Falta água?

O cidadão, apesar de a água ser um bem essencial, tem andado arredado, ou foi arredado deste processo

Em meados do século passado, Manuel Gomes Guerreiro, 1º reitor da Universidade do Algarve, afirmava que a água que caía no Algarve “não encontra vegetação capaz de a suster e nem o solo tem espessura suficiente ou teor de matéria orgânica que obrigue uma percentagem dessa água a infiltrar-se”, o que antecipava problemas relativos ao uso da água.

O aumento da temperatura e a diminuição da pluviosidade, causadas pelas alterações climáticas, confirmam essa previsão e indicam que a situação se vai agravar.

Mas não foi só o clima que mudou: o consumo da água aumentou muito.

No entanto, a questão da falta, ou não falta, de água não é linear, nem inteligível para muitos cidadãos, porque falta água nas barragens, em alguns furos de captação e outros, junto à costa, já têm água salgada, mas não falta água nas torneiras, nem nos sistemas de rega da agricultura.

E, quando chove, pouco ou torrencialmente, há quem pense que o problema está em vias de ser resolvido.

Portanto, é urgente divulgar informação objectiva, mas acessível.

 

Quanta água temos?

A água que usamos tem origem subterrânea (captada em aquífero por furo), superficial (de barragem distribuída pela rede das Águas do Algarve) e, em quantidade ínfima, em água reutilizada.

Nos últimos anos, tem havido secas moderadas ou severas. Em Novembro, nas barragens, com excepção da do Funcho, a cota é baixa, ou muito baixa (Figura 1); mesmo na do Funcho a cota é inferior à do ano passado (Figura 2).

 

Figura 1

Figura 2

 

Os aquíferos, com excepção do de Tavira, estão abaixo do percentil 20:

 

Figura 3 – Fonte SNIRH

 

Quanta água consumimos e em quê?

Segundo informações divulgadas pela Administração Regional Hidrográfica do Algarve, por ano, consumimos mais ou menos 230 hm3 de água, da rede e de furos.

>Desse total, 56,8% é para agricultura; 33,9% para consumo urbano; 6,4 para golf; 2,9 para áreas várias, entre elas a indústria.
>30% da água distribuída nas redes municipais perde-se.
>74% da água gasta na agricultura é de origem subterrânea.
>94% do abastecimento público é de origem superficial.
>O golfe utiliza água subterrânea e alguma, pouca, água reutilizada.
>O Barlavento gasta mais água subterrânea e o Sotavento usa mais água superficial, o que influencia as reservas de água dos aquíferos e das barragens dessas zonas.

Alguns factos ressaltam destes dados:

>A pluviosidade não permite que se aumente o consumo da água.
>A água que se perde nas redes é muito significativa.
>O grande consumidor de água é o sector da agricultura de regadio.

 

Que soluções estão a ser equacionadas? Por quem?

A Comunidade Intermunicipal do Algarve/AMAL, com os contributos da sociedade civil, elaborou o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas (PIAAC).

Se as alterações climáticas não atingirem o pior dos cenários, a escassez de água poderá ser resolvida apenas através de “Melhorar as políticas atuais”, “Implementar técnicas de retenção de água” e “Reutilizar águas residuais”.

Os Ministérios do Ambiente e da Agricultura publicaram, posteriormente, o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA); criaram uma comissão para avaliar a viabilidade de novas barragens, transvase ou dessalinização, soluções que exigem investimento, têm impactos ambientais e levam tempo a concretizar.

Para algumas entidades, públicas e privadas, o problema tem sido colocado numa perspectiva meramente económica.

Há grupos de pressão para que sejam aprovadas certas soluções.

O cidadão, apesar de a água ser um bem essencial, tem andado arredado, ou foi arredado deste processo.

Muito recentemente, associações e movimentos de cidadãos, A Rocha, Água é Vida, Almargem, CIVIS, Faro 1540, Glocal Faro, Quercus e Regenerarte uniram-se na Plataforma Água Sustentável-PAS, para desenvolver um trabalho comum com vista a soluções sustentáveis. Exigem igualmente que as entidades regionais e nacionais as tenham como parceiras de pleno direito neste processo.

Todos temos uma palavra a dizer!

A água não é apenas um bem essencial para o homem, é-o para todos os seres vivos. Se os ecossistemas colapsarem, também a vida humana, no limite, pode desaparecer.

 

Autora: Rosa Guedes é licenciada em Filosofia e membro da Glocal Faro
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