O estranho caso da pandemia e do preço que não desce

Preço médio das casas vendidas em Portugal durante o 2º trimestre apenas se reduziu em 1%, embora número de vendas de casas tenha regredido em mais de 20%

Com o advento da pandemia de Covid-19, a lógica ditaria que a redução da atividade económica generalizada forçaria os preços do imobiliário a seguir o mesmo caminho.

No entanto, a realidade arranja maneira de contrariar as expectativas; segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, o preço médio das casas vendidas em Portugal durante o segundo trimestre apenas se reduziu em 1%, muito embora o número de vendas de casas tenha regredido em mais de 20% para o mesmo período.

O Algarve é especialmente interessante, tendo-se verificado uma redução no número de transações na ordem dos 35,5% na região, em pleno contraste com os 8% de subida do valor médio de venda.

Como se explica este efeito contranatura, quando se esperaria que o mercado imobiliário afundasse repentinamente?

Há várias explicações concorrentes e complementares para este efeito. Uma das explicações mais imediatas consubstancia-se nas medidas implementadas pelo Estado para colmatar as perdas de rendimento sentidas durante o período de confinamento, tais como o lay-off , e principalmente, as moratórias que suspendem o pagamento dos empréstimos.

Estas medidas reduziram o risco de incumprir nos compromissos financeiros e como tal, refreou quaisquer necessidades de venda apressada de casas.

Por outro lado, a política monetária prosseguida no período pós-Grande Recessão também assume especial explicação para estes efeitos; se, por um lado, o preço do dinheiro encontra-se historicamente baixo, a imposição de novos quadros regulatórios e todo um novo nível de exigência em relação ao financiamento imobiliário impôs alguma disciplina na concessão de crédito.

Os mutuantes que adquiriram casa nos últimos anos não se encontram em situação tão frágil como se encontravam durante a Grande Recessão da década passada.

Com os juros baixos, o imobiliário contínua a dar sinais de ser um bom investimento, quando comparado com as alternativas de investimento.

Aqui entram em jogo as expectativas dos vendedores, que continuam a visualizar a pandemia como algo transitório e temporário, pelo que as suas expectativas de venda se mantêm semelhantes ao pré-Covid, embora possam alterar-se, à medida que o tempo avança.

No entanto, e talvez mais devido à pandemia, o produto imobiliário ainda é um produto desejado; o período de confinamento foi especialmente brutal, e com muitas pessoas a recorrerem ao teletrabalho, algumas poderão ter-se apercebido de que não dispõem de espaço suficiente, e irão procurar novos lares, com mais espaço.

Finalmente, há que se ter em conta que, muito embora a construção seja retratada como um setor fulgurante, a verdade é que a esmagadora maioria das transações de imóveis dizem respeito a habitações já existentes. Apenas 14,4% das habitações transacionadas no segundo trimestre de 2020 eram novas.

Se, no período 2001/2009, o parque habitacional nacional subiu quase 9%, no período de 2009/2019, este apenas cresceu 2% no período de 2009/2019, o que demonstra, de alguma forma, que a oferta de construção nova não acompanhou a procura nos últimos anos.

O elevado custo de construção, a crescente complexidade da legislação sobre a construção, a escassez de capital e a ausência de crescimento dos zonamentos previstos nos PDM municipais asfixiam a construção nova.

Todas estas as condições do mercado imobiliário mantêm os preços estruturalmente elevados. O número de edifícios de construção nova licenciados para habitação familiar de 2019, à escala nacional (12630 edifícios, segundo dados da Pordata), é um quarto do verificado em 2001.

Poderão os preços do imobiliário continuarem a manter o seu vigor? Inevitavelmente, com o prolongar da pandemia, com a possibilidade da rede de suporte providenciada pelo Estado e com as moratórias de crédito a serem levantadas, é expectável que o preço dos imóveis possa infletir.

No entanto, e dado que níveis de incerteza crescentes têm efeitos inversamente proporcionais na atividade económica, poderemos assistir a uma desaceleração do investimento na construção e na atividade imobiliária, com efeitos importantes na oferta imobiliária.

A maior exigência no fornecimento de crédito bancário à habitação, bem como a maior poupança verificada durante o período de pandemia, também faz dos mais recentes compradores de imóveis um pouco mais resilientes às crises.

Em Portugal, mantendo-se a atual política monetária e dado que a oferta de habitação nova ainda nem sequer atingiu níveis semelhantes aos da última recessão, talvez nem a pior recessão das últimas décadas possa reduzir o preço do imobiliário.

 

 

Autor: António Guerreiro é licenciado em Economia e Mestre em Marketing pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, tendo efetuado pós-graduações nas áreas das Finanças Empresariais, da Fiscalidade e dos Sistemas de Informação Geográfica na UAlg e de Avaliação de Ativos Imobiliários no ISEL.
Concluiu a parte curricular do Programa de Doutoramento em Gestão de Inovação e do Território na Universidade do Algarve.
É escritor e colunista ocasional, com vários artigos publicados na imprensa regional e mantém um espaço de opinião num jornal regional.
Membro efetivo da Ordem dos Economistas e da Ordem dos Contabilistas Certificados, é Gestor de profissão, com experiência em retalho e imobiliário e interessa-se especialmente por desenvolvimento regional, ordenamento do território, inovação e empreendedorismo.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

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