O Sol, uma estrela só! Mas terá sido sempre assim?

Para coisas que vemos e são inexplicáveis, valemo-nos de boas explicações baseadas em coisas que não vemos.

O Sol é uma estrela. Para nós, habitantes da Terra, é o astro mais importante. O Sol é muito quente (com 6000 graus à sua superfície) e tem um diâmetro 100 vezes maior do que o da Terra.

Porém, a distância que nos separa do astro-rei, cerca de 150 milhões de quilómetros (valor que a astronomia denomina de “unidade astronómica”), proporciona uma coabitação cósmica que tem permitido a vida e a sua evolução neste pequeno ponto azul no Espaço, que é a nosso planeta.

Mas o Sol, sendo único para nós, é só uma das 100 mil milhões de estrelas que existirão na nossa galáxia, a Via-Láctea. Deste colossal número, mais de metade das estrelas pertencem a sistemas binários: estrelas que rodam uma em torno da outra num bailado estelar movido pela atração gravitacional mútua.

Tudo isto o leitor já saberá. O que é, talvez, menos conhecido é a ideia de que o Sol pode ter pertencido também a um sistema binário. Não há qualquer dúvida que o Sol, hoje, não tem a companhia de uma outra estrela.

Mas pode não ter sido sempre assim. Há menos de um ano, os investigadores Amir Siraj e Abraham Loeb, da Universidade de Harvard, Cambridge, nos Estados Unidos da América, num artigo científico de cinco páginas, defenderam a teoria que o Sol na sua formação (ou seja, há cerca de 5 mil milhões de anos) poderá ter tido uma estrela companheira, de igual massa, a uma distância de cerca de 1500 unidades astronómicas.

Em termos de comparação, diga-se que Neptuno – o mais longínquo dos planetas do sistema solar – encontra-se a umas “poucas” 30 unidades astronómicas do Sol. Esta tão grande distância poderia explicar a razão pelo qual esta suposta estrela já não se encontra hoje entre nós, reduzida que era a tal atração gravitacional mútua. Longe da vista, longe do coração!

Mas porque razão estes investigadores se deram ao trabalho em sustentar tão peculiar teoria? A motivação é comum em ciência: tentar resolver um problema em aberto. No caso, trata-se da origem da nuvem de Öpik-Oort, um enorme aglomerado de pequenos corpos que se distribuem em forma aproximadamente esférica, em torno do Sol, a uma distância de mais de 10 000 unidades astronómicas.

Esta nuvem, composta por calhaus longínquos, é o berço de cometas com órbitas de milhares de anos de período, e o seu nome honra dois destacados astrónomos do século XX que sobre ela discorreram: o estónio Ernst Öpik e o holandês Jan Oort. Pois bem, desde há largos anos que os astrónomos têm dificuldades em explicar como é que esta nuvem se formou.

Segundo Siraj e Loeb, a existência de uma segunda estrela no sistema solar poderia ajudar a explicar. O argumento que está na base desta ideia é simples: uma outra estrela “colocada” à distância certa teria permitido manter e concentrar a nuvem de milhares de pequenos corpos, algo que uma estrela apenas – o Sol – teria dificuldade em fazer.

Por outro lado, esta ajuda não terá sido durante muito tempo: os investigadores estimam que a companheira solar esteve por cá durante “apenas” 100 milhões de anos tendo sido posteriormente ejetada. Sim, para que não haja dúvidas: presentemente não há mais nenhuma estrela no sistema solar para além do Sol.

Se existisse uma estrela como o Sol a “apenas” 1500 unidades astronómicas já seria conhecida desde a antiguidade. E assim se “inventa” uma estrela nova para resolver um problema velho. Em suma, para coisas que vemos e são inexplicáveis, valemo-nos de boas explicações baseadas em coisas que não vemos.

Está o leitor confuso? Compreendo, mas garanto-lhe que é uma técnica usada em astronomia mais vezes do que se pensa e tem dado bons resultados ao longo dos tempos. E porque já dele falamos, recordemos que a descoberta de Neptuno se deveu às previsões matemáticas do francês Urbain Le Verrier, em 1846, que, sabendo das perturbações anómalas na órbita de Urano, postulou que deveria haver um planeta ainda não conhecido a interferir no movimento uraniano. E tinha razão.

O alemão Johann Galle, do Observatório de Berlim, nesse mesmo ano e motivado por estas reflexões, descobriu Neptuno. Por curiosidade, adiantamos que algo que funciona uma vez pode não funcionar na vez seguinte: em face de reportadas anomalias, agora, na órbita de Mercúrio, o mesmo Le Verrier, em 1859, preveria a existência de um novo planeta com uma órbita ainda mais próxima do Sol. Até se lhe deu nome: Vulcano.

Bem se procurou, mas nunca ninguém o viu porque, na realidade, não está lá. Estas anomalias só viriam a ser explicadas fazendo uso da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, no início do século XX.

Regressemos à suposta estrela companheira do Sol. E agora? Como científica que é, a teoria terá que fazer o seu caminho confrontando-se em permanência com novas ideias e descobertas, resistindo (ou não) ao saudável contraditório imposto pela ciência e pela natureza.

Dito por outras palavras, dentro de alguns anos poderemos estar aqui a escrever que esta teoria, sobre uma efémera companheira solar, se consolidou e faz parte dos livros de escola dos nossos filhos, ou até que foi refutada em face de novas evidências e não passará de um parágrafo numa qualquer revisão da história da astronomia no século XXI. É a ciência a funcionar …

Autor: João Fernandes, astrónomo, FCTUC.
João Fernandes nasceu em Arcos de Valdevez e é Professor Auxiliar do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra desde 1999.
Doutorou-se em Astrofísica e Técnicas Espaciais pela Universidade de Paris VII (em 1996) e desde então faz das estrelas a sua área principal de investigação.

 
 

 
 



Comentários

pub