A miragem dos transportes no Algarve

Mais e melhores transportes públicos e consequentemente mais alternativas de mobilidade são prioridade

Há décadas que todos sabemos que a rede de transportes no Algarve é deficitária, desestruturada, ineficiente e muito pouco atrativa do ponto de vista do serviço público. Não serve as pessoas e não serve a região.

Não se trata, portanto, de uma novidade, sabemos que é assim há muito tempo. Os operadores de transporte fazem o seu papel na quase ausência de medidas do Estado e respetivas indemnizações compensatórias. Mas, apesar do óbvio, os decisores políticos esquecem e ignoram um problema que afeta o dia a dia dos Algarvios, prejudica fortemente a qualidade da oferta turística limitando a produtividade da economia regional.

A mobilidade na nossa região é dependente do automóvel, influenciando negativamente a atividade turística. A esmagadora maioria dos que nos visitam vem de automóvel e muitos dos que nos chegam pelo Aeroporto garantem o aluguer da viatura no local.

Já não é só na época alta que chega a ser caótica a circulação nas principais estradas da região, com inevitáveis consequências ao nível da segurança rodoviária onde o Algarve lidera o ranking das regiões com maior número de acidentes com vítimas por habitante (2017, Pordata).

À partida, bastaria um olhar atento aos dados relativos ao tráfego automóvel nas nossas estradas, aos números preocupantes da sinistralidade, às nefastas consequências ambientais e à sua correlação com um sistema de transportes públicos ineficientes e a consequente imagem de subdesenvolvimento que se transmite para o exterior de uma região que é dependente da atividade turística, para se perceber que um efetivo investimento nos transportes públicos é demasiado evidente, urgente e prioritário.

Em junho de 2015 e ainda durante a vigência do anterior Governo, entrou em vigor o Regime Jurídico do Serviço do Transporte de Passageiros. Uma verdadeira reforma estrutural neste sector, que permitiu assim uma profunda alteração ao modelo institucional de planeamento e gestão do serviço público de transporte de passageiros e do respetivo quadro legal.

As Câmaras Municipais passaram a ser as Autoridades de Transporte, com a possibilidade da delegação de competências através da celebração de contratos interadministrativos com as respetivas Áreas Metropolitanas ou Comunidades Intermunicipais.

No Algarve, e bem, as Autarquias transferiram as suas competências no âmbito do transporte público interurbano para a AMAL. Todo o processo técnico-administrativo foi devidamente calendarizado e com o apoio do Instituto de Mobilidade e Transportes.

Mas ao fim de quatro anos, quase tudo se encontra por fazer, o Algarve continua com a mesma rede de transportes, os mesmos horários, a mesma ineficiência.

Não houve visão nem decisão política, não houve capacidade técnica nem responsabilidade para assegurar um melhor serviço público de transportes para a região.

Soubemos ainda que o atual Governo primeiro retirou do Plano Ferroviário 2020, depois prometeu, por fim adiou mais uma vez a ligação ao Aeroporto de Faro. A linha do Algarve deveria que ser a alternativa sustentável à EN125 está moribunda. Os horários regionais são incompatíveis, muitos diariamente suprimidos, as imagens das estações e das composições envergonham o Algarve e o país em qualquer parte do mundo.

Neste período, para além dos demorados e recorrentes estudos técnicos que habitualmente sustentam as indecisões com base no interesse político imediato, a AMAL optou primeiro seguir a estratégia eleitoralista do Governo, preferindo antes das eleições e ao fim de todo este tempo, começar a “construir a casa pelo telhado”, subsidiando também os títulos de transporte
na região.

Não se contesta os benefícios sociais da medida, mas a mesma é desde logo reduzida à sua insignificância porque é desarticulada e insuficiente considerando o serviço público prestado aos utentes e não acrescenta qualquer valor à economia
regional.

Se existisse verdadeira responsabilidade política já deveria ter avançado, como está previsto, o Concurso Público Internacional para a Rede de Transportes Interurbanos do Algarve.

Apostando numa rede moderna, eficiente e adequada aos principais movimentos pendulares, respondendo às necessidades de cada território da nossa região, acrescentando valor à nossa atividade económica, que inclua ainda carreiras de transporte a pedido para as áreas de baixa densidade e onde a procura é menos regular, com investimentos em novas e/ou melhores carreiras, com horários e frequências compatíveis e dinâmicas de acordo com a época do ano, com articulação aos transportes urbanos, ligações intermodais nas Estações Ferroviárias, no Aeroporto e nas Estações Fluviais, que inclua um sistema de bilhética com integração tarifária e utilização multimodal, tecnologicamente atual e bilingue em sistemas operativos.

Depois é ainda necessário convencer grande parte das Autarquias do investimento complementar que têm a responsabilidade de realizar na integração com a mobilidade suave e na acessibilidade pedonal, sem esquecer a implementação de corredores BUS nas vias mais congestionadas, dos abrigos de passageiros com informação e sinalética adequada.

Esta é verdadeiramente a prioridade. Mais e melhores transportes públicos e consequentemente mais alternativas de mobilidade. É provavelmente a mais estruturante medida para a região, garantindo um desenvolvimento ambientalmente sustentado, um serviço público eficiente e que aumente a qualidade de vida das pessoas e da nossa oferta turística. Não podemos deixar, como algarvios, que a continuem a ignorar.

 

Autor: Paulo V. V. Bernardo
Economista
Gestor da Mobilidade Urbana
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Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

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