Arqueólogos escavam o Cerro do Ouro, para descobrir os mistérios da Serra de Monchique

Campanha arqueológica em dois locais megalíticos prolonga-se até meados de Verão e conta com cooperação e interesse internacional

António Faustino Carvalho e Fábio Capela no Cerro do Ouro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Cerro do Ouro. Um «nome fantasioso» para um monte onde, no início desta semana, começaram as escavações arqueológicas naquela que é a maior mamoa alguma vez encontrada na serra de Monchique. E o que é uma mamoa? É um túmulo megalítico, que deverá ter sido construído há cerca de 6000 anos, no alto daquele cerro de onde se avista, lá em baixo, metade da costa algarvia.

As escavações estão a cargo de António Faustino Carvalho, professor da Universidade do Algarve, e de Fábio Capela, o arqueólogo municipal de Monchique, e pretendem dar a conhecer os mistérios deste monumento que é 2000 anos mais antigo que as pirâmides do Egito ou 1500 anos mais antigo que os túmulos de Alcalar, situados no sopé da serra, já no vizinho concelho de Portimão.

Numa visita ao local, acompanhada pelo Sul Informação e por Rui André, presidente da Câmara de Monchique, um mês antes do início das escavações, António Faustino Carvalho, que não conhecia ainda o local, não escondia o seu entusiasmo: «É verdadeiramente impressionante. A mamoa do Cerro do Oiro está tão bem conservada que parece o prolongamento natural do cerro», dizia.

«Olha! Isto é um esteio! Há aqui pedaços por todo o lado», exclamou, levantando da terra uma pedra mais lisa que as que a rodeavam. «Só depois disto mais aberto conseguiremos apreender a importância do local e, a partir daí, definir uma estratégia».

Não menos entusiasmado estava Fábio Capela: «aqui está uma mó manual, uma das muitas que temos encontrado junto a estes monumentos», explicava, enquanto, de cócoras, apontava para uma pedra oblonga, muito polida, com uma cavidade na parte de cima. «Estas mós deveriam ser aqui colocadas como oferenda».

 

Fábio Capela mostra uma mó manual- Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Apesar de não ser um facto do conhecimento geral, a serra de Monchique é uma referência internacional no que diz respeito ao megalitismo europeu, a esta cultura cujas necrópoles (cemitérios) e monumentos eram feitos de grandes pedras.

Em toda a serra, haverá «mais de 30 necrópoles com mamoa». Na Palmeira, para os lados das Caldas de Monchique, há 16 sepulturas, sendo, segundo o arqueólogo Fábio Capela, «a maior necrópole conhecida até agora» naquelas paragens. No cerro do Esgravatadouro, que também será alvo de intervenção arqueológica este Verão, «haverá 9 sepulturas».

A descoberta da importância das «sepulturas das Caldas de Monchique», que desde meados do século passado são consideradas como uma das origens do megalitismo a nível da Europa», foi feita nos anos 30, por um trio de investigadores portugueses, conta António Faustino Carvalho.

O trio incluía José Formosinho, o único algarvio, que em 1937 fez 1º relatório sobre as descobertas arqueológicas, Abel Viana e Otávio da Veiga Ferreira, que era geólogo das termas de Monchique e que trabalhou também nos Serviços Geológicos de Portugal.

«Estes três amigos fizeram aqui muito trabalho, com muita qualidade para os padrões da época», levantando a ponta do véu sobre uma serra quase sagrada, onde o fenómeno do megalitismo teve uma expressão original. Os relatórios então feitos ainda hoje são estudados nas universidades da Europa: «Na Suécia, na Inglaterra, em França, sabe-se disto das sepulturas da Caldas».

«A paisagem que daqui se abarca, a presença da água que já brotava da montanha, o acidente geológico», tudo isto há-de ter influenciado os homens de há seis milénios a escolher estes locais para construir os seus monumentos funerários, salienta António Faustino Carvalho.

 

António Faustino Carvalho e Fábio Capela no Esgravatadouro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Fábio Capela, que conhece os montes, vales e ribeiras da serra de Monchique como ninguém, porque já os calcorreou todos a pé ou de jipe, descobriu – ou voltou a descobrir – muitos destes monumentos milenares depois do grande incêndio de 2018, que limpou os cerros e pôs a nu as estruturas.

«Em 2018, descobri este, do Cerro de Oiro, à qual os três investigadores não se referem». Na mesma zona, naquilo que hoje é identificado como Castelo da Nave 2, Fábio Capela encontrou um povoado pré-histórico. Porque se trata de monumentos do Neolítico, quando o homem não usava ainda os metais, além das grandes pedras que dão forma às sepulturas, o que se encontra são singelas «mós manuais, facas de silex, cerâmicas».

«Não há aqui tesouros! Mesmo o topónimo Cerro do Ouro é uma memória fantasiada, porque, quando esta mamoa foi construída, ainda não se usava os metais, nomeadamente o ouro», faz questão de salientar António Faustino Carvalho.

Fábio acrescenta: «tesouro, para mim, é se aparecerem os ossos das pessoas, nomeadamente os dentes, porque nos permitiriam saber o que comiam, como comiam, de onde vieram, que idade tinham, de que morreram». É que, explica, «temos estas sepulturas, mas não sabemos como viviam, porque nunca foram encontrados restos osteológicos, nem onde viviam estas pessoas».

«Viviam em cabanas, nos vales, junto às ribeiras», admite António, «pela paisagem, pelas águas termais que já brotavam aqui, pela proteção que a montanha dava».

«Porque se trata de solos ácidos, sieníticos, com um PH muito alto que destrói os ossos, não tenho muitas esperanças…mas, se houver restos humanos, poderia contar-se a história das pessoas que aqui viveram», reflete o arqueólogo e professor universitário. 

 

Fábio Capela, Rui André e António Faustino Carvalho no Cerro do Ouro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A primeira campanha de escavações arqueológicas no Cerro do Ouro, nesta que é, até agora, a maior mamoa descoberta na serra de Monchique, começou há uma semana e vai prolongar-se até meados de Agosto.

Uma mamoa, explica o arqueólogo Fábio Capela, «é uma anta, uma câmara funerária com corredor, originalmente coberta com uma colina artificial em terra e pedras», a lembrar uma mama. Daí o nome mamoa. 

Segundo o «arquétipo arquitetónico das antas, deverá ter um corredor orientado a sudeste (nascente)», acrescenta António Faustino Carvalho. «Normalmente, o corredor aponta para nascente, segundo a tradição neolítica de construção de túmulos».

As escavações arqueológicas deste Verão vão ainda incluir uma intervenção mais curta, talvez de quinze dias, no Cerro do Esgravatadouro ou do Buço Preto, do outro lado da serra.

Aqui, a proprietária é a D. Cidália, que é dona do terreno, com o marido, comprado há alguns anos e que garante que «sempre ouvi falar disso», de haver ali umas estruturas muito antigas. António e Fábio foram ter com ela ao local, a poucas centenas de metros da sua casa, para que a senhora desse autorização, por escrito, para desmatar e para os trabalhos arqueológicos.

As intervenções nestes dois locais resultam de um projeto a três anos, entre 2021 e 2023, que junta a Câmara Municipal de Monchique e a Universidade do Algarve. Tendo em conta a importância do megalitismo desta zona algarvia para a investigação internacional, o projeto envolve ainda a Universidade de Gotenburgo (Suécia), bem como outras academias e instituições de Portugal, Galiza, Itália e França.

A Universidade de Gotemburgo não só irá enviar para o Algarve arqueólogos e estudantes para participarem nas escavações estivais, como irá fazer e pagar as análises laboratoriais que vierem a ser necessárias. «Esta zona é referência a nível internacional», frisa António Faustino Carvalho. 

 

António Faustino Carvalho e Fábio Capela no Esgravatadouro – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Em ambos os locais – Cerro do Ouro e Esgravatadouro – a missão primordial dos arqueólogos será «limpar, registar, perceber melhor o que ali está. A ideia agora é recolher informação científica», como resume Fábio Capela. 

Depois, lá mais para o fim da campanha, quando já houver «mais para mostrar», «as pessoas daqui, os monchiquenses, serão convidados para visitar as escavações, para verem o que estamos a fazer e o que é que sai destas escavações». A data para este dia aberto ainda não está marcada, mas será em Agosto que «as pessoas da terra vão poder aparecer para conhecer e conversar connosco».

Muito curiosa em relação ao que será descoberto está Sónia Martinho e o seu marido, proprietários do Cerro do Ouro. Sónia é a engenheira florestal da Câmara de Monchique e, por isso, tem falado muitas vezes sobre o património do concelho – e as descobertas que o grande fogo de 2018 permitiu fazer – com Fábio, o arqueólogo municipal. «Antes de comprar este terreno, sabia que estava aqui alguma coisa, pelo nome e por conversas com o Fábio, já que costumamos trocar informação entre nós». 

Mas Sónia é, também, uma pessoa muito ligada à terra e ao seu valor, não em dinheiro, mas em património e valor natural. «A minha ideia é reabilitar a zona, arrancar as cepas dos eucaliptos, preservar os medronheiros e fazer a gestão de combustível», explica, em conversa com o arqueólogo responsável pelos trabalhos.

«A minha perspetiva da terra é que ela nunca é nossa, nós somos apenas seus cuidadores. Por isso, havendo um monumento destes, tem de ser preservado, também é uma herança», conclui.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 



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