Loulé suspende PDM para travar resort na foz do Almargem e Trafal, Novo Banco não desiste

Decisão trava projeto de fundo ligado ao Novo Banco, cujo CEO admite que vai discutir o assunto

A Câmara de Loulé decidiu suspender o Plano Diretor Municipal (PDM), na área da Foz do Almargem e Trafal. A decisão impede, para já, que mais um empreendimento turístico seja construído nesta zona húmida. 

A decisão foi aprovada, ainda em Janeiro e por unanimidade, pela Câmara Municipal. Depois, no passado dia 22 de Fevereiro, a Assembleia Municipal de Loulé aprovou, por maioria, esta proposta camarária.

Houve 24 votos a favor (das bancadas do PS e Bloco de Esquerda), três abstenções (de um deputado do PS e dos presidentes das Junta de Freguesia de Salir e da União de Freguesia de Querença, Tôr e Benafim, eleitos nas listas do PSD) e sete votos contra dos deputados do PSD e do CDS/PP.

Em comunicado, a Câmara de Loulé explica que «fundamentou a necessidade do estabelecimento de medidas preventivas para a área em causa, com vista a evitar a alteração das circunstâncias e das condições existentes que possam limitar a liberdade de planeamento, comprometer ou tornar mais onerosa a execução do processo de revisão do PDM de Loulé em curso».

«O estabelecimento destas medidas preventivas e a subsequente suspensão da eficácia do PDM de Loulé em vigor para esta área territorial assentam, em síntese, na constatação da existência de um conjunto de fragilidades ambientais», diz ainda.

E esta é, de facto, uma vitória para os ambientalistas. É que a suspensão do PDM impede o avanço do projeto Quinta do Oceano, cuja entidade promotora é o Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado — Invesfundo VII, do grupo Novo Banco.

António Ramalho, CEO do Novo Banco, em conversa recente com jornalistas algarvios e respondendo a uma questão do Sul Informação, admitiu haver, nos ativos imobiliários no Algarve, «assuntos em discussão onde existe alguma divergência com a CCDR ou com as Câmaras Municipais». «Estamos a tentar resolver essas questões com naturalidade, faz parte das regras do jogo», acrescentou.

Um dos casos, admitiu, é o do terreno onde se situa o atual parque de campismo, em Quarteira, cujo «resultado não foi entusiasmante». O projeto Quinta do Oceano previa a construção de 499 fogos, em prédios de dois a seis andares, bem perto do Trafal.

António Ramalho manifestou alguma estranheza pela decisão da Câmara de Loulé, tendo em conta que «a zona que tem crescido ali, há casas a avançar naquele local, há os supermercados a crescer para aquela zona. Não nos parece que aquela seja [comparável com] a zona de expansão turística de Vale do Lobo». «É o único sítio para onde Quarteira pode crescer, já que não pode crescer para o lado de Vilamoura», salientou.

O CEO do Novo Banco anunciou ainda que a instituição bancária vai discutir a questão «com quem de direito e com o respeito enorme que temos com o senhor presidente da Câmara de Loulé e pelos seus serviços».

António Ramalho defendeu ainda que, «para haver uma proteção inteligente da orla marítima, tem que se trabalhar conjuntamente com o investidor no sentido de haver um processo inteligente, convencendo o investidor. Não defendo sucessivas Armações de Pera ou Quarteiras, mas não se pode parar tudo».

 

Certo é que, com a decisão de suspender o PDM na área da Foz do Almargem e Trafal, o projeto do fundo ligado ao Novo Banco fica em maus lençóis.

Em Junho do ano passado, a associação Almargem tinha vindo a público pedir à Câmara de Loulé que avançasse, «de imediato, com o processo de classificação da zona do Trafal e Foz do Almargem como área protegida de âmbito local», bloqueando, dessa forma, o avanço da Quinta do Oceano.

Agora, para a tomada desta decisão, a Câmara de Loulé explica que também pesou o facto de existir um projeto de Valorização das Zonas Húmidas do Algarve, em desenvolvimento, com a coordenação operacional da Almargem, que «poderá conduzir à classificação da área envolvente da Foz do Almargem e Trafal como Paisagem Protegida Local».

Segundo a autarquia, a adoção destas medidas preventivas tem, precisamente, como vantagem «a salvaguarda de áreas a proteger, quando se tratam de ecossistemas sensíveis, em particular as ribeiras do Almargem e do Carcavai e respetivas lagoas, cujas áreas de terra são inundadas com água, sazonal ou permanentemente, e que funcionam como barreiras naturais contra catástrofes naturais, ajudando a minimizar significativamente os impactos das alterações climáticas».

Outro importante «objetivo que se pretende é a valorização de todo o sistema urbano de Quarteira, ao evitar uma maior densidade de edificação e prevenir cargas de ocupação do território que seriam excessivas e também lesivas». Assim, na vigência das medidas preventivas, «os atuais índices máximos de construção admitidos passam de 70% para um máximo de 20%».

«Para a decisão de apresentar aquela proposta à Assembleia Municipal, o executivo teve em atenção o atual regime de uso do solo previsto no PDM para aquela área, que coloca em causa as atuais opções estratégicas municipais, plasmadas no Relatório sobre o Estado do Ordenamento do Território (REOT) e na Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas (EMAAC), concluindo que, perante a sensibilidade biofísica da área em causa, o atual regime do uso do solo colocava em causa a minimização dos impactes resultantes das alterações climáticas e respetiva salvaguarda da prossecução do interesse público».

O estabelecimento destas medidas preventivas e a suspensão do PDM de Loulé para aquela área ocorre pelo prazo de dois anos, prorrogável por mais um (caso tal se mostre necessário) ou até à entrada em vigor do novo Plano Diretor Municipal.

A zona húmida da Foz do Almargem e Trafal foi uma das que esteve no centro das atenções da Rede de Educação Ambiental para os Serviços dos Ecossistemas (REASE), um projeto de educação ambiental coordenado pela Almargem e que envolveu diversas entidades algarvias, incluindo o CCMAR da Universidade do Algarve, os Centros Ciência Viva de Faro e Tavira e escolas algarvias.

No âmbito do Rease, além de ter sido promovida uma caminhada pelo Trafal e Foz do Almargem, para dar a conhecer a riqueza ambiental desta zona, foi lançada uma publicação sobre o Cadoiço e a Foz do Almargem.

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