Algarve: confinar para pensar

É por demais evidente que o Algarve é uma região muito dependente do exterior e está sujeita à dinâmica de atividades sobre as quais não tem qualquer tipo de controlo

Como estamos a entrar num período de confinamento intermitente, já que vamos ter que abrandar, aproveitemos para pensar um pouco no nosso futuro comum.

Estes tempos estranhos e imprevistos que se vivem estão a trazer à evidência a absoluta necessidade de diversificação da base económica do Algarve. A super especialização do Algarve na cadeia de valor do turismo e do lazer, com todas as atividades relacionadas e interdependentes, como os transportes, imobiliário e construção, conduziu a um cenário de autêntica catástrofe económica em que fica demonstrado como a Região é vulnerável em tempos de crise.

Não me vou alongar em estatísticas, porque já antes o Professor Luis Coelho o fez de forma clara, num texto que está perfeitamente atual.

Cabe notar que esta crise é diferente de todas as outras. A crise da covid-19 está identificada, antes de mais, como uma crise dos serviços, sendo que vários estudos internacionais não escondem que nos espera uma recuperação demorada.

É por demais evidente que o Algarve é uma região muito dependente do exterior e está sujeita à dinâmica de atividades sobre as quais não tem qualquer tipo de controlo, como seja, por exemplo, o caso dos transportes aéreos, que é um dos setores mais afetados a nível mundial, com várias companhias a deixar os aviões em terra.

A equação é simples: sem transporte aéreo não há turistas e sem turistas a economia regional fica reduzida a menos de 50% daquilo que seria se o turismo estivesse a funcionar normalmente.

O futuro a médio prazo é preocupante: agências internacionais admitem que o próximo Verão até poderá ser razoável, como este último, mas não vai ser suficiente para recuperar, sendo mais prudente fazer contas a pensar no regresso da dinâmica de 2019 lá mais para 2022 ou 2023.

Nas últimas semanas, os presidentes da AMAL e da CCDR vieram a público defender como é imperioso diversificar a base económica da região. A ideia, naturalmente, é válida e mais pertinente do que nunca mas convenhamos que não é completamente nova.

Um dos primeiros planos de desenvolvimento regional promovido pela CCDR em meados nos anos 80 já apontava o dedo e propunha a diversificação da base económica regional. Estávamos, então, a poucos anos de começar a receber as ajudas da adesão de Portugal à CEE (1986). Nessa altura, como hoje, é a visão do acesso a financiamentos europeus que promove a unidade em torno da elaboração de um plano de investimentos alegadamente estratégicos a nível regional.

Como cada político de turno gosta de deixar a sua marca, quem veio a seguir decidiu arquivar o caminho da diversificação. No plano que serviu de base ao Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, o chamado Eixo 1 da estratégia propunha-se mesmo “assumir com determinação a especialização no complexo de atividades do Turismo/Lazer como o polo dinamizador e catalisador do crescimento económico da Região”. E afirmava-se que “esta opção implica, a prazo (…) romper com a miragem de uma diversificação de atividades sempre adiada (procurando ter de “tudo um pouco”).

Escrevia-se, na altura, que “o diagnóstico realizado e os desafios colocados desenham fortes probabilidades para a abertura de um ciclo de renovação e mudança que estabelece os contornos de um novo modelo de desenvolvimento estratégico da base económica do Algarve”.

Quem tiver curiosidade, pode aceder aos vários planos que têm servido de base à estratégia regional, pelo menos os publicados com referência aos QCA III (2000-2006), QREN (2007-2013), CRESC 2020 (2014-2020), disponíveis na biblioteca digital da CCDR, clicando aqui. As versões anteriores, só mesmo em papel em alguma biblioteca ou centro de documentação.

As notícias recentes dão conta de que a AMAL está a desenvolver este Plano que poderá contribuir para diversificar a base económica regional, com apoio da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e de uma consultora internacional. É uma boa notícia.

Os projetos que forem aprovados neste Plano de Recuperação vão espelhar a preocupação e expectativas dos 16 municípios do Algarve em várias áreas (nomeadamente saúde, habitação, mobilidade, alterações climáticas) e terão de ser executados até 2026.

Falta saber quais são esses projetos e observar se, na realidade, têm objetivos regionais ou se vão ser 16 conjuntos de projetos locais.

Vamos acreditar, até ver, que os projetos em causa têm de facto o objetivo de preparar a região para o futuro, tornando-a mais resiliente e com áreas mais diversificadas na sua base económica, não ficando apenas dependente do turismo e da imobiliária. É necessário salvar as empresas da região, valorizar a economia local e criar condições de sustentabilidade dos seus postos de trabalho.

Os fundos da União Europeia, sejam o chamado Next Generation (criado para responder à pandemia) ou os previstos no Quadro Comunitário 2021-2027 vão ser cruciais.

O momento em que estes fundos vão estar disponíveis para as empresas e para os vários organismos vai ser determinante para acelerar a recuperação da economia.

Seria importante que alguém se preocupasse em agilizar os mecanismos de gestão destes financiamentos. Demasiado tempo para injetar este dinheiro na economia pode ser fatal para muitas empresas e, em consequência, para os postos de trabalho e para a sustentabilidade das famílias.

 

Autor: Paulo Pereira
Membro da Ordem dos Economistas

Paulo Pereira é licenciado em Gestão Financeira pela ESGHT e Pós-graduado em Finanças Empresariais pela FEUALG. Depois de várias colaborações na imprensa regional, viria a ser representante do Semanário Económico na Região até à sua passagem a diário. Há cerca de 25 anos fundou a NEOMARCA, onde trabalha como consultor de empresas, tendo-se especializado na área dos apoios e incentivos ao investimento, incluindo ainda duas passagens por funções públicas em Vila Real de Santo António e Portimão. Fez parte da Comissão Fiscal da Câmara de Comércio e Industria de Portugal e integrou os órgãos sociais da BICS – Associação dos Centros de Empresa e Inovação Portugueses.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

 

Ajude-nos a fazer o Sul Informação!
Contribua com o seu donativo, para que possamos continuar a fazer o seu jornal!

Clique aqui para apoiar-nos (Paypal)
Ou use o nosso IBAN PT50 0018 0003 38929600020 44

 

 



Comentários

pub