E se a taxa turística servir para financiar a Via Algarviana?

Modelo de financiamento e de gestão estiveram em debate

«Porque é que a taxa turística não financia a Via Algarviana?». A pergunta, em jeito de desafio, foi lançada por João Ministro, da empresa ProActiveTur e um dos pais dessa grande rota pedestre e ciclável, no final das jornadas de reflexão sobre o papel da Via Algarviana no Ecoturismo do Algarve, que ontem decorreram em Alcoutim.

O futuro da Via Algarviana (ou Grande Rota 13) e do seu modo de financiamento e modelo de gestão foi o tema de uma mesa redonda que, à tarde, reuniu presidentes e vice-presidentes das Câmaras de Alcoutim, Vila do Bispo, Loulé, São Brás de Alportel, Portimão e Aljezur, bem como o presidente da Região de Turismo do Algarve, e ainda Filipe Silva, vogal do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal, e Anabela Santos, da Almargem, coordenadora da GR13.

João Fernandes, presidente da RTA, já tinha dito que continua a faltar à Via Algarviana «um financiamento estável e robusto» e um «modelo de gestão estável e estabelecido». «Nós todos reconhecemos o mérito ao projeto, mas, de cada vez que se muda de quadro comunitário, temos um problema».

«Os autarcas têm sido o garante do grosso do financiamento, a Almargem tem feito das tripas coração para não deixar cair o projeto, a RTA e a ATA têm dado o seu contributo», acrescentou. Mas, pelos vistos, não chega. Reconhecendo à associação, promotora e gestora da Via Algarviana, capacidade «de gerir» o projeto, desde que com os necessários apoios, João Fernandes insistiu que «falta estabelecer um modelo de financiamento que não nos deixe descalços».

Esta parece ser, porém, uma discussão que se eterniza. Adelino Soares, presidente da Câmara de Vila do Bispo, lamentou que «há dez anos andemos a falar da mesma coisa». O autarca comparou mesmo o projeto da Via Algarviana ao da Rota Vicentina, para dizer que este último «funciona muito bem», ao contrário do primeiro.

 

Painel com os empresários ligados à Via Algarviana
Painel com os empresários ligados à Via Algarviana

Uma afirmação que suscitou viva reação do público, onde estavam alguns dos empresários e outros agentes económicos que veem na Via Algarviana um dos únicos projetos que já está a contribuir para salvar o interior algarvio da desertificação humana. Alguns desses investimentos, no alojamento, restauração e na captação de utilizadores de todo o mundo para a grande rota pedestre e ciclável, tinham sido apresentados durante a manhã, nas Jornadas, como casos de sucesso.

Olga Ludovico, das Casas d’Aldeia (Vaqueiros, Alcoutim), frisou que «comparar a Via Algarviana com a Rota Vicentina é comparar o incomparável». «A Via Algarviana está a funcionar muito bem e é muito importante para este meio rural».

Otília Cardeira, presidente da Junta de Freguesia de Cachopo (Tavira) e também envolvida nas atividades locais, apesar de admitir que ainda falta mais «alojamento local», defendeu que «a Via Algarviana foi, até hoje, uma das melhores iniciativas para o interior». Tem trazido benefícios «na parte económica, mas também para as pessoas», que agora têm negócio e têm «companhia».

João Ministro, fundador da ProActiveTur, empresa dedicada ao turismo de Natureza que tira partido da Via Algarviana – nos últimos dois anos e até ao atual mês de Maio, trouxe 1600 turistas de várias nacionalidades e teve uma faturação de 1 milhão de euros -, já tinha explicado a originalidade da grande rota de 300 quilómetros que liga Alcoutim ao Cabo de S. Vicente, dizendo que tinha sido criada numa lógica de ecoturismo, mas sobretudo de «desenvolvimento do interior».

«Não tenho dúvidas de que a Via Algarviana é um dos melhores projetos de combate à desertificação e o que tem mais impacto», frisou.

Adelino Soares haveria de esclarecer melhor as suas palavras, que garantiu serem apenas para exortar os seus colegas autarcas a abrirem os cordões à bolsa, em relação a um projeto que deve ser assumido como «estruturante para toda a região». «Querem ou não querem a Via Algarviana? E se querem, como a vão financiar?»

«Não pode o Algarve ter esta única via que é estruturante e atravessa toda a região e não a apoiar», reforçou o autarca de Vila do Bispo. «A região tem de levar isto a sério, não se pode é estar sempre a mendigar apoios, nomeadamente aos autarcas, como agora acontece».

Para Filipe Vital, vice presidente da Câmara de Portimão, «seria uma tragédia que um projeto como este continuasse a ser apenas o produto da carolice de alguns». Apesar de não passar pelo seu concelho, «temos duas rotas de ligação à Via Algarviana, que são complementares ao turismo tradicional».

«Como é que andamos anos e anos a dizer que precisamos de produtos alternativos ao sol e praia e depois, quando os temos, não lhes damos atenção?», interrogou Filipe Vital.

Quando o assunto voltar a ser debatido na Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), garantiu, «lá estarei para discutir o modelo de financiamento».

 

Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara de Alcoutim e vice presidente da AMAL, admitiu que o tema voltará a ser discutido entre os autarcas. «Aposto que vamos ter mais sucesso que em anteriores tentativas».

Para o autarca alcoutenejo, a AMAL terá de encontrar «um modelo de financiamento com o qual nós nos comprometamos todos». Este é um caso em que, defendeu, terá de haver «subsidariedade regional».

Neste momento, a Via Algarviana já é apoiada e financiada, com diferentes graus de empenhamento, por treze dos 16 municípios. Alguns, como Albufeira, Portimão e Lagoa, são concelhos onde a Via não passa, mas onde existem trilhos de ligação e pequenas rotas complementares. Anabela Santos, na apresentação da candidatura que garantirá os investimentos que estão feitos, expressou o desejo de que os restantes três municípios também entrem no projeto.

Mas mesmo João Ministro manifestou algumas preocupações e admitiu «fragilidades» ao projeto da Via Algarviana. «Entre Alcoutim e Salir, a média de idades de quem gere os alojamentos anda pelos 70 anos», revelou.

Por isso, o empresário disse que é preciso, de facto, «defender um modelo de gestão onde os privados também possam participar», um aspeto que considera «fundamental para criar sustentabilidade do projeto».

António Carvalho, vice presidente da Câmara de Aljezur, também defendeu que os «agentes económicos no território», as empresas que operam e tiram benefícios da existência da Via Algarviana, devem passar a ser uma das fontes de financiamento.

Mas o foco principal, fez questão de sublinhar João Ministro, não pode ser o negócio e o lucro. «Tem de continuar a haver uma visão integrada do território». E só assim se poderá esperar que a Via Algarviana «alavanque cada vez mais estes territórios do interior, por trabalhar na vertente turística, mas também nas outras vertentes».
Então e quanto ao desafio da taxa turística que os municípios vão começar a cobrar também financiar a Via Algarviana?

Osvaldo Gonçalves, enquanto vice presidente da AMAL, disse que, quando a taxa turística foi discutida e aprovada, se falou «que uma parte teria de ser para projetos regionais e que um deles poderia ser a Via Algarviana». No entanto, essa questão não ficou «em nenhum compromisso», pelo que precisa ainda de «discussão e consensos» na AMAL.

 

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