Carta aberta a Miguel Sousa Tavares

«A Greta incomoda-o porque ela está do lado certo da história, porque envergonha gerações incapazes de travar o problema ambiental»

No seu habitual espaço de comentário sobre a atualidade, numa estação de televisão, Miguel Sousa Tavares proferiu as seguintes palavras: «eu estou um bocadinho farto da Greta Thunberg. Acho que ela é a Joacine Katar da Escandinávia». Esta afirmação, marcada pela prepotência e desrespeito de um adulto de 67 anos para com uma menor de 16 primaveras e uma deputada da Assembleia da República Portuguesa, motivou-me a escrever esta carta, que, pela sua natureza, deve ser pública.

Deixarei de lado as apreciações sobre a Joacine inerentes à declaração em apreço, para me centrar no que aqui decidi priorizar.

Em termos introdutórios, gostaria de relembrar a Miguel Sousa Tavares um pouco do percurso de Greta Thunberg. A vida desta jovem mudou radicalmente a partir de Agosto de 2018, na altura com 15 anos, quando decidiu manifestar-se sozinha à porta do Parlamento sueco, em Estocolmo.

Este momento ficou registado numa publicação que a própria fez no Instagram, na qual utilizou as seguintes palavras: «Nós, crianças, geralmente não fazemos o que nos dizem para fazer, nós fazemos o que vocês fazem. E já que vocês adultos não se importam com o meu futuro, eu também não. Estou a fazer greve pelo clima até ao dia das eleições [legislativas suecas, agendadas para 9 de Setembro de 2018]».

Nos dias que se seguiram, vários jovens e adultos juntaram-se a Greta em atos simbólicos em frente ao Parlamento e em outros locais da cidade, culminando com uma manifestação algo expressiva na véspera do ato eleitoral.

O que começou com o mais pequeno dos protestos – uma pessoa, um cartaz escrito à mão e uma foto – transformou-se num movimento internacional, com mais de sete milhões de pessoas, em todo o mundo, a saírem às ruas em Setembro em defesa do ambiente.

Em resposta à dinâmica gerada e às inúmeras solicitações que tem recebido, a jovem sueca decidiu tirar um ano sabático para poder fazer campanha pela causa ambiental e dedicar o seu tempo ao reforço do movimento. Várias têm sido as organizações a manifestar apoio a esta jovem e aos propósitos que a movem.

O seu protagonismo foi bem recebido pelas Nações Unidas, ao ponto de a convidarem para dois eventos: a Cimeira da Ação Climática, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, em Setembro, e a 25ª Conferência sobre as Mudanças Climáticas, em Madrid, Espanha, este mês de Dezembro.

Ao aceitar estes convites, Greta Thunberg optou por ser coerente com os seus princípios, realizando a viagem de forma menos poluente possível, evitando, assim, o recurso aos aviões pelo impacto negativo que têm sobre o ambiente. Viajou da Suécia até Inglaterra de comboio e depois seguiu num veleiro até Nova Iorque, consumindo cerca de duas semanas para fazer este trajeto.

No regresso à Europa, a jovem sueca apanhou boleia de uma família, num catamarã de 12 metros, também este concebido para se mover com recurso a energia renovável. A travessia durou 21 dias. Não gosto de me repetir, mas, neste caso, acho importante fazê-lo: 21 dias! Este período foi passado num barco, entre a América e a Europa, a enfrentar tempestades e um oceano agitado, dormindo num saco-cama, alimentando-se da forma possível, longe da família, dos amigos e do conforto de sua casa.

Para aumentar o aborrecimento do Miguel Sousa Tavares, a revista norte-americana Time elegeu a ativista sueca como personalidade do ano, a mais jovem figura a ser distinguida com esta atribuição desde 1927. A escolha foi motivada pelo facto de Greta Thunberg ter conseguido «soar o alarme em relação ao relacionamento predatório da humanidade com a única casa que temos, por trazer a um mundo fragmentado uma voz que transcende fronteiras, por nos mostrar a todos o que pode acontecer quando uma nova geração nos guia».

Caro Miguel Sousa Tavares, eu consigo compreender a razão pela qual a personalidade do ano o incomoda. Isso acontece porque Greta Thunberg recorda a inércia e o conformismo da sua geração. Mais do que farto, o senhor devia ficar envergonhado por estar sentado em casa ou na cadeira a partir da qual faz os seus comentários televisivos, sem se comprometer com algo que efetivamente faça a diferença na vida das pessoas.

As suas apreciações semanais na televisão cabem perfeitamente na seguinte expressão que a jovem tem utilizado: «Como se atrevem? Vocês roubaram-me os sonhos e a infância com as vossas palavras vazias».

Vazio é exatamente o que sentia quando ouvia os seus comentários. Deixei de o fazer porque fiquei farto de si. O estilo com que se refere às pessoas de que não gosta ou despreza, variadas vezes com arrogância e prepotência, faz-me lembrar que o senhor poderia ser o Trump da Península Ibérica, por comparação com a Joacine da Escandinávia. Felizmente, o Miguel Sousa Tavares não tem funções governativas.

Em 16 meses, desde que foi fotografada pela primeira vez em frente ao Parlamento sueco, o mundo passou a assistir a mobilizações muito significativas, de pessoas comuns, que pedem medidas urgentes em defesa do Planeta. O que é que o senhor fez ou está a fazer sobre este assunto? Lê jornais, faz as suas análises e critica quem se mobiliza para defender o bem comum.

Greta Thunberg vale pelo que representa e não pelas expressões que utiliza. Não desvalorize o conteúdo pela forma. Não seja medíocre. Não corra a comentar o que os outros fazem. Seja consequente com o que diz e não apenas um balão de ar que se esvazia semanalmente em função dos temas da atualidade. Antecipe-se no tempo. Traga a todos contributos efetivos para um mundo melhor.

Eu acredito que não tenha gostado de se rever nas críticas que a jovem tem feito, mas não seja mesquinho. Seja um adulto e peça desculpas pelo que disse. Greta representa, entre muitas outras coisas, uma mensagem e uma ação contracíclicas, vitais para o mundo moderno. Não se junte ao grupo que utiliza todos os argumentos, mesmo os mais desprezíveis, para diminuir e desvalorizar o que Greta Thunberg tem feito.

Na idade dela, o normal nos dias de hoje seria estar preocupada em encontrar um namorado, em dedicar uma boa parte do tempo a navegar nas redes sociais e tirar selfies nos momentos de diversão.

A Greta incomoda-o porque ela está do lado certo da história, porque envergonha gerações incapazes de travar o problema ambiental e porque não se restringe a comentar a atualidade. O seu compromisso é com o futuro de todos nós.

 

Autor: Nelson Dias é sociólogo e consultor.

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