A Química nas coisas comuns e extraordinárias de um mundo mais sustentável

Imagine-se o rótulo de uma maçã. Centenas de tipos de compostos químicos, todos naturais, todos químicos: água, açúcares (glicose, frutose, […]

Imagine-se o rótulo de uma maçã. Centenas de tipos de compostos químicos, todos naturais, todos químicos: água, açúcares (glicose, frutose, sacarose e outros), amido, riboflavina (vitamina B2), nicotinamida (vitamina B3), biotina (vitamina B7), ácido pantoténico (vitamina B5), ácidos (palmítico, esteárico, oleico, linoleico, fítico, fólico, oxálico, salicílico, etc.), leucina, isoleucina, valina, arginina e outros aminoácidos, polifenóis, antocianidinas, antocianinas, etc. E também compostos que, se fossem aditivos, seriam classificados como Es: taninos (E181), caroteno (E160a), tocoferol (vitamina E, E306), ácido ascórbico (E300), ácidos málico (E296), cítrico (E330), tartárico (E334) e fumárico (E297) entre muitos outros.

Note-se o ácido ascórbico que é mais conhecido como vitamina C. Como aditivo alimentar, este composto é muitas vezes obtido de forma sintética a partir da glicose; a molécula é a mesma com as mesmas propriedades. Natural, sintético ou artificial, não é, por si só, relevante, o que é fundamental é que seja seguro.

A produção de compostos naturais por vias sintéticas é quase sempre mais sustentável do que a sua obtenção a partir de processos naturais. Podemos assim preservar muito mais produtos naturais para a nossa alimentação e obter os compostos que são obtidos destes a partir de resíduos ou matérias primas.

São usados, no mundo inteiro, todos os anos, 60 toneladas de índigo, o corante azul das calças de ganga. Se este corante fosse obtido todo de forma natural, precisaríamos de usar uma área arável equivalente à de Portugal. Usando vias sintéticas industriais, cada vez mais eficientes e com menos resíduos, inseridos em meios de produção que valorizam a economia circular, precisamos de pouco mais do que 60 toneladas de matérias primas, que podemos por agora associar ao petróleo, mas em breve poderão provir de fontes renováveis.

Pensemos num material como o poliéster, um polímero que nalgumas formas de uso é conhecido como um plástico. São usadas por ano (dados de 2008) 40 milhões de toneladas deste polímero em roupas e 16 milhões de toneladas em embalagens (a maior parte em garrafas). Se os 40 milhões de toneladas de poliéster fossem substituídos por algodão, precisaríamos de uma área arável idêntica à dos EUA para o obter. Há, claro, muito espaço para tecidos naturais, mas os tecidos sintéticos contribuem de forma decisiva para a sustentabilidade do planeta.

Os polímeros (plásticos) foram e são uma solução muito boa para um conjunto de problemas com um espectro enorme de aplicações que não podemos facilmente abandonar, como electrodomésticos, telemóveis, carros, dispositivos médicos, roupas, entre outros. Infelizmente, essa solução fantástica está agora a mostrar-se problemática com a acumulação de plásticos na natureza. O que temos de fazer é maximizar a redução dos usos desnecessários, fomentar a reutilização e a reciclagem, assim como procurar substitutos ambientalmente mais sustentáveis.

Os plásticos, como tudo o que nos rodeia, mesmo coisas naturais, são poluentes se estiverem no local errado em quantidades prejudiciais. De facto, também os compostos naturais podem ser poluentes. Veja-se o que aconteceu com a poluição do Tejo com celulose, uma fibra natural, usada no fabrico do papel. Em excesso no rio, potencia o aparecimento de microorganismos que vão gastar o oxigénio e levar à morte dos peixes.

Os problemas ambientais não se resolvem fora da ciência, mas sim com mais e melhor ciência, e também com mais educação, humanidade e humanidades. A investigação química e a indústria química, desde as décadas de 1960 a 1980, em particular depois da consciencialização ecológica dos anos 1960 e o desastre da Bhopal em 1984, colocam a segurança e a sustentabilidade nas suas maiores prioridades.

Dessas preocupações surgiu o conceito e a filosofia da “Química Verde”, a partir dos anos 1990, que preconiza a minimização, ou eliminação completa, dos resíduos e produtos indesejados, o uso de materiais renováveis, sustentáveis e não perigosos, assim como a maior eficiência na produção, tudo isso quantificado de forma rigorosa. Facilmente se conclui que isso interessa também à indústria que, com processos mais eficientes e sustentáveis, terá menos gastos energéticos e custos com o tratamento de resíduos e procura de matérias primas, rumo à utopia possível da economia circular. Cabe-nos a nós sociedade garantir que esses objectivos são prosseguidos, valorizando a cultura científica e o conhecimento.

Autor: Sérgio P. J. Rodrigues (Centro de Química e Departamento de Química, Universidade de Coimbra)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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