismo manifestou o seu contentamento «com os donativos e com a oportunidade que criam no desenvolvimento sustentável da natureza algarvia, adicionando novas procuras turísticas pelo destino ao longo do ano e em todo o território».

«Sem a vontade de todas as partes envolvidas não seria possível promover o restauro ecológico da terra e das florestas de Monchique em harmonia com o restante território do Algarve, que no seu todo continua a ser o principal destino de férias em Portugal», disse ainda João Fernandes.

Esta «boa relação entre o Turismo do Algarve e as companhias aéreas e os operadores turísticos internacionais é um benefício para a competitividade da região, porque os turistas de hoje querem cada vez mais destinos que apostem na sustentabilidade», concluiu.

 

Paisagem resiliente na Serra de Monchique – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Por seu lado, Rui André, presidente da Câmara de Monchique, sublinhou que «os incêndios são uma fratura exposta do que é a organização social do nosso território», que não deve ser bom «apenas para ser observado e visitado, mas para ser vivido».

«O incêndio de 2018 tem de ser necessariamente o ponto de partida para voltarmos a construir o equilíbrio no território, entre o homem, os animais e a natureza». Este projeto, acrescentou, é a «consolidação da cidadania participativa em favor da mudança e da defesa do ambiente». Por isso, defendeu o autarca, «este projeto tem de ser um exemplo para o futuro!»

Como já aconteceu neste primeiro ano, quando foram plantadas 62 mil árvores, no segundo pretende-se plantar mais 75 mil, mas sempre de espécies autóctones, próprias desta região: carvalho-de-Monchique, sobreiro, castanheiro, medronheiro, carvalho-português, freixo e amieiro.

Trata-se de uma «reflorestação feita com respeito pelos ecossistemas naturais e com as espécies autóctones da floresta desta região», explicou João Dias Coelho, presidente do GEOTA, na cerimónia de assinatura do protocolo.

A grande maioria das plantas provém dos Viveiros Dinis, situados na Nave, em Monchique. «Tentamos que todos os materiais sejam o mais locais possível, até as plantas». Só o carvalho-de-Monchique, cuja produção não é muito rentável economicamente, provém dos viveiros do ICNF.

Mas, como constatou o Sul Informação quando andou por montes e vales da Serra de Monchique a conhecer o trabalho da equipa do GEOTA, o que se pretende não é apenas plantar árvores. É também garantir a gestão futura de uma floresta mais resistente ao fogo, porque mais adaptada à terra. Para já, depois dos primeiros 250 mil euros garantidos em 2019 pela Ryanair, como parte da iniciativa de compensação das emissões de carbono da companhia aérea, há novo cheque no mesmo montante.

Mas não se sabe como será o futuro, até porque os negócios da low cost irlandesa levaram uma machadada com a pandemia e há agora muito menos passageiros que, são, afinal, quem de facto contribuiu para que a empresa reunisse a verba que paga estes dois primeiros anos do Renature Monchique.

A esperança é que o projeto, que está a dar resultados concretos, possa continuar e que surjam outras formas de financiamento. Talvez através do tal Programa de Transformação da Paisagem, que o Governo lançou em Junho passado e que irá canalizar para os territórios mais vulneráveis aos incêndios recursos financeiros provenientes do FEADER, do Fundo Ambiental e do Fundo Florestal Permanente.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

 

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